47x07 The you I love in the dark

 

Imagem: TingTing Huang

Eu quero me explicar. 

Quero contar sobre essa sensação que você causa em mim. 

Eu me senti a 7 léguas de você, no mesmo quarto. Olho seu rosto e fico me perguntando, se você é bonito, se você é feliz, se eu te amo. 

Perguntas que vem em grupos, milhões de pontos de interrogação que surgem nos meus balões de pensamento quando você entra em uma sala. 

Conversamos. 

E eu quero saber mais sobre você. Eu quero saber mais sobre mim, através de você. 
Eu quero saber sobre nós. 
Eu quero saber se existe nós. 

Num quadro branco, faço conexões, eu estudo teorias, todas as possibilidades, utilizo os axiomas para entender, talvez. 
Concluo que não. Não existe tal coisa chamada "nós".
Existe aqui, existe agora. 

Existe o cheiro que você abandona quando caminha de um lugar pro outro. E essa coisa no fim da sua risada. 
O jeito como você usa os seus pontos de interrogação. 
E esse tom de cera de vela. 
A tensão existente no caminho dos seus olhos. 

O tácito acordo, essa sensação de arder em chamas, a ferida que abre quando isso tudo reaparece, tudo o que acontece quando você leva tudo embora - e deixa pistas de que já esteve aqui. 

Explique isso pra mim, porque eu não consigo entender sozinha, eu preciso das suas peças nesse quebra cabeça. 
Eu tô tentando entender e, ao mesmo tempo, eu não quero entender. 
Eu quero aceitar. 

Eu quero ser honesta, comigo e com o mundo. Mas nem tanto. 

Eu perguntei a ele se isso duraria pra sempre. 
Fiquei pensando sobre um dia que passamos juntos, milhões de anos atrás, em outra vida. 
Eu podia ver o sol nascendo atrás da sua cabeça e 
Eu amo você. 
De muitas, muitas maneiras. 
Mas não dessa. 

***

Mais uma vez, feito uma tradição macabra, eu acendo as velas no seu altar e deixo que elas queimem o sacrifício que eu insisto em deixar, como se fosse ainda o meu deus. 
Enquanto espero, percebo que você poderia, se quisesse, responder às minhas preces. 

Já não há ninguém, mais nenhum devoto. Ninguém sacrifica carneiros, homens, ninguém segura as suas mãos ao atravessar a rua. 

E, ainda assim, você não responde. 
Você poderia, se quisesse, mas não responde. 

Você me deixa sozinha, as velas queimando, uma a uma, até escurecer, até que eu tente, desesperadamente, te amar no escuro.
Espero uma resposta, uma epifania, um toque, mas você não responde nada. 

Logo, a resposta é não. 

Early Cuts: White noise

 

Imagem: TingTing Huang

1 - Negação

As vozes ficam cada dia mais baixas, mais distantes. As minhas, as dela. 
Como se eu ouvisse uma voz que ouve uma voz. 

Penso nisso e não acho nada, sinto uma angústia ruim, peito roído, quebrado ao meio, e me afogo na rotina torpe de acordar e dormir, falar e ouvir, e não pensar. 

A mulher que vive nos meus ouvidos me fala, ou fala para si, e eu já não a reconheço. 

2 - Raiva

Tolices. 

Eu brigo. Fico com raiva da luz, do cheiro, da cor amarela que aparece nos seus olhos. 

47x06 Veil

 

Imagem: TingTing Huang

Chego em casa e lavo as minhas mãos, mas o seu sangue não sai. Mancha toda a pele, feito caneta permanente. 

Não sai nunca e eu esfrego as mãos até ficarem em carne viva, mas o seu sangue fica. 

***

Abro a sua cabeça com mil instrumentos inadequados, abridores de latas e facas de mesa, seu crânio duro entortando meus garfos.
Cacos de vidro, tesouras sem ponta e bigornas. 

Pregos e lixas de unhas pontudas, abro buracos e espio aqui e ali, sem fórmula, sem objetivos, sujo tudo com seu sangue, com meu sangue, até não saber mais qual sangue saiu de quem, quem sangrou mais, quem vendeu, se tem vencedores nessa história de brincar de sério. 

Faço uma sujeira, uma bagunça que não sei limpar, que me apavora ter que limpar sozinha, e eu quero parar e limpar. 
Eu juro que quero. 
Mas, como tudo na minha vida, deixo pra depois... 

E pego uma colher de sobremesa, uma chave, um grampo.
Debruço-me sobre o seu corpo - e me causa tremenda estranheza pensar nessa cena vista de fora - e me ponho a cavar, raspar e furar. 
Incessantemente. 
E eu não sei o porquê. 

Eu não sei o que eu quero encontrar, o que eu vou encontrar. 
Eu não sei o que fazer se achar. 

Por um momento, eu paro. 
Eu pauso o mundo inteiro e me sinto sozinha nele. 
Sozinha com você, o que é mil vezes pior. 

Por que? 

A ideia me sufoca e, no entanto, tornaria tudo tão mais fácil. 
Mas a coisa é:
essa não é uma história de amor. 

É uma história de criação, estamos criando algo, não estamos?, eu te pergunto. 
Mas não somos Adão e Eva, como você queria que fôssemos. 
Somos Pandora e Prometeu, somos Victor Frankenstein e seu monstro e eu tenho uma certeza quase que premonitória de que o que quer que criemos será tomado de nós. 

E seremos punidos pelos deuses modernos. 
É só uma questão de tempo.