36x08 Akhmet

Imagem: TingTing Huang

Eu me lembro de um sonho.
Eu era.
Eu significava algo pra alguém, portanto, eu era.
Ou não?
Sim.
Eu era poesia pura, minhas pernas foram construídas dentro das canções de amor e das cores dos seus olhos.
Nas minhas costas podia-se ver a tua respiração e meus cabelos cresciam ao som da tua voz.
Eu era uma música que vivia no teu peito, sem ritmo e sem dor, eu era incrível, invencível e bonita, eu já fui bonita e eu sabia como criar mundos e estrelas.
Eu cheirava à grama e lençóis limpos, recém lavados.
No meu corpo, toda a existência consistia na cor marrom e na textura macia da sua boca.
Eu era.

Acordei, com aquele gosto horrível na boca, e me lembrava.
Eu me lembrava.
Virei pó.
Eu não era. Só carne, sangue, ossos, metal e a dor de ter que continuar sabendo de tudo o que eu não era mais.
Como viver sabendo?
Como conviver com a frustração de saber e não poder ser?
Guardei dentro de mim a sensação de ser até que a vida perdesse a graça, vida torpe, morosa.
Morro?
Não, não, eu luto.
Eu me levanto e enfrento a crueza da vida, sendo cruel, eu arranco a beleza dos ligares, roubo significados.
Eu quero significar.
Mas eu não sou.
Minha carne é ácida, meu beijo queima, entristece, entristeço, entristecemos e eu sinto muito, eu sinto tanto, eu só queria significar.
Eu só quero significar.

E eu queria terminar esse texto com uma puta mensagem positiva. Sim, sobre significar, sobre não precisar que alguém te dê significado.
Eu tô sentada aqui no meu quarto bagunçado, finalizando esse texto que comecei há quase um mês (dentro de um redemoinho de dor e frustração) e tentando entender porque é que eu acho que o meu significado tem que partir de alguém.
Se eu sou a mesma pessoa que escreve que detesta ser limitada, ser definida por pessoas que acham que me conhecem, por que é que estou choramingando sobre alguém que me dê significado?

Sim, sinto que estraguei um texto que poderia ter sido tão bonito e poético.
Mas essa nunca foi a minha intenção, caro leitor.
A começar pelo título, que é o nome de um homem nojento e revoltante, incrivelmente cruel: um ser humano podre (e fictício, ainda bem).
Esse não é um texto sobre amor, sobre querer ser amada.
É sobre a crueldade dos momentos bons. E sobre a bênção do esquecimento.

Como é que eu posso viver sabendo que já significo algo pra alguém, e que esse significado vai se perder com o tempo?

Eu não sei responder a essa pergunta, ainda.
Mas eu sei que está relacionada com meu próprio significado.
Eu tenho um, que não me foi dado por alguém.
Eu só preciso encontrar.

E aí,
eu respondo.
Se você quiser saber.

36x07 Por favor

Imagem: TingTing Huang

Por favor, Deus, por favor.
Por favor
Por favor
Por favor

Já fizemos isso antes, nós dois. Já estivemos aqui, eu sentada na Tua frente, pedindo, implorando.

Por favor
Por favor
Por favor, exista, por favor, me responda.
Por favor, me ajude.
Dessa vez também, mas não.

Só mais essa.
Hoje, por favor.
E amanhã.

Daí alguém diz, Ella diz, que minha dor é pequena quando comparada ----
E me sussurra histórias que me fazem ter medo de escuro, de dormir, de comer e de viver.

Por favor, só mais essa vez.
Só agora, só hoje.
Por favor.

E Ele cospe no meu rosto, Ele cospe no meu rosto como eu já cuspi no dEle e deseja que eu morra aos poucos, e eu estou, eu vou.

Seja feita a Vossa vontade.

36x06 Break Loose

Imagem: TingTing Huang

Algemada, fita na boca, venda nos olhos, mãos, pés e cabelos presos.
Eu quero ser livre.

Tô presa pelas regras da minha mãe, pelas palavras de pessoas que não me conhecem, que não me reconhecem, nem me olham nos olhos ou me beijam os lábios.
Presa às convicções antigas e terrores infantis, deito na minha própria urina. Estou presa há séculos, desde antes de nascer, a coisas ditas e feitas por gente que não conheci, amores que não passam de apego doentio, dinheiro, cor, gênero, poder, família, sociedade, medo, mídia, literatura, política, eu, você, Deus (o meu e os deles).

Choro, berrando alto, pro escuro do meu peito e, primeiro, ninguém me ouve, ninguém vem.
Dias e dias, eles chegam, abrindo cadeados, soltando correntes, prendendo correntes, afrouxando nós, diminuindo o espaço pra andar. E, mesmo assim, sobrevivo.

Vou lutando, solto um braço, me soltam uma perna, depois me tiram a venda, a mordaça.
Daí chega o dia, afinal, e eu fico livre.
Pra pensar, sentir, opinar, amar, beijar, não comer, fugir pra bem longe, pra ficar, pra tentar, fracassar ou conseguir.
Deixo pra trás meus grilhões e, no escuro, tateio em busca da porta, trêmula, cansada, ansiosa.

Oh, céus, estou livre!

Eu poderia morrer, se quisesse. Um milhão de possibilidades, poderia fazer qualquer coisa, qualquer uma, qualquer uma,

mas qual?

Devo largar a faculdade, preciso mesmo de amor? Morrer, viver, acreditar em quê? Em quem? Lutar pelo quê?

Encontro a maçaneta e, óbvio, lógico,
eu a abro?
Ou não?

Nenhum dos dois, tudo é válido enquanto estou de pé, livre e não livre, presa em mim e na dúvida do que acontece atrás da porta, ou sem dúvida, porque nada me prende, mas será que isso quer dizer que qualquer coisa serve?

Considero sim, como você bem sabe, voltar e me prender toda, amordaçar e vendar.
Considero, considero, considero.
Não espero, considero.

Estou viva, estou livre,

estou considerando.

36x05 Ceiling

Imagem: TingTing Huang

Ir embora não é fugir, nem deixar de lutar,
não é feio não querer mais sofrer.
Tem algo de bonito em querer se tratar bem, se sentir bem, braços limpos, veias intactas, querer ir pra casa, limpa e enxergar além do que teima em te tolher.

Música espanhola, escrever sobre um menino que lê um livro, gente que teima em não se apaixonar, azuis de uma echarpe e o olhar distante de uma garota deitada no sofá.
Se tem um lugar pra onde posso ir é pra dentro da minha própria cabeça, nas sardas e na boca da menina ruiva de sapatos coloridos. Tem tanta gente no mundo, B. E as pessoas são tão lindas, tão lindas.
A frase de um cara que abriu a boca e não disse nada, e quem as pessoas procuram.
O que eu penso, o que eu procuro, isso é só meu.

Posso até não poder ir pra casa, posso estar aqui onde você vê
mas você nunca vai me alcançar.
Nesse lugar, dentro de mim,
você só me machuca
quando eu deixo.

36x04 Hijab

Imagem: TingTing Huang

Quero morrer.
Existe perigo debaixo do tecido, por fora do tecido, no meu rosto, minha pele e meu nome.
Eu não tiro, eu luto, eu tiro, eu temo por mim, meus irmãos, esse mal que nem existe dentro de mim.
Meu Deus, o que há de errado com quem eu sou?
Deito na praça de uma cidade que me deixou ficar e que me manda embora, no centro de um sonho americano e dos meus pesadelos mais frequentes, debaixo de uma cama num porão, sem saber o que acontece quando a manhã chegar. Eu quero morrer. Não porque estou triste, não crescem em mim baobás, eu quero morrer porque não sei mais sobreviver sem lutar. E porque a luta parece vã, estúpida.
Quero lavar com sangue o tecido da minha roupa e o chão da minha casa, da terra que não é minha, eu quero morrer, eu quero viver, eu quero sair de casa mostrando quem sou, ter filhos e falar francês, eu não quero o fim do mundo como conhecemos, eu quero fazer parte do mundo e da história, quero não ter medo, nunca mais ter medo

Não é o que todo mundo quer?

36x03 Coisas que não se diz a ninguém

Imagem: TingTing Huang

N.A.:  Eu não tenho coragem de digitar o texto original, não por completo, seria desnecessário. É raiva pura, tristeza, decepção. Mas está aqui porque tem que estar aqui. Eu conto histórias. Mesmo quando não gosto delas. Esse texto é sobre mulheres que conheci, mulheres que seguraram caladas, seguraram o choro até quando deu pra segurar. Digam, mulheres, digam: viver assim dói.

Seu nariz tá sangrando, eu tô sangrando, minto, esse sangue não é meu, largo a pedra no chão e corro pra casa, tranco a porta do banheiro e tomo banho, longo, pra me sentir limpa.
Mas continuo sangrando, um sangue que não é meu escorre das minhas unhas com esmalte descascado, gosto ruim na boca. Por que?
Porque sim, porque a vida é sim.
Ou não é? Como é que se diz, como é que eu grito as coisas que não se diz a ninguém? Se eu não consigo dizer pra mim, se eu não consigo traduzir e entender, eu tô pensando, eu tô me esforçando, mas não quero passar os dias a colocar e tirar máscaras de mulheres, crianças e monstros. Eu quero dizer as coisas que não podem ser ditas.

Mulher, diga. Diga.
Precisa doer se dói, mas ela tá com medo, tá com medo de, tá com medo de quê? Diga, mulher, diga.
Não digo. Me queima a boca, me queima a boca, me queima, não digo. Diga, mulher, só diga o que precisa ser dito.
Não dá, não dá.
Filha da puta, abra a boca e diga o que tem pra se dizer, você tem tanta gente junta lutando pra sair, diga o que não se diz.

Pois bem.
Eu tô chateada, eu tô me sentindo vilipendiada, enganada. Porque ninguém é obrigado, mas eu faço o que é preciso. E não é só hoje, nem até amanhã, por um ano ou 500 dias. Demora a passar, fica grudado feito o suor em dias quentes.
Não me machuque. Eu não quero me machucar. Nem antes, nem durante, nem depois. E eu tô machucada, eu tô triste com essa porra de ferida que não sara nunca, que vai e volta (às vezes, até pior do que antes). Vá tomar no cu.
Filho da puta, escroto, fodido, nojento, porco maldito, eu odeio você.
Porque você está me machucando e ninguém pode fazer nada sobre isso. E eu não consigo deixar de ser isso, você não consegue deixar de viver porque, bom, você já sabe o porquê.
Essas coisas não devem ser ditas a ninguém, mas eu te odeio. Você é nojento e revoltante, te falta tato, senso ou qualquer coisa que me obriga a tentar ser sempre ok, que me faz não te apedrejar nas ruas e rasgar seu peito. A falta disso me faz ter nojo de mim mesma, da minha pele, do meu passado, das minhas palavras e da minha voz.
Eu odeio você.
Odeio odeio odeio, e isso não se diz, talvez nem seja verdade. Mas alguém tinha que dizer.
E eu disse.
E quero continuar dizendo, dizendo e dizendo que não quero magoar ninguém, que eu digo a verdade, que eu não machuco as pessoas, que eu amo e sou capaz de amar as pessoas sem machucá-las. Você não é. Eu sou capaz.
E mesmo quando não pareço ser, eu tento e tento o quanto posso, e vou continuar tentando.
Eu te odeio.
Tanto, tanto que machuca e confunde.
E eu não deveria dizer isso a ninguém, mas você não vai mais me queimar, cortar minha língua e me partir em pedaços.
Eu te odeio e não sinto muito
por sentir tanto.

(Queria ter te dito isso, mas não por telefone. Eu precisava voltar. Colocar as coisas sob uma perspectiva diferente. Entender, fazer sentido. E percebi que, realmente, essas coisas não devem ser ditas a ninguém. E nem sentidas por ninguém)

36x02 Press Coverage

Imagem: TingTing Huang

Neruda me disse, em segredo, sério, delicado, que amava Matilde, feia Matilde, e seus cabelos.
Na época, eu nada sabia, ou nem sei se já sei, sobre amor.

Sei que dói.
Dói?
Não, não dói.

Amar é querer bem, querer melhor, o melhor que se pode querer.
É querer abrigo, da chuva, do frio, das noites e dos perigos que se escondem na Augusta. Querer que beijos aconteçam, se beijos tiverem que acontecer, sem que se precise saber.

Amor é diferente dessa coisa química de injetar nas veias, desse gosto de sujeira na boca. Amar é apoiar, colo, comida, cavalo, cão de caça.
Amor é essa manhã linda na avenida de nome gringo a me dizer que, B., vai ficar tudo bem.
A me dizer que eu mereço mais, muito mais do que só isso.
Mereço pessoas, histórias boas de se ouvir e bocas boas de beijar, gente gostosa de abraçar.

Merece o mundo, diz a rua, disse a lua.
Digo eu.

36x01 Aprendendo a ser negra

Imagem: TingTing Huang

Arrepio na pele, dor de meses, anos, séculos nas costas.
Dói.
Mas por que é que nem sempre dói,

Quem eu tô?
Quem me embranqueceu?
A cor da minha pele é quem eu sou ou quem eu vou ser?

Daí meu cabelo cresce em molinhas curtas e pretas.
Pretas.
Molas pretas.
Que eu tento conter porque tentam me conter.
Há meses, anos, séculos.

Mas ele cresce e eu cresço, ouço vozes nos meus ouvidos, meu sangue, meus pés
e sussurro de volta, no meio da noite, com medo de admitir as raízes, as palavras ferinas dos homens e o sangue dos filhos das mulheres que não sou.

Mas eu sou.

Quem eu sou?

E os cabelos continuam crescendo, me chamando de preta, preta, pretinha,
eu tô com medo da dor do mundo, da verdade, dos cabelos e do sangue que corre nas minhas veias e no chão das terras em que piso.

Chamam-me bonita, exótica, moreninha.
Sou PRETA, vó.
Sou preta, retinta, Não tá na pele, na boca, tá aqui dentro de mim, no que faço e no que vou fazer da vida.
"Mas esse sangue não é teu, essa luta não é tua, alisa o cabelo, embranquece e segue a vida"

Eu penso, e sento, enrolando nos dedos as minhas molinhas, meus amores.

Não tem volta, mãe, vó:
Eu sou.

Esse sangue não é meu, não tem que ser meu.
Mas entendam: esse sangue não tem que ser de ninguém e eu não vou dormir, não vou descansar e nem comer direito
até que ele deixe de existir.

Eu sou, vó.
Eu sou.

35x20 Desaparecer (season finale)

Imagem: TingTing Huang

Estava olhando essa fotografia tirada outro dia:
estou magra.

A câmera não mente, osso puro, pequena e frágil feito um pássaro, uma leoa faminta.

As pessoas me dizem que estou magra, as roupas nãos ervem mais, meu corpo murcha sob meus olhos.
Não como.
E experimento um certo prazer advindo disso.

Não me acho gorda, não é nenhum transtorno, olho no espelho e me vejo como sempre fui.
As fotos e os shorts é que me contam outra história.
Estou magra demais, braços e dedos ossudos, nem sei quanto devo pesar agora.

Eu não quero comer.
Fico tonta, respiro fundo, faço exercícios leves ao acordar.
E me sinto bem, zonza, num limbo hipoglicêmico.

Aí penso que vou desaparecer.
Vou sumir, minha carne vai desaparecer, meus ossos, quem eu sou.
E, caralho,
eu não tô mais doente
eu não quero isso,
não mais.
Nunca mais.

Enfio 2 pedaços de pão na boca, uma bala de menta, 1 copo de guaraná.
Mastigo uma cenoura, sem vontade nenhuma,
e bebo água.

Tô aqui por mais um dia,
torcendo pra não acabar desnutrida,
pra não estar desnutrida,
pra acabar com esse péssimo hábito de sentir que fico melhor e mais feliz quando não como.
Eu não quero comer,
mas não quero desaparecer.

Eu quero viver, entende?
Eu quero viver.
Eu quero viver.

Ainda assim, eu me deito na cama, sentindo o peso dos membros, a tontura e esse sono todo,
e me sinto bem.

Mas eu não quero desaparecer,
então enfio mais pedaços de pão na boca, sinto ânsia de vomitar,
mas engulo.
E tô aqui.
Onde devo estar.

Onde pretendo ficar,
não se preocupe.

35x19 Jack

Imagem: TingTing Huang

Acabei de falar com você.
Mas tem tanta coisa que não dá pra dizer ainda.

Pra começar:

Eu quero você.

Isso mesmo. Eu quero você. Quero beijar você, quero dormir com você.
Quero você de formas que te fariam corar.

Penso em você o tempo todo, quero falar com você, estar com você.
Quero conhecer a sua casa, seu corpo, o gosto da sua boca e a cor das suas manhãs.
E isso me assusta, porra, isso me assusta, você me assusta, querer você me assusta.
Assusta não saber o que vai acontecer quando nos virmos, me assusta a tua intensidade, a possibilidade de te magoar, de me magoar.
Mas eu quero você.

Contra todas as dúvidas, quero te ligar no meio da noite e te implorar pra abrir a porta de casa.
Eu não quero que você durma, não vamos dormir, diga que me ama, que está queimando por dentro, entrando em combustão espontânea. Não durma, não durma sem mim.

Eu tô com medo de que esse não seja o momento certo, de que eu não seja a B. certa, a garota certa pra você.
Eu preciso ser?
É agora ou nunca mais?
Você já dormiu,
mas eu não durmo, minha cabeça pesa com as palavras que não posso dizer ainda, tenho que pensar, tenho que refletir.

Mas eu quero você,
quero você
quero você
quero você
quero você.

Não posso dizer agora, mas vou dizer.
Quero você, quero você.
E quero que você me queira também.

Boa noite.
Durma bem.

35x18 31 dias

Imagem: TingTing Huang

Oi
(Não, não. Muito informal)

Olá
(Hm. Melhor "oi")

Oi, tudo bem?
Oi, TUDO bem?
Oi, tudo bem????

Digito.
Mas não envio.

Por que enviaria?
O que receberia de volta?

"Tudo. E você?"

E aí eu jorraria palavras desesperadas de novo, um bando delas, desconexas, perdidas, numa tentativa
(mais uma tentativa)
de fazer com que você me enxergasse de novo.

Não.
Durante esses dias, eu não só me percebi, me descobri.
Talvez tenha me apaixonado.

E eu não estou curada ainda, não completamente.
Ainda sinto vontade, às vezes, Hans.
Mas eu percebi coisas, eu senti coisas.

E a primeira e mais dolorosa delas foi
Você sempre esteve a um "enviar" de distância de mim.
Mas, pelo visto, eu estava infinitamente mais distante de você.
Quero dizer, só pode ser isso, certo?

Só pode ser essa a razão pela qual esse seu oi, esse olá, esse oi tudo bem, qualquer coisa, qualquer mensagem,
nunca chegou.

Porque estamos distantes, tão distantes que o "enviar" não poderia resolver,
nem eu,
nem você.

35x17 Age of Youth

Imagem: TingTing Huang

Eu tô ficando velha.
Assim, velha.

Preocupo-me com o dinheiro que não tenho, copos que preciso comprar.
Quero casa, meu lar, o cheiro do meu travesseiro, preocupo-me com a irmã que não volta, ouço ruídos inexistentes, imagino tragédias, ofereço sermões.

Quando é que aquela B. que fugiu pra conhecer um cara da internet virou essa, que vê um serial killer no rosto de cada estranho?
Fiquei cínica, me preocupo com o amanhã, a não aposentadoria, o resumo das novelas e as mortes violentas.
Preocupo-me com a política, a saúde alheia, amar e ser amada, com um rapaz que talvez me ame. Preocupo-me com o sexo, com a boca de um cara e as coisas que ele pode me fazer sentir, com um futuro emprego e o sustento da minha família.

Cadê eu, cadê aquela inocência, aquela B. que corria pela madrugada, lépida, a sonhar com rapazes desimportantes, de cujos rostos mal me recordo?
Cadê aquela B.?

Cadê eu?

35x16 Twenty-Sixteen

Imagem: TingTing Huang

2016 foi um ano longo, cheio: bom.
Sou grata por ele, por tanta coisa.

Ano de me (re)conhecer.
Cabelos se enrolando devagarinho, feito a hera que cresce nos muros de um jardim.

Comecei o ano lendo meu horóscopo, querendo acreditar em um ano melhor, nas possibilidades, vestida de branco, sem conseguir me desapegar de um velho amor, sem querer me desapegar. E, entre os fogos e desejos de paz, saúde e felicidade, desejei-o, nós dois, juntos de novo.

Era ano novo, mas eu queria o ano antigo. Queria o passado de volta.
Do futuro, eu tinha medo.

O horóscopo veio me dizendo que minha vida viraria de cabeça para baixo, falou de amor, oportunidades, de não desistir quando tudo ficasse difícil, disse que eu iria me apaixonar em setembro.

Ô, ano lindo.

Comecei correndo contra o tempo, lutando pra que tudo desse certo, beijando na boca, enrolando o cabelo, viajei pra ver a Florence, o Mumford, Halsey, Marina, of monsters, com meu melhor amigo, que salvou meu ano, minha vida.
E aí, em Março, em Abril, eu saí, eu beijei, minha Vênus veio e foi embora, sem que eu soubesse se ainda o amava. Decidi que sim.

E a bravura que eu não sabia que ainda tinha me botou na porta da casa dele, cansada de fingir, de esperar, de acreditar nas tecedeiras do meu destino.
"EU AINDA GOSTO DE VOCÊ".
Daí fui esperar a resposta.  Telefone tocou, um mês depois.
Não era ele.
Era um amigo, dizendo que não queria mais ser só amigo.
Deitei no colchão, fui pra terapia, pensei, pensei.
- Não dá, meu bem, tô em outra.

Nós nos despedimos em junho, quanto Setembro chegava galopando.
Agosto, e nada dele chegar me pedindo pra voltar, mas eu já estava estranha.
Eu esperava por Setembro.

Um turbilhão de coisas, briga com a Lola, Martín e setembro me encontrou sentada no tapete com um grande amigo, jogando tarô e percebendo que ia, sim, me apaixonar. Estava escrito.

Outubro, novembro, dezembro, fui assaltada, perdi o prazo, chorei de raiva, virei presidente, fui pedida em namoro e tive que recusar.
Depois Jack e essa dúvida cruel sobre nós dois, pedir desculpas, casa de vó, voltar a escrever.

Puta ano intenso.

Eu aprendi a me amar, a me desintoxicar, decidi mudar minhas opções, parar de deixar que decidissem o que eu devo fazer, quem eu sou.
Eu sei quem sou. E quem quero ser.
Mas não sei de tudo, sei da minha vida, das minhas regras.

Sei que o horóscopo acertou sobre o trabalho, oportunidades, amigos, conversas. E você pode até dizer que setembro não trouxe ninguém.
Mas ó, acabei me apaixonando por mim.

Loucura, eu sei.
E espero que outros piscianos tenham encontrado amor por aí.
Eu encontrei em mim.

Descobri meu corpo, meus cabelos, quem eu era, do que sou capaz, minha vontade de fazer as coisas do meu jeito, ter meus próprios amigos e correr por aí, solta e furiosa.
Tô apaixonada por mim de um jeito que só eu entendo e quero o melhor pra mim, pro meu corpo, pro meu futuro.

Não quero só ser boa moça. Quero ser brava.
Incrivelmente corajosa.
Sou grata pela coragem de dizer o que sinto, de dizer tantos nãos, de dizer tantas bobagens, pelas pessoas que me salvaram os dias.
Com suas mensagens, seus beijos, seu amor:
Foi incrível.

Temo que o próximo ano não seja tão bom, não espero nada.
Começarei aqui, lendo o horóscopo, fazendo planos, com a certeza absoluta de que
whatever will be, will be. 

Feliz ano novo.

35x15 30

Imagem: TingTing Huang

Não falou comigo.

Primeiro, aquela dor, aquela vontade, o peito a se rasgar em dois, em dez "fala comigo".
Por mensagens subliminares, telepatia ou sinais de fumaça,
"fala comigo".

Contei as horas, os segundos, os anos, as eras.

Achei que, em algum momento, como um sinal, você viria.
"Fala comigo".

Sem pensar, acabei fazendo promessas silenciosas, dizendo não e sim, a torto a à direito.
"Fala comigo"
Não dói falar comigo.
Mas doeu.

Tapa na cara, soco no estômago acordar sabendo que quem te amava era eu.
Sentei no sofá da sala, desolada.
Eu andei amando sozinha.

Levantei, limpei a sala e depois o resto da casa, esfreguei o chão até que os braços doessem e descobri algo simples, tão simples e complexo e ingênuo e diabólico, escondido entre as roupas que eu jogara no chão, o pó das cortinas e os fios de cabelo caídos pela casa:
Eu não preciso de você.

Corri a me olhar no espelho, perguntar-me se tinha certeza daquilo, não era possível.
Eu não preciso de você.
Horror dos horrores, comecei a rir de nervoso, com medo de que o mundo soubesse, com medo de estar fazendo algo antinatural.

"Eu não preciso de você", sussurrei, com bravura, pro universo infinito, pra chegar nos teus ouvidos e te acordar, ou pra não chegar nunca, sei lá.

Ainda fiquei com medo, ainda estou com medo de que seja passageiro. Mas não acho que seja.
Eu não quero mais precisar.
E acho que estou no caminho certo.

35x14 Timing

Imagem: TingTing Huang

Eu fui o teu primeiro amor, você não foi o meu.

Amou-me,
eu tinha medo demais,
gostava de escrever histórias
e do Daniel Radcliffe.

Não deu.

Cartas de amor nas gavetas,
eu te procurava sem saber pra quê,
tocava seu tapete vermelho pra não ter que te tocar.

Fomos embora,
cada um pra um lado,
se apaixonar pelo mundo, pela música, pelas pessoas.

Aí a gente se encontrou em Maio, talvez tenhamos dançado juntos, mas você nem sabe.
Bebeu, conversamos, você deitou no meu colo. E eu só queria saber de beijos de morango, estranhos com lençóis azuis e da minha prova no dia seguinte.

Passei a vida te dando as costas, e você me vendo ir embora, é o que parece.

Você tinha namorada e eu só queria saber, sem ter que perguntar, se você me amava. Tinha mesmo me amado? Ou era só brincadeira de criança?
Eu olhei, você olhou.
E o momento passou.

Até que eu voltasse, em fevereiro, de um ano escuro, pra me arrancar de você com a boca, disposta a te mostrar que eu não era assim tão boa, te mandar pra casa.
Aí você disse, assim, do seu jeito de criança feliz.
Você disse.
E eu não pude te mandar pra casa. Eu queria ser sua e queria que você fosse meu.
Mas era o ano errado, e eu te dei as costas pra ir embora e não voltar.

E você voltou, e me achou, me desenterrou e me gostou de novo. Mas eu estava ocupada demais não me gostando, pra gostar de alguém.
Você me deu as costas e deu medo, um medo egoísta, que depois passou.

Até você voltar: manso, calmo, puro, de um jeito que não dá pra ter medo, que não dá pra não chegar perto.
Cê tá aí, incrivelmente brilhante. Eu tô aqui, sem amar ninguém, limpa, machucada, cínica, merecedora do mundo.

Podia ser simples, eu te dou o beijo que vai quebrar suas pernas e te fazer ficar, mas porra, a vida é um livro da Jane Austen, esperamos demais.
Esperamos de menos?

Quero te mandar essa mensagem, mudar tudo, te agarrar pelos cabelos, homem.
Mas não sei se tô pronta pra você.
Tô com medo de amor.
E com medo de não te amar.

Você me diz que tá ansioso, insone. Eu tento te curar, te fazer dormir, te ninar,
mas tô é ficando insone por tua causa.

Tô ficando insone.
Por tua causa.
Isso é amor?

Eu não sei.