47x18 Stars unaligned at the gates

 

Imagem: TingTing Huang

Termino o caminho, mancando. 

Você me oferece a mão, o braço, e eu não aceito. 

Eu não quero a sua ajuda, eu não quero que me toque. Eu não quero mais continuar, mas também não quero parar. 

Você, como de costume, não parece cansado de nada. Dias de viagem, batalhas contra orcs, um djinn, ladrões e monstros. 
E você, tranquilo, sempre tranquilo. 

Sento em uma pedra e você examina os portões fechados, atentamente. 

Não tem outro caminho, Sol. Esse é o caminho. 

Você lê as inscrições, em voz alta e em voz baixa, na sua língua mãe. 
Isso me irrita, mas não digo nada. Há dias que não digo nada, só sinto raiva, muita raiva. 
Desde o dia em que enfrentamos o Djinn. 

Você nunca me perguntou o que ele fez nos meus sonhos, ou o que eu vi, o que eu fiz. 
E eu me ressinto disso também. 

Mas também de muitas coisas, coisas que você nem imagina, coisas que ele me mostrou dentro de mim, sobre você, sobre nós. 

Você explica que precisa de mim pra abrir os portões. 
Do meu sangue, do nosso sangue. 
Você explica, animado demais, feliz demais, que é preciso o sangue de 2 grandes amigos, mas só um pouquinho de sangue, então... 

E então você vai estar livre. 
Livre de mim, livre de nós, dessa bagunça que eu criei. 

Atrás dos portões existe um mundo à sua espera. 
Glória. Prêmios. Amor, talvez. 

Você percebe, mesmo sem que eu diga, que estou com medo - por que isso você percebe, e o resto não? 
Senta ao meu lado, me diz que vai ficar tudo bem, pra confiar em você de novo, me hipnotiza do seu jeito e eu me convenço mesmo de que sim, tudo vai ficar bem. 

Você me corta, na palma da mão, e se corta logo depois. 
Tocamos a porta, murmurando palavras mágicas mais antigas do que as estrelas. 
E nada acontece. 

Repetimos, de novo e de novo. 
E de novo
E de novo
E nada acontece. 

Você lê, relê as instruções, confuso e magoado consigo mesmo. 
Eu não digo nada. 

Você repete pra si mesmo e pra mim que a porta só precisa de sangue, do nosso sangue, do sangue de dois amigos.
Só o sangue de 2 amigos. 
Amigos. 

Você toca a palavra mágica e a repete em voz alta como se desconhecesse o seu significado. 
Observo seus ombros caírem quando a percepção do que está acontecendo finalmente te atinge com a força de um saco de cimento. 

A qualquer momento, você vai olhar pra trás, pra mim. 

Prendo a respiração. 

E me preparo pra falar, 
finalmente.