32x12 Something to wait for

Imagem: TingTing Huang

Acordei com essa melodia na cabeça.
Loucura, é.
Mais uma dessas canções que me faz despertar.

Me fez pensar em você.
Quem quer que você seja.

Senti uma coisa boa, intensa, nos braços, e no estômago.
Quase como se pudesse te ouvir chegar.

Eu não consigo te ver.
Randomizo o destino, quero saber se seus olhos são verde-esmeralda, cabelo escuro, enrolado, de tamanho médio, se a tua pele é mesmo pálida, se você é baixo. Se é uma pessoa boa, que gosta de pop e correr no parque da cidade. Foi criado por pais que trabalham demais, já sofreu um acidente de carro, tem medo de andar de avião. Mora em uma casa espaçosa, com um jardim. Quer ser professor. Namora há dois anos e tem dois gatos: um cinza e um preto.
Quero saber quem você é.

Se gosta de livros ou da cor dos meus olhos, de sair por aí de vez em quando, de ficar em casa sem fazer nada o dia inteiro. Se podemos acordar mais tarde e dormir cedo.

É uma música. Talvez, a sua música. Fala sobre procurar uma coisa lá fora, uma coisa que está dentro de você.
Engraçado, talvez você nem exista. Talvez você seja só essa ideia que me salva do que quer que seja. Essa esperança estúpida, essa qualquer coisa.

Queria sair de casa e te encontrar. Dar uma olhada em você, de longe mesmo, ver você e sua namorada, felizes ou não, sentados em uma mesa, conversando sobre a vida.
Loucura, eu sei.
Será que é assim que funciona? Num minuto, você ama alguém e olha pra mim, e está condenado a fazer parte de uma tapeçaria que nem é a tua?

Ando na dúvida.
Como é que começa o amor?
Quando é que a gente planta isso?
Onde é que começa?
Eu estava só agindo do meu jeito, impensado, triste e tentando sobreviver à Maio e ao semestre e aos dias bons, e ele descobriu que gostava de mim.
Como é que isso acontece?
Por que?

Começo a olhar as pessoas de forma mais atenta.
Com medo de que uma delas seja você.
Me assusta ignorar as possibilidades,
e te perder quando você chegar.

Falo com Pégaso, por um motivo qualquer,
e eu sei que ainda gosto dele.
Tá virando uma espécie de medidor, como se eu só fosse saber que você chegou,
quando falar com ele parar de me fazer sentir assim.

Eu quero esperar.
Eu quero me sentar e não fazer nada.
Quero entrar no mercado um dia e pegar sua sacola sem querer.
Esbarrar com você nos corredores da faculdade.
Talvez te dar monitoria, te beijar numa festa.
Guardar minha bicicleta ao lado da sua, te ligar por engano, comprar o último exemplar do livro que você queria, sentar na sua mesa porque é o único lugar disponível, bater na traseira do seu carro quando dou ré, fazer sua história clínica, sentar ao seu lado no cinema vazio, puxar assunto na fila do McDonalds.

Pergunto à Donzela, enquanto tranço meus cabelos escassos,
como você é.
- Ele sempre parece cansado. Pêlos no rosto, barba ou como quer que aquilo se chame. Cabelo ondulado ou encaracolado.
- E onde é que vamos nos conhecer?
- Eu não sei dizer. É um local relacionado à vaidade, inconsistência, intrigas.
- Temos algo em comum?
- Sim. Vocês estão cansados. Acreditam em coisas, estão acumulando sentimentos negativos dentro de si. Sentem-se desapontados. E rejeitam oportunidades e sentimentos.
- Ele também?
- Sim.
Ficamos em silêncio, eu tranço meus cabelos, rápida e delicadamente, enquanto ela tece.
- Existe algo. Inflexibilidade ou unilateralidade. - ela quebra o silêncio.
- O que isso quer dizer?
- Eu não posso dizer. É algo que você vai enfrentar, ou algo que vai acontecer.
- Então, pode ser sobre Pégaso e eu ou pode ser sobre nós dois? Unilateralidade.
- Sim.
- E o que eu devo fazer?
- Tenha paciência, calma. Siga em frente. E conheça a si mesma.
Suspiro.
- Eu tô tentando.
- Então não pare.
Termino de trançar os cabelos, beijo o topo da cabeça cheirosa da Donzela e saio, na direção da porta.

- Só uma coisa: vamos ser felizes? - pergunto, baixinho.
Ela levanta a cabeça na minha direção.
- Isso importa?

Não.
Acho que não importa.

Eu estou esperando, ok?
Procurando seu rosto nas sugestões de amigos do facebook, na mesa de trás do bar, e no carro ao lado no semáforo.

Não se atrase.

32x11 Metade Homem - Metade Texugo

Imagem: TingTing Huang

(Era pra ser um texto sobre uma garota, um cara, uma festa junina e algumas skol beats. Acaba que é só sobre a garota e quem ela é de verdade, mas mantive o título original.Eventualmente, quando o tema original voltar, irei usá-lo novamente)

- Nós não vamos ficar juntos, vamos? - pergunto a ela.

Estamos sentadas em um canto escuro. E ela corta, corta, corta, cega e serena.

Não responde.

- Você me enganou. Me fez acreditar que eu deveria correr riscos. E eu corri riscos. À toa.

Sem levantar os olhos do tecido, ela responde, quase cantarolando.
- Nada acontece por acaso. Você fez o que escolheu fazer. As consequências virão, eventualmente.
- Eu não acredito em você.
- Você não tem que acreditar em mim. Eu não preciso da fé dos homens. Eu existo. E deixarei de existir quando chegar a hora.
- O que teria acontecido se eu não tivesse arriscado? Se eu tivesse ficado quieta?
Ela pára de cortar o tecido e ele começa a se desfazer, sozinho, como se cortado por uma tesoura invisível. Toca meu braço.
- Você sabe o que aconteceria. Quase a mesma coisa. Por um tempo, você ficaria feliz, achando que tomou a melhor decisão. Depois, estaria aqui, tendo essa mesma conversa, com a Mãe.
- Essa é a ideia de vocês de uma lição? Eu deveria ter aprendido algo? Porque eu não aprendi nada. Eu percebi que seria terrível se voltássemos a ficar juntos. Percebi que ele não teve sequer a coragem de me dizer não. Percebi que tenho coragem o suficiente pra dar a cara à tapa e me declarar. Mas eu ainda o amo. O que isso muda? Eu sou a mesma pessoa que era um mês atrás.
- Minha querida,
se você sabe tudo isso agora e não sabia antes, como pode ser a mesma pessoa?

- Eu estou cansada. Cansada dos enigmas de vocês. Onde está ele? Essa incrível pessoa que vai acabar com a minha miséria? Se vocês pelo menos me dessem um nome, e eu pudesse ir atrás dele e
- Ele não está pronto. Você não está pronta.
- Claro que não, é claro que não estou. Eu nunca estou pronta. Não, eu preciso passar por isso. Eu preciso me sentir uma estúpida, uma pessoa ridícula, eu preciso sentir meu estômago revirar a cada vez que o vejo, eu preciso me sentir enojada com a ideia de me aproximar de outras pessoas, eu preciso mesmo disso?
Ela me encara com as órbitas vazias de criança.
E eu quero matá-la.
Eu quero, como nunca quis antes, quebrar seu pescoço,
me libertar dessa estúpida peregrinação a essa masmorra.
Eu não quero mais estar presa,
eu não

E, de repente,
eu sei exatamente o que fazer.
E me assusta um pouco o fato de eu não ter percebido antes.
Com todas essas dicas, todas essas ideias, esses sonhos que tenho tido,
esse vazio que não passa,
essa vontade intensa de reencontrar meus velhos amigos, de me reencontrar.

Ela sorri, como se lesse meus pensamentos.
- Existe algo de que precise saber?
- Não, digo, ao me levantar, eu sei tudo de que preciso saber.
- Mas e ele? Sobre vocês dois? O que acontece no próximo episódio?
- Tudo bem. Eu assisto quando sair.

Só dessa vez, só hoje,
tenho algo mais importante pra fazer.

32x10 Pretty Little Liars

Imagem: TingTing Huang

Eu não estou zangada.
Nem chateada com o fato.
Não sinto nada grandioso, a bem da verdade.

Mas a vida não é simples,
nunca é.

Como é que se confia nas pessoas,
se não pode confiar nas pessoas?

O que mais as pessoas sabem, que você não sabe?

Por que saber?

Não tô pensando nisso, propriamente.
Tô assustada.
Tô assustada, muito assustada,
é isso.

Trêmula e incerta, com medo
das coisas que as pessoas sabem e eu não sei.

Eu não ligo pra esse segredo estúpido,
Aidan ou o que quer que tenha acontecido.

Eu ligo pra coisas como essa, coisas pequenas, segredos sussurrados no escuro,
segredos que envolvem quem eu sou
e quem vou ser.

Eu ligo pro fato de nem sequer ter tido a opção de ficar zangada.
Engraçado,
eu nem gosto de opções.
Nem de escolher.

E tô me sentindo sufocada, amarrada,
presa às escolhas de pessoas que me escondem coisas.

A sensação é terrível,
mas, ainda assim,

só pode ser um bom sinal.

32x09 Two paper airplanes

Imagem: TingTing Huang

Beijo a sua boca.
E  meu coração explode em pedacinhos.

Confundo com amor, porque não conheço amor.
Porque ninguém nunca me explicou que amar não é isso.

Tô sentada na calçada, fumando um cigarro, amuada, porque Ben e Hannah não ficaram juntos no final.
Porque os meus casais favoritos nunca ficam juntos no final.

Alguém passa, me vê, bagunça meu cabelo já bagunçado.
E  eu simplesmente tenho que rir.

Nós éramos um dos meus casais favoritos, sabe?
Eu torci bastante.
Mas eu também torci por Otto e eu - acho que ainda torço.
E por McCandless e eu.
Torci por Holden e eu, também.

Antes mesmo do nosso primeiro beijo, eu te falei dessa minha curiosidade, dessa vontade imensa de entender o que é que acontece depois que o filme acaba, depois que o herói beija a mocinha.

- Bom, não dura pra sempre.- digo, pra rua vazia.

Olho pra lua, penso em todas as coincidências, todos os milhares de pequenos enganos e erros que me trouxeram a essa calçada, os joelhos de Otto, a falta de cabelos de Holden, a doença de Augustus, o gosto de doce na boca de McCandless.
E eu percebo,
que estou mesmo à procura.

E que não pretendo parar.

Que esse texto era pra ser sobre você, moço,
mas minha vida não é mais sobre você.

Dou a última tragada no cigarro, e apago o que sobra com o pé, antes de me levantar,
e ir embora.

Pra onde?

Você sabe: setembro.

Enquanto setembro não chega,
oscilo.
Vou, volto.
Amo, odeio, me apaixono e me desapaixono a torto e a direito, fico entediada, escrevo mensagens e volto atrás.
Espero ele chegar.
Mas não tenho pressa.

Não tenho pressa.

32x08 Sujeito à lotação

Imagem: TingTing Huang

Caro Otto,

tenho pensado em você.
Sinto a sua falta. Não daquele jeito, acho que só ando solitária.
Vai ver é essa lua cheia, enorme, me manipulando feito maré.

Ou vai ver sou eu mesma, e meus sentimentos que vão e voltam.

Eu queria, de verdade, muito mesmo, sair com você pra tomar sorvete. Só isso. Sentar na calçada pra te explicar as coisas, pra te ouvir falar da tua vida, do trabalho, dos estudos.
Eu te contaria sobre essa música, sobre essa soundtrack maluca que domina meus dias.
Sobre as músicas das pessoas.

Tocaria o teu braço, e te explicaria umas coisas sobre Beirut.
- Paciência, você diria, você precisa esperar, é a vida.
E daríamos de ombros.

Eu te contaria sobre todas essas sensações girando no meu estômago,
lagartas ainda, encasuladas,
esperando,
esperando.

- Esperando o quê?

Eu não sei. Eu nunca sei.
Não quero me apaixonar ainda, agora não,
ainda é cedo.
Estou me percebendo.

Eu tocaria seu rosto,
minha mão seu rosto
eu estou me percebendo.

Sinto a sua falta.
Não como parte de mim,
não sinto falta daquele nosso relacionamento impossível,
romanticamente bizarro
cheio de silêncios e corações saindo pela boca,
perfeito e triste.
Mas sinto sua falta.
Da sua presença real, suas pernas,
seus cabelos,
seu silêncio, é.

Um dia desses,
vou desejar te ver.
Vou te encontrar pelas ruas da cidade,
e te olhar da maneira mais intensa que puder.
Não vamos nos falar, é claro,
como se estivéssemos cumprindo uma promessa feita no meio de uma daquelas noites no meio da rua.

Mas eu vou matar a saudade.
Vou olhar pras tuas costas,
até você sumir no horizonte,
sem olhar pra trás.

Com amor,
B.

32x07 Desde as três

Imagem: TingTing Huang

Disse que gostava de mim.
Minto, disse que não me via mais como amiga.

Me assustei, não esperava por isso. Pensei em dar dois passos pra trás,
mas não dei.

Há muito que decidi avaliar as possibilidades, não dizer não sem pensar sobre o assunto.
Além disso,
esse tipo de coragem, de ousadia,
precisa de recompensa.
Mesmo que a recompensa seja pensar sobre o assunto.

Falei com ele, nos dias que se seguiram, como se nada tivesse acontecido.
E aquilo me incomodou.
Porque era exatamente, - é exatamente - o que o outro têm feito comigo. Agido como se aquilo não tivesse acontecido, como se não tivesse significado nada.

Talvez esse tenha sido o melhor momento,
o momento em que eu saberia exatamente como é estar do outro lado da tela.
E eu não tenho, absolutamente, a menor intenção de fazer o mesmo que ele.
Quero deixar tudo às claras, sem a insegurança e a incerteza.

Digo a ele que não vou fingir que não aconteceu. Que sei o que aconteceu. Que estou pensando sobre o assunto sob uma ótica diferente, avaliando as possibilidades.
E que não me demoro.

Mas demoro.
Olho nos seus olhos e ele já não é o mesmo que era semana passada, adquire um significado completamente distinto, menos inofensivo.
Cada conversa possui algo velado, significados ocultos em cada ponto final.
Não me sinto mais confortável nas minhas roupas velhas e cara amassada,
digo coisas que normalmente não diria.
Ora tento despertar seu interesse, ora analisar suas razões, ora me afasto com respostas lacônicas demais.

Fecho os olhos e penso em setembro,
em como seria se fosse,
prós e contras,
mil coisas esquisitas,
até dormir.

Acordo cedo e encaro o visor do celular,
ansiosa, como quem espera.
E me surpreendo ao perceber

que estou esperando que você fale comigo.

Ainda não sei bem o que quer dizer,
ou como proceder.

Vai ver é a lua, vai ver é o vinho, a tensão, ou a rejeição,
então,
espero.

O tempo vai dizer.
Se não disser, não se preocupe,
eu digo.

32x06 Poole's compatibility

Imagem: TingTing Huang

Eu não preciso de você.
E você não precisa de mim.

É estranho saber disso e, ainda assim, ignorar esse fato.

Dormimos juntos, e eu me sentia bem. Segura.
Brigávamos, e eu me sentia mal. Triste.
Éramos intensos, confusos, desencontrados.
A match made in heaven.

Signos opostos, perfeitamente opostos,
se olhando dos dois extremos do zodíaco, se desentendendo sobre opiniões idênticas.
Experimentando a crueldade que é quando você se apaixona por alguém que é tão certo que não pode dar certo.

Eu amo você.

Mas eu não amo mais a maneira como a gente se sentia.
Nem você, eu suponho.
Eu não amo mais a sua capacidade de argumentar,
eu não te acho mais maduro, só infantil, feito um menino bravo que adora ser "do contra".
Eu não amo mais o seu cheiro.
O seu rosto.
Eu não amo mais quando você me faz sentir bem,
ou quando me faz sentir insegura.
Não amo mais a sua liberdade,
e a maneira como você consegue não levar a sério as coisas que eu levo.

Eu amo sua companhia.

E estive confusa,
estive pensando que você era a cura pra essa minha doença de não conseguir me interessar por ninguém.
Estive pensando que a gente daria certo.
Estive achando que você seria corajoso o bastante pra me dizer que sim,
pra me dizer que não.
Eu estive te reconstruindo, repintando, refazendo
na minha cabeça,

Mas nunca ficava bom o bastante,
nunca ficava parecido o suficiente,
com aquele meu amor de antes,
com a pessoa com quem eu me deitava no carro
enquanto rezava pro tempo parar.
Nunca ficava igual.

E o problema não era você,
era eu,
percebi
que nunca ficaria igual,
porque eu não era a mesma.

Eu estou mais forte,
menos propensa a aceitar que você seja o gêmeo dominante,
eu não quero mais viver em simbiose,
nem me enxergar em você.

Não quero a nossa segurança,
nem a nossa intensidade,
eu não sei o que eu quero direito.

E eu sinto muito,
por ter te colocado nessa posição.
Mas não sinto muito.

Eu disse o que pensava,
o que pensava que sentia.
Eu tive a coragem
de dizer.

Espero ter de novo,
caso precise,
em breve.

32x05 Cusack-Beckinsale

Imagem: TingTing Huang

Bebi, mas o álcool não fazia efeito.
Tentei fingir, mas não era a mesma coisa.

Dancei.

E fingi que estava tudo bem.
Que meu coração não estava em casa, chateado,
amuado,
esperando ela acordar sem ressaca.

Que meu coração não estava no celular, na nossa última conversa, que eu não queria sair dali e inventar um assunto pra falar com você.
Que eu não preferia estar em casa.
Que eu não preferia estar com você, na sua casa.

Ouvi cada música de nós dois,
o DJ me dedicou "Babel", sem saber que aquela música já tinha, em algum momento, partido meu coração.

Cantei.
Alto, claro, gritei as palavras e mandei tudo embora, pra sua casa, pra minha casa, pra sua cama, pra onde quer que essas lembranças fiquem.
E bebi.

Mas o álcool não fazia efeito.
Fiquei entediada.

E fui me sentar no escuro, ao lado desse cara aleatório, num lugar aleatório.

Ele falou comigo e eu olhei pra ele
"é, é, eu fico com você, eu só preciso de qualquer coisa que me distraia".
Conversa amena, tímida,
meio boba.
E eu me dei conta de que não queria que ele fosse embora.
Carência, talvez.
Lua em Virgem,
músicas da Florence,
mas eu só queria saber um pouquinho mais sobre esse cara aleatório fazendo piadas sobre assentos de ônibus.
Passenger's seat.

Uma menina  foi falar comigo, me disse que o James estava passando mal
"e o dever chama", eu expliquei a ele.
E ele simplesmente
foi junto.

James, meio morto, meio vivo.
Eu olho pra ele,
olho de volta pra esse cara, um Pedro, de mil Pedros que eu já conheci,
só mais um Pedro,
talvez O Pedro,
tantas possibilidades,
ou não.

- Você precisa de ajuda?

E eu sei que vou me arrepender, já tô me arrependendo quando digo
- Não, obrigada. Eu vou levá-lo pra casa.

Apertamos as mãos,
tu Pedro,
eu B.

E isso é tudo, absolutamente tudo o que eu sei sobre você.

A gente podia ter se beijado,
eu podia ter gostado,
você podia ter gostado,
números de telefone,
conversas antes de dormir,
a gente sairia
e daria uns amassos,
só pra eu perceber que ainda não tô pronta pra seguir em frente.

Um pedro,
talvez O pedro.

Aperto tua mão sabendo que,
Brasília é um ovo.
Se for pra ser você, quem quer que você seja,
a gente vai se ver de novo.

Até logo,
ou até nunca mais.

32x04 Baby Girl

Imagem: TingTing Huang

Eu tinha 6 anos, talvez mais.
Minha mãe era uma montanha cheia de significados que eu não conseguia, ainda, compreender. Que eu ainda não compreendo.

Me acordou no meio da noite, 9 de julho, e eu chorei. Daquele jeito que a gente chora quando sabe que a vida toda vai mudar. De quem sabe, secretamente, que alguma coisa tem que morrer quando alguém nasce.

Trouxeram pra casa, apesar dos meus apelos.
Pequena, cheirando a mil coisas secretas e um pouco mágicas, cor de leite achocolatado, um chumaço de cabelos e uma quantidade gigantesca de baba, os olhos mais escuros do que o próprio escuro.
Me apaixonei.
Não à primeira vista.
Talvez à décima. Vigésima. Centésima.

E aceitei dividir meu quarto cor de rosa, minha vida nem tão cor de rosa assim, pela primeira vez.
E eu pensei, pela primeira vez, que talvez a vida não tivesse que ser um caminho solitário.

Ele foi embora.
E nós também, pra direção oposta.
Você sem entender nada, eu chorando de medo do mundo dos adultos, tão cheio de mentiras e medos.

Casa nova, um desfile de babás novas, cara novo.
Sua passividade me irritava.
Queria alguém que se rebelasse, que gritasse e batesse, trouxesse o papai de volta.
Queria companhia na minha solidão,
e você fazia o melhor que podia, mas não entendia nada.
E nem podia.

O mundo ia de mal a pior, dormíamos juntas e eu te dava beliscões, e rezava antes de dormir,
pra que o mal fosse embora,
pra que a gente escapasse ilesa,
e a manhã chegasse com tudo no mesmo lugar.

Por que é que a gente parou de dormir juntas?
Fui eu?
Minhas reclamações, minha vontade adolescente de chutar o balde, ir embora pra bem longe da mamãe, ir pra bem longe de tudo foram atendidas.
Fui embora,
e você ficou.

Antes de dormir,
me dava um medo enorme, gigantesco,
e uma culpa,
por ter te deixado pra trás.
E eu nunca te pedi desculpas.
Eu nunca soube o que você teve que aguentar quando eu fui embora.
Mas eu juro que, a cada vez que te via, eu só queria te levar embora também,
pra longe de tudo,
só nós duas contra o mundo inteiro.

Mas esse dia nunca chegou.
Eu cresci.
Você cresceu.
E eu continuei te tapando os ouvidos, nos fins de semana.
E desejando que as coisas fossem diferentes.

Eu fui embora.
Você foi embora.
E a gente não se conhecia mais tão bem.
Você estava crescendo.
E sofrendo as mesmas coisas que eu.
Mas você não era eu.
E eu percebi isso muito tarde.

Você veio embora.
Morar comigo.
Finalmente.
Nós duas contra o mundo, certo?

Não.

Já não éramos duas. Éramos três.
E tudo estava diferente.
A gente já não falava mais a mesma língua, seu silêncio me machucava,
suas palavras me ofendiam
E Deus sabe o que as minhas faziam contigo.

Eu queria te conhecer.
Ou te reconhecer.
Ou encontrar em você a bolinha cor de achocolatado que minha mãe trouxe pra casa.

Mas eu sou filha do meu pai.
Nosso pai.
E meu sangue cala.
Cala até ferver.
Eu não falo nada, eu observo, eu deixo pra lá.
E fui deixando o diálogo pra depois, pra amanhã,
confiando que éramos nós duas contra o mundo.

Aí você chegou
e me contou sobre o piercing.

Mas você mentiu
PRA MIM?

Não éramos nós duas contra o mundo?
Always and forever?

Eu olhei nos teus olhos.
E percebi, Lola,
que eu tinha passado uma vida dormindo.
A tua vida.

A vida que você tinha criado,
você contra o mundo.

Passada a raiva, a mágoa, a desconfiança,
tentei te conhecer.
- Olá
Bati na tua porta e você até abriu.
Me deixava olhar por entre a fresta do portão, de vez em quando até visitar a sala de estar da tua vida.
E eu fui te conhecendo e te admirando, e me admirando,
e percebendo
que você nem era mais menina
que já tinha vivido mil eras de sabedoria,
mas ainda era jovem demais.

As ideias
ó, as ideias.
Um dia, acordava mística,
no outro, religiosa,
feminista
cheia de opiniões políticas,
fãzoca de celebridades,
pegadora,
triste,
irritadiça,
animada,
na dúvida sobre o caminho a seguir.

E eu ouvi.
Documentei.
Apoiei.
Discuti.
E deixei.

Eu deixei demais?
Nesse meio, eu briguei de menos?
Eu dormi demais?
Onde, exatamente,
pra onde é que eu tenho que voltar pra que você não acabe como eu?

Você me pede pra almoçar na casa de uma amiga,
e eu levo.
É um bom dia.
Tem que ser um bom dia.

Te deixo na porta,
e espero que você se divirta.
Só isso.

Durmo.

Meu celular toca, seu número no visor, mas não é tua voz que fala comigo.
É uma voz completamente desconhecida,
e eu não tô entendendo nada.
Ele tá falando que você tá desacordada, completamente bêbada a quilômetros daqui.
Mas você não tá, você tá na casa da sua amiga.
Você tá onde eu deixei, não tá?
Você tá dando risada, bebendo refrigerante, e fazendo seus comentários ácidos,
dando aquela sua risada única,
e esquisita.

Você tá bem.
Onde eu deixei,
você tá exatamente onde eu deixei.

Mas aí peço pra falar com você,
e eu sei,
que tô redondamente enganada.

34 minutos.
É o tempo que levo pra chegar lá.
Rezando, rezando, e te xingando, e rezando, e te xingando, e rezando, e te xingando, tanto tanto, e com tanto medo, um medo que eu não sei se já senti na vida, um frio na espinha, uma raiva, um medo, um medo, medo, medo de chegar lá e não ter mais o que fazer.
Meu cérebro diz que é só bebedeira, cura com água e sono,
mas eu tô com medo.

Chego lá, com o coração apertado, toco o interfone,
ele diz que já vai descer com você,
mas parece que ele não desce nunca,
aperto de novo,
e ele demora uma eternidade.

E eu passo essa eternidade me preparando pra te ver

Mas eu queria ter passado mais uma,
porque nada me preparou

pra te ver daquele jeito.

Não é que eu tenha me iludido,
pensado que você nunca iria beber.
Eu bebo.
E gosto.
Mas as consequências, essas mesmas nas quais não penso
Estar sozinha, sem ter uma B. pra quem ligar, uma B. que me busque,
ter que ser amparada por essas pessoas,
em um lugar estranho,
passar vergonha,
e as mil coisas horríveis,
as possibilidades tétricas,
pra quem fica inconsciente nesse mundo maldito.

Eu só quero teu bem.
Só quero que você fique bem.
E você pode até nunca mais falar comigo,
mas
eu tô aqui.
Pra te buscar.
E pra te xingar.
E pra ter medo quando essas coisas acontecem.

Pode ser você sozinha contra o mundo, Lola.
Mas pode ser nós duas contra o mundo, nós três, nós quatro,

Se você quiser.

32x03 Desconexões

Imagem: TingTing Huang

Ela desmarcou minha consulta.

Deitei no colchão, e fiquei encarando o teto, tentando dormir, o coração querendo sair pela boca, explodir as costelas.

Tô ansiosa demais. E nem entendo o porquê.

Tenho prova amanhã.
Tô cansada de estudar, cansada de não entender, cansada de achar que não vou salvar alguém porque não li direito esse capítulo, de ir pras aulas, de tudo o que envolve a faculdade.
Em tempo: cansada, só. Nada como nessa mesma época do ano ou do semestre passado. Eu tô cansada de estudar, não de viver.

E tem ele.
É.
Nada ainda.
O celular toca e eu olho com minha expressão neutra, ele me encara desafiador, toca, pisca, e eu digo a mim mesma que não vou olhar, não vou olhar não ---
Não é ele, de novo.
Grande parte de mim espera um gigantesco NÃO, sorvete de frutas vermelhas e porres de vinho, tão mais fácil, menos trabalhoso saber que não vai dar, que eu tentei e não deu.
Mas grande parte escondida, oculta feito pedaço de iceberg, espera um SIM. E não sabe nem o que fazer com isso.

Oscilo, me estudo.
Eu não preciso dele.
Eu leio, eu escrevo - sobre ele haha -, eu tenho bons amigos, eu saio, eu beijo, eu vivo. Eu me acho bonita sem ele, inteligente sem ele, eu sou uma pessoa bem legal - sem ele.
Eu não preciso dele - e, por isso o quero.
Podemos ser bons. Juntos.
Sem amarras, sem regras, sem (ou com menos) drama.
Não é?

Meu estômago embrulha.
Chego em casa atordoada de um jogo de baralho confuso,
não sei se saí perdendo ou ganhando
ou o que quero da vida.
Fico me perguntando se as pessoas que vêem nossa vida de fora sempre têm razão.
Leio meu horóscopo.
Leio o dele.
Mas não leio o teu.

Penso em te chamar pra sair,
mas confundo as datas.
E o evento é só semana que vem.

Tô te dando um tempo pra pensar.
E tirando um tempo pra pensar.
Pego uma carta do tarô, duas, três.
E elas me dizem pra te chamar pra sair de uma vez.

Corro pro celular, procuro eventos feito doida,
algum tão bom quanto o que eu tinha planejado,
e não tem nenhum.
E daí?
Abro a conversa de nós dois, a tua conversa, a falsa conversa de nós dois, onde eu fico fingindo que tá tudo bem, que vai ficar tudo bem
Vejo seu visto por último, deduzo que você só vai ver minha mensagem amanhã de manhã,
e a ansiedade dá uma trégua,
mas também dá uma canseira.
Uma canseira grande, tão grande, que eu decido que isso pode esperar.

Eu quero estar com você.
Mas eu não quero mais daquele jeito.
E eu não sei se existe algum jeito pra gente que não aquele.
Eu precisava tentar, eu precisava ter coragem.
Mas tudo parece tão incerto agora.

E se você disser que sim?
O que eu faço com isso?
O que isso quer dizer, na verdade?

E se você disser que não?
Eu me aquieto, espero o próximo?

Posso ir agora na nossa conversa te encher de coisas, fatos e argumentos,
te chamar pra sair,
obedecer às cartas do tarô,
etc etc etc.
Mas não vou.
Eu fiz o que tinha que fazer, o que senti que era certo.
E vou te dar tempo e espaço pra saber o que é certo pra você.

Respiro fundo, um mar de possibilidades, nenhuma responsabilidade,
"Vai ficar tudo bem", repito, feito um mantra.
E espero que essa sensação dure,

até a próxima consulta.