23x06 Plants vs. Zombies

Imagem: TingTing Huang

Em casa, um frio dos diabos mantém conservado meu cadáver favorito.
- Olá, eu digo.
Ele me responde com um beijo levemente fétido, gosto de limão e álcool, gosto de morte.
A cada dia que passa, ele morre um pouco mais, apodrece, sem que eu possa fazer nada.
Não quero que ele morra de vez, quero que ele fique, mesmo assim, meio vivo, meio morto.

- Você podou a planta hoje? - ele pergunta, olhando pela janela - Ela parece enorme, fica maior a cada dia. Vai acabar invadindo a casa, estragando a fundação. Quer que eu faça isso?
- Não, deixa. Eu vou.
Armada com a tesoura de poda, vou até o jardim de inverno.
A planta tem o tamanho de um homem, as formas de um homem. Maior do que eu, talvez maior do que ele. Não é o tamanho que assusta, é a quantidade de raízes que ela tem, a capacidade que ela tem de invadir as estruturas, de sugar todos os nutrientes do solo, a ponto de que mais nada cresça à sua volta.
Começo a cortar, lentamente, e o sangue começa a jorrar e a me sujar.
- Eu sinto muito, muito mesmo. - sussurro.
Corto dedos formados por um emaranhado de ramos, corto pernas, raízes fortes e firmes. Tudo sangra muito e eu paro, esperando ouvir um gemido, um grito, ao menos um "não faça isso". Não ouço nada, continuo. E ela continua lá, parada, silenciosa, sangrando. Corto braços.
E, quando estou prestes a cortar sua cabeça, não consigo.
Não entendo o porquê, apenas não consigo.
Não é medo de ficar só, estar com ela é estar só. Acho que é esperança. Espero que ela cresça normalmente, que pare de destruir minhas fundações, que pare de lançar ramos em todos os lugares.
Então a deixo assim, entro em casa, pro velho e aconchegante cheiro de podre e digo a ele, acreditando mesmo nisso: - Acabou.
E ele, ainda olhando pela janela, nem se vira pra responder:
- Será mesmo?

23x05 Misinterpretation

Imagem: TingTing Huang

L. me diz que é você, Holden.
Me diz "Deixe o Otto pra trás, é ele".
- Mas, e se não for?
- Ele é inteligente.
- Mas e a angústia, a prudência? E os erros repetidos?
- E você? E as frases desconexas? Desequilíbrio, infortúnio!
- Tudo bem, mas quando?
- Você tem andado alegre demais, não é como você é. Por que você não o confrontou, no outro dia? Você fica fugindo disso!
- Eu não quero isso, L. Quero ficar assim, quero Otto.
- "O hoje é a finalização natural. Aceite as perdas"
- E os erros, L.? E os erros repetidos?
- É a história, B. A história se repete. Não é familiar pra você? Holden, o segredo, a impossibilidade.
- Eu não quero me machucar, L.
- Você precisa, B. A lucidez deve encontrar a tristeza.
- Tá, eu sei. Já ouvi isso antes. Mais alguma coisa? Mais algum argumento nonsense em favor do Holden?
- Na verdade, sim. Mais um.
- Fala.
- Lembra disso: "Vai acontecer quando a ajuda do outro for necessária"? Isso te lembra alguma coisa? Talvez duas coisas?
- Eu não pedi a ajuda dele!
- Mas ela disse "quando a ajuda do outro for necessária". E você precisava de ajuda, admita! Com o James e depois com...
- Já entendi. Mas e agora, L.? O que acontece?
- Agora, deita no meu colo e espera a tristeza. Ela vem. Em algum momento, ela vem.

23x04 Matilde

Imagem: TingTing Huang


Ulrika?
Caso você esteja lendo isso, caso esteja por aí, quero que saiba que tenho pensado em você.
Você se lembra de quando você chegou à conclusão de que jamais poderíamos ser amadas se agíssemos como realmente somos porque ninguém seria capaz de nos aceitar?
Eu me recusei a entender e você me chamou de tola romântica.
Mas você estava certa, eu vejo agora.
Ninguém nunca vai amar nossas personalidades múltiplas, nunca vai aceitar que eu sou, ao mesmo tempo, a garota de saia curta na festa e a menina de trança, séria e irônica, a que faz piadas e a que lê, a que escreve, desafina, dirige, cuida.
Eles querem que eu seja uma coisa só, Ulrika. Plana, rasa. A bonita ou a feia, não as duas.
Eu quero ser tudo, Ulrika. Mas ninguém vai me aceitar assim, inteira, como você fez um dia.
Eu nunca mais conheci ninguém que me viu inteira, que conheceu todos os meus rostos e não se assustou, mas eu espero que você tenha encontrado gente assim, Ulrika.
Espero que você acredite que isso é possível.
Uma de nós tem que acreditar.

23x03 Sophie's world

Imagem: TingTing Huang

Caro Otto,
Existe uma maneira de ficarmos juntos, tem um lugar onde podemos ficar juntos.
Eu quero esquecer as mágoas, quero deixar de lado a frustração e a mentira.
Quero encontrar você.
Quero pegar a mochila, enchê-la de biscoito e mudas de roupas, livros e escovas de dente e rodar pela cidade até te encontrar.
Eu tô com medo, Otto. A vida tá me levando pra longe de você e eu não quero isso.
Eu quero abrir uma porta e encontrar você do outro lado, quero te contar tudo, quero ouvir tudo o que você tem a dizer. Quero que sejamos só nós dois de novo.
Não quero que ninguém me machuque.
Não quero machucar ninguém.
Existe uma maneira, um lugar. Você o conhece também.
Feche os olhos.
Estarei esperando.

Com amor,
B.

23x02 Blue

Imagem: TingTing Huang

- Eu sinto a sua falta -, digo, pro vazio - quero que sejamos só nós dois de novo.
Eu não quero mais nada, mais ninguém. Se quis, foi besteira, doença, me perdoe.
Eu quero você.
Seguro, plano, inalcançável.
Invisível.
Assim, você não me magoa.
Assim, não corro riscos.
Assim, não atrapalho ninguém, não machuco ninguém.
Fuckin' Perfect.

23x01 Descendente profissional

Imagem: TingTing Huang

Não dou mais um passo sozinha. Não faço nada, não tomo decisões. A vida já tomou por mim. Nona, Décima, Morta, Destino. O que vai acontecer, já aconteceu. É só deixar.
Aí vem Holden, e eu não sei o que dizer, não sei o que fazer.
Não ajo. Não consigo mais. Pra quê?
Pergunto à Donzela, ocupada em seu serviço perpétuo, o que fazer pra que acabe logo, pra que tudo aconteça como planejado.
- Você age equivocadamente, menina, mas é justa. Isso te enfraquece. Use suas dúvidas, as falsas promessas, use seu mistério. Você está seguindo o caminho certo na busca pela felicidade, do enfraquecimento dos laços. Deve buscar o desacordo, a separação. Ouse! Aja! Só você pode superar os obstáculos.
Ela levanta os olhos vazios do trabalho, sem parar de tecer, e grita, mais uma vez: Aja!

Pela primeira vez em dias, tomo uma decisão e respondo, sem hesitar:
- Nunca. Prefiro ficar sozinha.

22x20 Ignorância Molecular (Season Finale)

Imagem: TingTing Huang

"É nossa tarefa ignorar um ao outro", parafraseio algo que você disse ao James, sobre nós.

Eu sinto muito, Holden. Muitíssimo.
Acho que acabei por pensar que você era como todos os outros, que nunca seríamos mais que alguns diálogos estúpidos, que algumas perguntas e uma ou outra demonstração de preocupação - sempre da sua parte, que ironia -, nunca seríamos amigos.
Achei que nunca fosse ser mais do que isso, porque eu nunca fui mais real do que isso antes.
Pensei, naquela noite, várias vezes, centenas de vezes - sem exagero -, em te confrontar, em dizer "Eu não te ignoro". Mas é a verdade, eu te ignoro.
Ignoro suas escassas tentativas de falar comigo, desvio os olhos, finjo que não te vi, só falo com você se mais gente estiver em volta, não entro nunca em assunto nenhum que não seja estritamente importante pra alguma outra pessoa. Nem sequer me sento perto de você, mal te cumprimento.
E eu sinto muito se isso te irrita, se isso te faz pensar o que quer que te faça pensar - eu costumava achar que você não se importava, mas não é o caso, certo? -, mas não dá, não dá. 
Eu não posso agir com você como ajo com todo mundo.
Porque tenho medo que você me julgue. Eu sou tão estúpida, tão chata e desinteressante. Não quero que você me ache chata.
Porque não sei como lidar com você. Porque tenho medo de que essa sensação que tenho quando você não me responde ou quando me responde, essa euforia intercalada com frustração, seja igualzinha no dia a dia.
Porque você é tão exatamente o tipo de pessoa que eu descreveria se tivesse que dizer qual é o meu tipo, que eu não conseguiria não devanear sobre você.
Porque eu acho que é de você que elas falavam.

Porque eu acho que gosto de você. Apesar de todas as complicações implícitas. A favor de cada uma das probabilidades, seguindo o curso que teimo em negar - meu prazer em me meter nas situações mais impossíveis, meu tipo ideal, minhas mudanças internas -, contra todos os meus princípios. Contra a minha vontade - que é gostar de Otto até secar, até morrer. 
(Talvez sejam os hormônios, espero que sejam. )

É por isso que ando te ignorando. 
Até que eu entenda melhor, até que algo mude, nada vai mudar.
E sinto muito. Sinto muitíssimo.

22x19 Monstrum in fronte

Imagem: TingTing Huang

É feia.
Como é feia!
Seus cabelos não caem sobre os ombros, sedosos, não ondulam, não são lisos.
Seu nariz não é grande, nem pequeno, afilado ou arrebitado.
Sua boca é fina demais, os olhos grandes demais.
Sua pele é manchada, escura demais, clara demais, amarela demais.
Ela cheira a sabão e gente, cheira a tudo e nada, não é cheirosa como as moças bonitas.
Ela se veste mal, suas roupas são folgadas demais, masculinas demais.
Pelos nos braços, nas pernas, é tão pouco vaidosa.
E as unhas? Feias, esmalte descascado.

Nada de belo, nada de agradável. 
Um rosto assim só pode ocultar os piores vícios, os piores desejos.

Pra um rosto tão feio como o meu,  alma igual.

Early Cuts: Thunderstorm

Imagem: TingTing Huang

(Achei esse texto depois de escrever "The Following". E é tudo muito pertinente. Eu o escrevi sem saber de nada, sem saber o que acho que sei. Agora, teimo em achar que sempre soube, só que não entendia)

Eu sou quem vai te quebrar as pernas. Vou te machucar com a minha dor e a minha tristeza.
Sou quem vai te cortar as asas, sua tempestade, o mar bravio.
Eu estou chegando.
Agarre-se ao leme ou eu levo tudo comigo, sem pestanejar.

Early Cuts: Blue 16

Imagem: TingTing Huang

Caro Otto,
sonhei que nossa música - uma delas - mudava de nome.
As coisas estão mudando. Você sente isso também? Um vento estranho que não é de frio ou chuva, que gela os ossos?
Parece que estamos andando eternamente por caminhos perpendiculares, nunca parando.
Nos cruzamos, eventualmente, e você vira a minha vida de cabeça pra baixo. Eu não afeto a sua vida, sou fraca demais pra isso.
Mas as coisas estão mudando.
São cabelos que crescem, músicas novas, pessoas e sonhos.
Será que estaremos prontos algum dia? Um pro outro, pra luz, cor e som.
Eu ainda anseio pelo dia em que eu vou poder tocar seu rosto, sem susto, seus cabelos, seus ossos. Eu ainda amo cada gesto seu que desconheço.
Amo seu colocar de cabelos atrás da orelha, seu balançar de canetas, amo o seu esgar de concentração, o estalar de seus dedos.
Ainda é você.
Mas as coisas estão mudando.

Com amor,
B. 

22x18 Ophelia's Lithium

Imagem: TingTing Huang

Não posso ficar triste.
Eu não estou feliz, não é normal, mas não posso ficar triste.
Conheci alguém assim, um mundo inteiro sob as cobertas, escondido.
Eu dizia "Tudo bem?" e ela chorava muito, por minutos a fio. 
Eu não choro como ela. 
De onde eu venho, de onde viemos, mulheres não choram.
Mas ela teve coragem. Ela tem coragem.
Ela me dizia verdades, verdades que só alguém que sabe exatamente quando vai morrer, diria. 
Eu nunca, nunca disse verdade nenhuma nessa vida.
Nem quando soube que Ela viria. Nem quando A olhei nos olhos, nem quando Ela se tornou parte de mim.
Ela me disse adeus numa tarde quente e ordinária.
E eu podia ter dito "Adeus, me espera. Eu chego logo, prometo não demorar", mas não respondi. Não respondi, e também não te deixei ir.
Fui eu quem fiz a ligação que te salvou a vida. 
Você me agradeceu, depois. Mas eu nunca senti como se tivesse te feito um favor, nem uma vez.
Seu filho nasceu, você progrediu, dias felizes e tristes, e isso é bom.
Mas eu não me sinto uma heroína.
Sinto que traí sua coragem, eu te traí quando fiz aquela ligação.
Traí a mim mesma, trazendo a tua morte, o teu fardo, pro meu encalço.
Ela o fez. Apesar da mãe, pai, irmãos, amigos, uma gama de gente que ela havia afetado de alguma maneira. 
Apesar de tudo isso, ela o fez, apesar das consequências.
Eu não fui capaz.
Eu tinha mãe, pai,  irmã, irmão. 
Eu tinha medo.
Eu traí a mim mesma de novo. 
Eu tive medo.
Eu tenho medo, aquele que você não teve. 
Eu tive medo de nunca amar ninguém, de nunca mais escrever, de criar um precedente, um padrão.
Me agarrei a esses fragmentos de vida naquela tarde quente e ordinária, em que eu era a protagonista, e vomitei.
No chão inteiro.
Depois limpei, e ninguém nunca soube.
Ninguém nunca vai saber.
Eu agradeço, sou grata por cada dia, desde então.
Não acho que tenha me feito um favor, mas não se preocupe comigo: no dia em que não morri, a coragem morreu.
O que sobrou é o que você vê.