10x05 Sunday, bloody sunday

Imagem: Airín

Quero sair de casa, dar uma ou 2 voltas por aí. Eu posso, eu vou.

Mas quero dar uma volta de mãos dadas. É, estou num momento assim: não quero ninguém, mas quero qualquer um.

Qualquer companhia masculina que me segurasse a mão seria melhor do que essa pálida pedra de gelo que me acompanha.

- Ouviu o que eu disse? Qualquer companhia seria melhor! Até... Até Alex!

Ele não responde, ele nunca responde à meus gritos ou insultos.

- Eu me rendo. Você venceu. Vai, vai ser casmurro! - emburro.

Quando olho pra ele, está sorrindo. Coisa de segundos, estamos rindo um do outro.

Como se não fôssemos nós. Como se existíssemos, como se fosse fácil.
Foi como se fôssemos humanos.

10x04 The Pains of being pure at brain



Imagem: paul+photos=moody

Sinusite, ele disse. Os médicos têm sido as pessoas estranhas que vejo com mais frequência. Sinusite, anemia, devaneios, dengue, cefaléia: eles sabem tanto, eles não sabem nada.

Não é doença, doutor, é o Germinal. O Germinal, percebe? As folhas verdes, a chuva, flores e o sol. É a época do ano em que a natureza se alinha, se prepara pra te dar o empurrão necessário à ordem ou ao caos.

No ano passado, foi o caos pra mim. Me mediquei, extingui minhas dores de cabeça. Ganhei dores no coração.

Não me medique ainda, doutor. Quero ficar um pouco comigo mesma esse mês.

10x03 Atrás do ponto

Imagem: Napalm filled tires

Estou atrasada. Não é novidade. Meu corpo tem um poder de persuasão incrível, apresentando argumentos irrefutáveis pra que eu durma mais meia hora.
Fiz um feitiço ontem, sem pensar muito, pois era estúpido (agora o dia de hoje faz sentido...).
Quando cheguei ao ponto de ônibus, meu ônibus tinha acabado de sair, é. Acontece sempre. Amaldiçoei, na mesma hora, os tênis que havia demorado pra calçar - malditos, malditos - e amaldiçoei meus brincos e meus cabelos impenteáveis e estaria amaldiçoando tudo até agora - se não tivesse visto Otto.

Otto.

Não o vejo desde novembro ou dezembro.
Eu o vi de relance só. Tão rápido que, não fossem os óculos escuros que nunca tinha visto antes, diria que era imaginação. Segundos apenas, e ele foi pra trás do ponto, pra trás de mim. Não demonstrou nada, nem reconhecimento (talvez por estar de óculos escuros).

Ficamos separados por uma parede só. Eu, de um lado, torcendo pra que os ruídos do meu coração e a vibração dos carros emitissem o som na frequência perfeita, pra que dissessem o que eu queria dizer.
"Senti sua falta"
Seu coração não respondeu. Era como se soubesse que havia sido traído. Como se adivinhasse que, na noite passada, foi pelos cabelos de McCandless que pedi.

Paciência.

10x02 Red is for freedom

Imagem: xdjio

Ele não acredita que a cidade está viva, acha que é outro colapso.
Por que é tão difícil assim acreditar?

- A cidade foi criada pelo homem, não tem capacidades excepcionais, não pensa.

Mas e Deus? A ideia Deus não foi criada pelo homem? E ele não é capaz de coisas excepcionais, não modifica destinos e decide ouvir ou não às nossas preces?
Ah, que seja, a discussão nem é essa.

A questão é: "Podemos nos tornar reais? Podemos sair dos pensamentos da cidade?"
Neo, em Matrix, me inspirou tal pensamento. Ele era real antes de tomar a pílula? Ele já estava conectado? Já existia em Zion?

Espero que não. Isso me dá esperança. Se ele foi criado pela cidade, se não era mais do que um eco infeliz dos pensamentos da cidade, se passou a existir apenas após tomar a pílula, eu também posso.

- O seu problema, B., é que você usa lentes de poesia pra enxergar o mundo.
- Obrigada (:
- Não foi um elogio.

Depende do ponto de vista, doutor, depende.

10x01 Eu que não sei nada de Deus

Imagem: karramarro

Eu vi o mar Como era lindo
o mar.
Infinitesimalmente mais profundo
que eu.
Deus é feito de água e sal
e mijo.

9x26 Anemia (Season Finale)

Imagem: feministjulie


Não sei mais se sou fraca ou se estou fraca. Posso ver rostos no escuro, mas não suporto a luz do sol. Meus dentes doem, meus dedos.

É a velhice. Estou velha de alma. Eu vivi muito, por todo mundo, por gente que nem existiu.
Eu posso contar histórias que nunca aconteceram e mostrar minhas costas sujas de pus e casquinhas que te fariam saber que as histórias aconteceram.

Eu conheci gente de quem você vai ouvir falar, gente que vai mudar a história.
Eu vivi demais.

- Você vai ficar bem. É só anemia. Parecia pior por causa da infecção. Vou te passar uns remédios e você vai sarar rapidinho.

Eu vivi demais.
Felizmente, vou viver mais ainda.

9x25 G is for Giacomo

Às vezes finjo tão bem que acredito.

9x24 O apagar de velas

Imagem: petit hiboux

A luz incide nas veias, deixando-as arroxeadas e estranhamente belas. Fora isso, enxergo amarelo-alaranjado.

Eu gosto da luz. Gosto do calor, gosto das sombras. Gosto de como meu coração bate mais rápido a cada movimento da chama. Até meu coração de sombra sofre.

Meus olhos já doem com o esforço, não importa. Poderia fechar os olhos e ver a chama com os olhos do coração.
É a coisa mais linda que já vi. De longe.
Quando me aproximo da chama, ela aumenta, se agiganta. Pra provar, meus cabelos e ossos chamuscados.
Essa chama deslumbra e machuca, castiga e afaga.

Meus olhos doem, minha pele arde. Preciso ir embora. Preciso apagá-la. Há dias, há meses. Seis, pra ser exata.

Cuspo nas mãos e ando em sua direção. A chama aumenta, queimando meus cílios, meu rosto... Falta pouco, estou quase lá...

De repente, percebo que gosto da dor. Percebo que só aprendo assim, quando me machuco.

9x23 Dad & Mom

Imagem: bfelice

Quando bebi, compreendi: a resposta ao mundo era o pós-marxismo, não Gideon.
- Larissa, o marxismo vai salvar nossas almas - eu dizia, mas não conseguia articular. Tilt

O marxismo veio do meu pai. Ele comia marxismo no café, almoço e jantar - com canjica, peixe e laranjas -, eu marxismo barato e doce, que era o que ele podia comprar.
Mas, seis anos atrás, ele entendeu: o marxismo é uma utopia impossível.

Da minha mãe veio a habilidade de ser máquina. Ela ligou os pontos e entendeu que os erros que havia cometido, cometera por ser humana. Assim, me criou máquina.

Herdei do meu pai essa incapacidade de amar uma pessoa só, essa fome de mundo e de gente. Queria mesmo é ser feito minha mãe e só amar uma pessoa de cada vez.
(Não, melhor não. Melhor assim.)

Da minha mãe veio essa fome de ser, essa gula insana, que me faz bater os talheres na mesa da vida, querendo experimentar tudo (ou não). Do meu pai veio a angústia doce de estar, essa dormência no peito, me ensinando a ter paciência.

No colégio, me disseram que eu era mais minha mãe do que meu pai. Eu me alimentei dela, dos seus pensamentos e das batidas do seu coração.
Disseram que a figura paterna é importante na formação do caráter, que somos o que nossos pais fizeram de nós.

Acho que nasci ao contrário. Meu pai me deu a luz, me alimentou com seus pensamentos, canjica, peixe e pós marxismo. Deve ter sido isso, porque minha mãe é que me ensinou a ser homem.
Não é piada, não é pra ser engraçado. É que o mundo não tem tempo pra delicadezas.

9x22 Sea Legs

Imagem: mind the goat

Deus está caminhando.

Às vezes me passa pela cabeça que Deus é só uma criança de olhos coloridos que se diverte brincando com o universo. Não existem intenções em sua brincadeira, é apenas aquele típico divertimento ligeiramente maldoso das crianças de certa idade.
Mas as crianças vão crescendo e suas brincadeiras se tornam mais ambiciosas, querem se meter com coisas de adulto.
Na minha infância, fui fascinada pelo fogo. Queimei bonecas, cadernos, cabelos, me queimei. Eu era e sou - talvez sempre seja - jovem demais pra compreender algo tão poderoso.
Talvez Ele seja fascinado pela água.
Isso explicaria porque teima em nos sacudir e molhar.
Isso explicaria muito.

9x22 In Rainbows

Imagem: liltree

Eu gostava de pintar o rosto dela com tinta guache.
A tinta gelada secava em casquinhas por toda a extensão do rosto de do pescoço.
Gostava de ficar deitada no tapete do quarto dela enquanto ela resolvia equações.
Gostava do cheiro da cabeça dela e do jeito como ela guinchava às vezes.
Gostava quando cantava e quando ficava quieta.
Gostava das omoplatas e de como ela concordava com minhas ideias.
Gostava de como éramos nós duas contra o mundo e de tudo o que fazia parte dela.
Ainda assim, nunca pude gostar dela como ea gostou de mim.
Queria que ela estivesse lendo isso, que soubesse: esteja onde estiver, ainda tenho tinta de nós. Tem muito de nós aqui.

9x21 Bus 16

Imagem: Araneo

Dia do vestibular, mesmo velho déjà vu. É mais um passo na direção do destino (deus, pra quê tanta química orgânica?).
Deito a cabeça na mesa e fecho os olhos.
Talvez eu não devesse tentar.
Talvez eu deva...

Devaneio: "Estou trabalhando, louca e atrapalhadamente, quando encontro Otto no corredor.
- Oi
- Oi, sorrio."
"E estamos de mãos dadas e é 11 de setembro de novo e eu não me importo e me importo, mas Otto é maior do que isso".

Isso seria bom.
O problema é que não posso. Não posso não tentar.

9x20 Round Two

Imagem:  Archie McPhee Seattle

Estou pronta pra crescer sem sinos e canções de amor.
Sem o dia 8 de janeiro e com rudes demonstrações de afeto.
Pronta pra me apaixonar por todos os garotos esquisitos e magrelos por aí - com ou sem chicletes azuis.
Pronta pra mais mais um solitário ano na cidade zumbi, pra mandar os velhos amigos embora.
Mandá-los pro inferno, de onde nunca deveriam ter saído.

Que os jogos comecem.

9x19 Scar

Imagem: Sexy Fitsum

- Vamos fazer um pacto?

Ele me estendeu aquele estilete sujo de sangue.
(Às vezes, quando penso nessa cena, me lembro de o sangue dele ser azul)
Um corte superficial, na ponta do dedo até o meio da palma, sangrava sangue azul.

Eu não pude.
Nunca fui corajosa como ele. Nunca me cortei, corri demais.
Sempre disse "não posso", como naquele dia.
- Tudo bem, Bels, tudo bem.

Mas não estava tudo bem. Eu queria uma cicatriz como essa. É que eu não queria que ele soubesse, eu nunca quis que ninguém soubesse: meu sangue não é azul.

9x18 Entropia

 Imagem: limonada

Vá ao cinema sozinha e lote uma fileira. Acorde em um lugar que seus olhos nunca viram: é a casa em que você mora há anos. Beije o garoto que você ama, amando 50 outros garotos que são aquele mesmo. Coma frango e seja vegan. Cometa suicídio pra matar alguém aleatório. Leve uma surra pra machucar quem você costumava ser. Fale com seus amigos como se eles fossem seus amigos. Descubra, chocada, que não estamos mais em 2003.
Era costume, o equilíbrio vital.
Mas o não príncipe chegou montado em seu majestoso metrô branco e me acordou com um beijo, trazendo à tona a caixa de fólios há muito guardada no fundo da minha cabeça.

Então eu tenho sido só eu mesma ultimamente.
Sejá lá quem eu for.
Seja lá o que isso signifique.

9x17 Seventeen

Imagem: laihiu

- Há algo de errado com você, sussurrou Alex.

Talvez o meu mundaréu de segredos esteja ficando pesado demais, talvez sejam as dores nas costas ou as intermináveis dores de cabeça. Talvez a insônia, talvez as pesquisas. Então, há muitas coisas erradas em mim.

Preciso que alguém me aponte o que está certo.

9x16 Fireworks

Imagem: alexis_agathe_27

Acreditar em mim mesma, me manter sob controle: sempre foram as partes mais difíceis.
Tinha tanta gente acreditando em mim que eu sempre achei desnecessário que eu acreditasse também.
Mas, dessa vez, eu preciso dizer que confio, que esses "pequenos problemas" que tenho vão ser minhas vantagens.
Somos um time. Vamos mostrar pra todo mundo que isso é bem melhor do que ser normal.

9x15 Intolerância

Imagem: weberpoint

- Venha cá, meu bebê, deixa eu ninar você

"Eu te amo do jeito que você é" - desde que você me dê netos, sim?
"Você pode ser o que quiser" - desde que ganhe dinheiro
"Sou sua mãe, sempre vou ser" - desde que você não seja gay.
"Adoraria conhecer seu namorado" - desde que ele seja branco.
"Ah, meu bem, você pode ser amiga de quem quiser" - menos de judeus.

Queria que houvesse uma canção que nos fizesse sair de nossas casas, que nos cantasse pro mesmo lugar, onde poderíamos nos ver, onde seria nossa casa. Onde ser diferente não é triste.

Não existe tal lugar, não existe tal canção: não existe lugar seguro.

- Pode me ninar, mamãe. Eu vou ser do jeitinho que a senhora sonhou.

9x14 James was a friend of mine

 Imagem: Moniczek

Brasília, 27 de novembro de 2010

Querido James,
eu sinto muito. Sinto muito pelas coisas horríveis que já fiz ou disse. Sinto muito por nunca ficar do seu lado, por sempre menosprezar seus problemas.
Sinto muito se fui preconceituosa - é claro que fui -, sinto muito por forçar você a fazer o que não queria.
Sinto muito por ter feito aquelas coisas que te machucaram e por ficar remexendo em coisas que não são da minha conta.
James, sinto muito por nunca te elogiar e por ser dura com você.
Sinto muito por evitar você e por não te contar meus segredos - eu não os conto a mais ninguém, juro. É que não confio nas pessoas -. Sinto muito por não ter me apaixonado por você naquela época remota em que você gostou de mim. 
Sinto muito por não te entender e por não ficar por perto, James.
Eu sei dos erros que cometi, sei que são muitos, James. Talvez por isso eu não te recrimine nunca por não me contar quando teve chance.
Estou magoada, James, comigo mesma.
Me desculpe por não poder ser chamada de amiga.

Te desejo o melhor, sempre,

B.

- N.A.: Este texto está marcado como SUPERdelayed, dá pra notar. James me redimiu, HA. Há umas 6 semanas :D

9x13 I'm gonna write

Imagem: DashDano

Vou escrever sobre tudo isso, é vou.
Sobre Otto no ponto de ônibus, sobre ver Alex todos os dias - e fingir que minhas costas não latejam -, sobre McCandless e seus pormenores, sobre David e seus olhões azuis, sobre meus excêntricos amigos - Olhos Verdes, April, Inga, James, Julia, Agnieska, Delayla... - , sobre essa cidade maluca - Brasiléia desvairada - e psicótica, sobre um casal de punks na lanchonete, uma caixa de locadora briguenta, um garoto que fala japonês, uma garota que pinta as unhas todos os dias.
Sobre leitores conhecidos e desconhecidos, sobre pessoas e casas e coisas.
Sobre monstros que machucam pessoas por causa de seus avós.
Sobre mim. Sobre Gideon.
Sobretudo, sobre tudo.

9x12 Grandpére

Imagem: Alexbip

Ele tem os mesmos pés que eu tenho, claros e fofos, penso, enquanto caminhamos descalços pelas pedras.
- Vovô?
- Sim, meu bem?
- Você já matou alguém?

Paramos de andar.
Eu olho pra ele - suas rugas, seu rosto escuro-claro - e ele olha pra mim.
Ele matou a si mesmo, a toda a sua família - provavelmente foram deixados para morrer, eu não sei - e me condenou a morte, a não ser que eu consiga um milagre.
Apesar de tudo, só posso me sentir imensamente grata por ser sua descendente.

- Vovô?
- Sim?
- Obrigada.

9x11 Boys, boys, boys

Imagem: Por kyozotchy


- Eu sou bonita?
- Estou gorda?
- Você acha que ele vai gostar de mim?
- Devo entrar na academia?
- Ele gosta de garotas com atitude?
- De que tipo de garota ele gosta?
- Loiras ou morenas?
- Você é gay?
- Tem namorada?
- Ele não é lindo?
- O que ele disse sobre mim?
- Devo ligar?
- Devo sair com ele?
- Posso beijá-lo no primeiro encontro?
- Posso deixá-lo segurar minha mão?
- Sensual ou recatada?
- Devo flertar?
- Posso rir?
- Posso mostrar interesse?
- Posso dizer  a ele que adoraria que ele fosse o pai dos meus filhos?

Boys, boys, boys... Eles me dão nos nervos.