33x17 The Greatest (Season Finale)

Imagem: TingTing Huang

Começou comigo.
É sobre mim.
Que termine assim:
sobre mim.

Eu tenho medo.
Medo de que essa minha coragem toda, nova e reciclada, da Bels dos meus 9 anos, que urinava em mochilas, da de 16 que fumava em cigarros e tossia (nunca aprendi a tragar).
Coragem advinda de muito sangue e pouco choro,
muito muito sangue derramado,
muitas pílulas.

Da vontade de nunca mais ser contida com tiras e agulhas.

Eu tenho medo.

Essa coragem de não pentear o cabelo me dá medo. De me vestir como quero. De brigar.
A coragem de não brigar mais (pois, acredite, é preciso coragem pra não tomar partido). Coragem de não arrancar a dor do peito, de deixar sofrer.
Coragem de querer.
De querer mais.
E eu quero mais, caro leitor.

Eu tenho medo de querer.
Tanto medo, tanto tanto medo, você não tem?
Tanto, que tem até medo de admitir em voz alta que quer.

E eu quero.
Eu quero provar que posso.
Eu quero despentear meu cabelo.
E quero ficar em casa.
Quero ter dias ruins, e dias bons, eu sou humana. Eu quero ser humana.
Eu quero música, quero me apaixonar e quero ser correspondida. Eu quero sentir vontade de estar junto.
Eu quero correr riscos. e não quero mais lutar por ninguém. Eu não quero mais ser um soldado.
Eu quero dormir na minha própria cama, quero comer da minha comida, e quero entender como as coisas acontecem.
Eu quero escrever,
E quero me curar de você e da droga que sua presença injeta nas minhas veias.
Eu quero ser corajosa, coração de leão e não de coelho, quero fazer melhor do que isso, todos os dias. Mas não quero ser melhor do que ninguém, quero ser boa pra mim.
Eu não quero salvar vidas, eu quero conhecer coisas.
Eu quero encontrar a religião que as células seguem e conhecer o Deus que vive nas bases nitrogenadas.
Eu quero saber o que há de errado comigo, pra que eu nunca conserte.
Eu quero beijar sua boca na chuva, pra que eu entenda todas as sensações ao mesmo tempo, eu quero encontrar Otto, e me dói um pouco admitir isso porque eu nem sei o que faria. Eu só quero encontrá-lo e mantê-lo sob minhas asas escuras de carne.
Eu quero coragem, eu quero criar coisas, e fazer com que as pessoas sorriam.
Eu quero bolo de chocolate.
E quero não me intimidar.
Eu quero crescer.
E sentir dor, essa dor diária, que me lembra que estou aqui por conta própria, sem remédio, sem rumo, que estou viva.
Eu quero ouvir de novo as vozes dentro de mim.
Eu quero correr.
Eu quero correr pra bem longe.
Em algum lugar onde eu possa correr, sem rumo.

Eu quero correr.
Eu quero dançar.
Eu quero fazer o que meu corpo me implora há meses, eu quero correr.
Disso tudo, eu quero pegar minhas coisas e fugir.
Eu preciso fazer isso, pra querer voltar.

Eu quero tanta coisa.
E tenho medo, um medo imenso, de querer.

Mas não dá pra esperar mais.
Por Otto, por você, por mim, pelas vozes, pelo destino, sua boca, paixão.
Eu preciso correr
Estou atrasada,
sempre atrasada.

E não posso mais esperar.

Eu quero não esperar mais.

33x16 When September ends

Imagem: TingTing Huang

Sua boca tem gosto de pó, de loucura, febre, desesperança.
O gosto do inexistente,
daquilo que nunca chega,
gosto amargo da espera

Você não vem, vem?

Tô sentada nessa estação de metrô vazia, limpa, silenciosa, te esperando chegar desde janeiro, tentando não me mexer demais pra não suar, pra não me amarrotar, pra não me perder.

Mas você não vem, vem?

2 últimos minutos do 2º tempo,
eu não tenho mais tempo pra te procurar pelas ruas.
Eu tô aqui.
Eu sempre estive aqui.
E você não veio.

Você não vem, vem?

Foi um bom mês.
Com você ou sem,
foi um bom mês,
um ano incrível.

Todo sobre mim, sobre me descobrir e despertar.
Ano com cheiro doce de creme de pentear, com a textura dos meus cabelos enroladinhos.
Você não veio, mas eu vim.
Eu sempre estive aqui,
E ainda vou estar, quando setembro acabar.

Você não vem, vem?

Ainda dá tempo.
Mas, se não der,
eu vou ficar bem.

33x15 Going Rogue

Imagem: TingTing Huang

Domingo à noite, doente, perdida em uma nuvem de dor, ele liga e me convoca pra lutar.
Tomo pílulas e pílulas, antiinflamatórios, analgésicos, antitérmicos,
vou à luta.
Eu não tô OK.

Meus ouvidos escorrem, garganta dói, meus olhos coçam.

L. me põe remédio debaixo da língua e eu derreto, escorro pelas frestas do chão até passar o efeito.
Mas, quando ele passa,
eu não sou.
Não reconheço meu rosto ou a textura seca dos meus cabelos.
Eu não sou.

Digo isso a L. e ela me diz que tô doente, que não posso voltar pra casa.
Pego o carro e dirijo sem parar, sem dormir, compro sorvete e espero o sol nascer, sentada no carro num lugar qualquer, com medo de tudo o que existe no mundo, com medo de ir pra casa e não me sentir em casa, com medo de L., com medo de jalecos brancos, agulhas e ressonâncias. Com medo de canetas e

Minhas costas sangram e eu me obrigo a usar camisetas escuras de algodão, que roçam permanentemente nos machucados, fazendo com que me lembre que estão ali.
Paro na porta da sua casa antiga e te espero voltar, pergunto pra um homem na rua se ele te conhece, mesmo depois de tantos anos.
E ele diz que não.

Eu tô ficando louca.
Ou será que não?
Ou será que sim
Uma gata de pelos dourados fala comigo nas ruas e me conta todo o meu futuro, mas eu me esqueço assim que ela vai embora.
Eu me esqueço rápido.
Assim como me esqueci de que te amava na semana passada.
Porque agora odeio tudo
e todo mundo.

Odeio, odeio.
e não consigo explicar,
eu não consigo encostar a minha boca na sua
eu não consigo sentir dor
eu não consigo levantar de manhã
eu não consigo conseguir

Arranco meu olho direito e sangro, no canto mais escuro da minha mente.
Alguém fala comigo, muita gente fala comigo,
o tempo todo
e eu não quero falar.
E elas não me deixam não falar.
Por que é que as pessoas teimam em saber mais de mim do que eu?
"Você consegue ver isso aqui?", eu grito, enquanto enfio os dedos no buraco do olho e arranco de lá o que me faz ser assim tão errada. "VOCÊ CONSEGUE VER A PORRA DESSE NEGÓCIO? Você não sabe de porra nenhuma sobre mim, então não me venha com diagnósticos baratos e seus clichês estúpidos"
Mas eu não falo de verdade,
eu me calo no canto do carro.

Eu nunca mais
Não quero mais falar.

L. me pergunta o que há de errado comigo, bate no meu rosto com os dedos gelados, molhados, me diz que já é segunda à noite, que eu tenho aula pela manhã, enfia os dedos na minha goela, mas eu não tomei nada.
Eu não tomei nada, eu tô é toda fodida, bem aqui ó.

Eu não quero morrer, L.

Seguro as mãos dela, mas já não consigo
não quero mais falar.
Eu não quero morrer, L.
Eu quero que o tempo pare,


eu quero que as pessoas parem.

Mas já é segunda à noite,
e eu tenho aula pela manhã.