16x06 Long Kiss Goodnight

Imagem: TingTing Huang
Eu tinha só sete anos. Como coisas assim acontecem?
Eu entendo um homem e uma barra de ferro, mas não a menina e uma poça d'água.
É claro que era uma questão de tempo. Não fosse a poça, seria outra coisa - um acidente de carro aos 20, uma queda, um tapa, uma bolada - e talvez começasse tarde.
E se eu tivesse 20 anos quando aconteceu, uma vida toda pra trás, normal. Sem dor, sem mais, sem tudo isso.
Talvez,
Quem seria eu agora?
Existirá, talvez, numa outra dimensão se pá, alguém que eu deveria ser?
Eu quase posso vê-la: cabelos grandes, enormes e trançados, uma pessoa talvez um pouco -ou muito- mimada, de imaginação fértil. Ela ama o que acha que ama e tem muitas opiniões.

Mas ela não viu o que eu vi, e sabe disso.
Sente falta do que lhe é de direito.
Sinto pena de nós duas.

16x05 Complete Savages

Imagem: TingTing Huang

Antes de conhecer a Puss, Gideon era a única pessoa que conseguia me controlar.
Na verdade, ele ainda é.
Puss não tenta me controlar, ela quer que eu seja.
Ela quer que eu solte meus cabelos e mostre as pernas, coma maçãs e mel.
Me traz livros de poesia, me ensina coisas sobre plantas.
Puss me apresentou à Outra Cidade, a cidade que vive dentro de Brasília.
Puss me mostrou os prédios e as pessoas, as festas de verdade e os livros.
Ela abriu a coleira e essa "liberdade" me é tão nova...
Eu quero agradecer da maneira que ela quiser, seja como for.
Essa sensação vale tudo isso.

16x04 Kimchi for begginers

Imagem: TingTing Huang

Sou mesmo uma alienada.
A certeza disso não me incomoda. Não mesmo.
Gosto de amor. Não parece, eu sei, mas gosto.
Disseram (Y.K. disse) que só as garotas boas gostam de finais felizes.
Talvez eu seja como elas, ou um arremedo de garota má, quem sabe?
Tanto faz. O que importa é que o amor me agrada.
Também me apavora e eu o considero um tanto complicado.
Mas me agrada.
Não entendo mais a resistência das pessoas a essa alienação.
Não sei onde está, mas não acho o mal oculto em gostar dessas coisas de amor.
Caso encontre, por favor, não me mostre.

16x03 Kate and I

Imagem: TingTing Huang
Ouça.
Consegue ouví-Lo?
Ele fala?
Vou sentí-Lo?
Vai doer?
Estou próxima Dele?
Eu não sei.

16x02 Órbita

Imagem: TingTing Huang

Você sonha?
Eu não sei.
O que acontece se você fechar os olhos?
Eu não sei.
Onde você vai quando dorme?
Eu não sei.
Qual delas é você?
Eu não sei.

(A verdade é que sou todas elas, e nenhuma delas sou eu. Não existe separação, mas não existe junção)

16x01 Don't Panic

Imagem: TingTing Huang

- É o que estou tentando dizer, Doutor. Desde que ela chegou, minha vida ficou desse jeito. Cortes, maçãs, pus, mel.

E ele
É como quando você assiste a um lindo filme e fica temporariamente apaixonada pelo protagonista. Ela o amava tanto, de forma tão crua e descalça e me disse isso tantas vezes...
Quero que ela pare de falar nele e quero que ela continue. Que ele seja meu pelas palavras dela.
Posso me permitir a isso.
Só.

15x20 Motion Sickness (Season Finale)

Imagem: TingTing Huang

Eles saíram e eu soube que ia surtar. Liguei o som bem alto e enfiei na boca um pedaço de bolo que vomitei depois.
Isso não conteve a raiva que sentia. Peguei a faca do bolo e tentei.
Uma, duas, três vezes. Faca cega.
Enlouqueci, fúria pura.
Rasguei o braço a unha, soquei as pernas, bati no meu rosto, com toda a força que pude reunir.
Não bastasse isso, mordi as mãos, rasguei as costas, gritei de fúria com o punho na boca.
Chamei por Gideon, a única pessoa que não me deixaria.
Chamei-o até que os gritos morressem. Queria que ele me fizesse forte de novo.
Esperei no quarto escuro que a loucura passasse.
Peguei o telefone e disquei o primeiro número que me veio a mente, algo que me inspirasse realidade.
Quis falar, mas acabei ficando em silêncio.
Desliguei, fui pro espelho.
"Mundo real. Você tá viva.", pensei.
Mas eu não sentia nada, nem dor. Só vergonha.

15x19 Old friends

Imagem: TingTing Huang

Outubro de 1998

- Você ficou velho.
- Acontece. Quando se vive muito em tão pouco tempo.

Não digo nada. Às vezes me esqueço dessa nossa diferença.
Olho em volta. A brancura do quarto de hospital quase fere meus olhos. É um quarto simples, mas caro.
O soro goteja e eu sinto  como se pudesse ouvir a gota viajar até a veia.
- Você parece doente, diz.
- Não. Você é quem parece.
Ele ri, jogando a cabeça pra trás, e eu sinto um arrepio gelado. Tremo e ele percebe.
- Ela chegou, não? - pergunta. Sua voz nem treme, nunca tremeu.
- Ela sempre esteve por perto.
- Assim como você.

Ele estende sua mão, cheia de manchas senis, sua mão firme, e toca meu queixo. Eu toco sua mão.
- Não me deixe. Não me deixe de novo.
Beijo a palma de sua mão, cada um dos dedos, "por favor"
Ele retira sua mão e segura meu rosto.
- Eu preciso descansar. Eu preciso que você me deixe descansar.

E eu me levanto, derrotada. Mais uma batalha perdida. Tudo o que eu tive que fazer pra chegar a tempo, e ele nem sequer vai lutar. Dessa vez pode dar certo, pode ser a nossa hora.
Eu aceno e ele não levanta a mão, apenas fecha os olhos. E eu sei, mesmo antes de escutar a máquina gritar, que essa não é a hora.
Ainda.

15x18 Weakness

Imagem: TingTing Huang

Acordei doente.
Vômitos, diarréia. Tomei banho e fui pra aula.

"Você é fraca"
Catarro na garganta, fraqueza nas pernas, tremo.
"Isso é tudo o que você consegue suportar?"
Senti como se uma faca me rasgasse em duas.
"Sabe o que fazemos com os fracos?"
Depois, foi como se uma bolha de dor inchasse aos poucos dentro de mim, sem estourar.
Senti vontade de me furar até que estourasse.
"Engole o choro"
Quis me cortar. Nessa hora, fiquei grata por ter sido capaz de vir pra aula, por estar longe de lascas, facas e vidro, principalmente.
"Se você sente dor, então fure mais fundo. A única coisa que alivia a dor é mais dor"

Refleti o máximo que pude antes de decidir o que fazer. A dor era grande, eu não podia mais arriscar.
Abri minha caixinha, peguei dinheiro e fui na farmácia. Comprei remédios.
Nunca me senti tão limpa.

15x17 I love him not

Imagem: TingTing Huang

Eu nunca amei ninguém.
Não acho que reconheceria o amor se o sentisse.
Sempre pensei que amar fosse infinitamente mais fácil do que ser amada.
Ser amada exige constância, principalmente. E eu não tenho isso.
Achei que amava. Mas amar também tem seus pré-requisitos e são muitos.
Exige sacrifícios, conhecimentos gerais...
Mesmo assim, ainda prefiro amar.
Por isso, estou desistindo de você, temporariamente.
Entenda, ainda me faltam pré-requisitos.

Early Cuts: Under My Skin

Imagem: TingTing Huang

- Err, B., você escreveu errado.
Fui ver.
"Imperialismo europeu - Queda do Império Turco - Ottomano"

Mesmo quando não penso em você, penso em você.

15x16 Overcharged

Imagem: TingTing Huang
Meu cérebro está desistindo.
Ele está cansado. Todas aquelas tentativas fracassadas de curá-lo, de calá-lo, acabaram por enfraquecê-lo.
Eu sempre tive medo de que todos esses tratamentos me fizessem perder a memória. Temia que deteriorassem meu cérebro, tanto que mal pudesse me reconhecer no espelho.
Agora, quase desejo o esquecimento (quase!). Porque não sentiria dor, nem medo.
Não é o esquecer que me mete medo, é o lembrar, o descobrir que esqueci.
Prefiro mil vezes esquecer de tudo logo, até de quem eu sou.
Mil vezes do que essa maldita cegueira.
Só recentemente compreendi: meus olhos e mãos são toda a minha vida.

15x15 Late Resolutions

Imagem: TingTing Huang

(Por favor, não se zangue)

Miranda disse que acredita em Deus. Também disse que, se Ele existe, não se importa conosco, não pode saber de tudo.
Eu nada respondi, cansada como estava, traída.
Eu me sinto mal porque, talvez, Ele se importe. Porque Ele deve estar desapontado com a minha fraqueza.
Mas Miranda me diz que Ele não sente nada, que tudo isso é humano e que amor, raiva e todo o resto fomos nós que inventamos.
Sinto que ela está errada, embora o que diga faça sentido.

Mas é um consolo, às vezes.
É um consolo pensar que estou sozinha.
Que ninguém se importa.

15x14 Lover to lover

Imagem: TingTing Huang
18:18 - Sente sua falta

Será que existe mesmo essa possibilidade? Alguma vez você se perguntou o que houve comigo?
Também te incomodam as oportunidades perdidas?
Te chateia não saber que músicas ouço, se gostei de ler "One day", se James e eu temos nos visto com frequência?
Te irrita o início do ano, a incerteza dos dias de chuva em que não estamos juntos?
Mais do que tudo, amor, te desespera o fato de que eu nem te disse adeus?

15x13 Pele de Asno

Imagem: TingTing Huang

- Você é bonita, B. Só porque não te dizem isso, não quer dizer...
blablabla

Eu quero ser bonita, sim.
Mas fico feliz por não ter nascido bonita. A minha feiúra me salvou em várias situações.
A minha "pele de asno" me trouxe sã e salva até aqui. E, como no conto de fadas, trago comigo num baú os meus belos vestidos, a minha beleza.
- E o que acontece? Quando você usa esses vestidos?

Quando eu escrevo.
Escrevo vestida com o cor de lua, com o cor de sol.
Enquanto escrevo, sinto que existe alguma beleza em mim. Eu me lavo com as palavras, tiro a pele de asno e fico bela dentro do quartinho, esperando que alguém, por acaso ou destino, espie pela fechadura e me veja como sou.

15x12 Feitiço

Imagem: TingTing Huang

"Faça-me ela, que é a mais bela"

Às vezes, eu desejo que meu rosto mude durante a noite.
Desejo ser bela quando acordar pela manhã.
Bela e delicada, por favor.
Desejo que a minha pele seja macia e uniforme, dentes grandes, cabelos menos disformes...
Eu quero ser bonita um dia, ter uma chance, assim como Cinderela teve a dela.
Só algumas horas, poucas horas...
Queria ser tão bonita quanto ela é.

15x11 That's not my name

Imagem: TingTing Huang

Uma introdução ao triângulo amoroso.

Me beliscou a cintura.
- Puss - disse ele, à guisa de cumprimento.
Eu sabia que ele estava me confundindo com alguém, sabia que meu nome não era esse, mas sorri e respondi
- Oi.
E foi fácil, facílimo, porque não éramos nada ainda - seríamos, mas naquele dia, eu não me lembrei disso.
Seríamos sim, invariavelmente. Em algum lugar alguém tinha escrito que teríamos as mesmas paixões, que elas seriam discutidas aos sussurros durante a noite.
Então, mesmo sabendo que aquele não era meu nome, sorri.
- Eu não sei porque eu gosto tanto de mexer com você. Deve ser porque você é quietinha.
- Deve ser.
E me afasto.
Tudo bem, temos um encontro marcado.

15x10 Unwritten

Imagem: TingTing Huang
Queria escrever algo sobre Otto. Sim, leitor, tudo é sobre Otto aqui, mas falo de algo incomum, que me deixasse dizer adeus.
Algo que mostrasse o quanto eu o quero.
Queria que ele soubesse, lendo isso, quão importante ele ainda é.
Queria tocá-lo através desse texto como toco as letras, queria acariciá-lo através dessas palavras.
Queria que fosse um texto curto e sucinto, sem metáforas, que dissesse exatamente o que deveria dizer.
Eu poderia escrevê-lo.
Poderia, se soubesse o que quero dizer. Aí eu diria tudo e, na altura do ponto final, todos os problemas estaria resolvidos.

15x09 A falta

Imagem: TingTing Huang

Cadê o sentido no que eu digo, no que eu escrevo?
Será que era pra fazer sentido, será que as pessoas deveriam compreender?
Será que alguém quer entender?
Eu sei que eu não quero, na maior parte do tempo.

15x08 Ginger Snaps

Imagem: TingTing Huang
Pensei que tivesse enlouquecido. Não seria a primeira vez, não seria nem a pior. Não chegaria nem perto da pior.
Cheguei a pensar que, talvez, Otto não existisse.
Eu o tive tantas vezes, de tantas maneiras, na minha mente, na ponta do lápis. Talvez eu o tivesse inventado.
Quase parei um senhor na rua pra perguntar se ele se lembrava de nos ter visto juntos, mas não consegui reunir coragem suficiente. Me apavorou que ele pudesse dizer que sempre me vira rindo sozinha.
Me sentia cada vez mais distante do nós como se estivesse esquecendo de um sonho. Fui perdendo as cores das suas camisetas, os movimentos dos seus joelhos e a sua gengiva. Perdi há muito as lembranças da sua boca e do seu nariz. Mas te sinto de cor.
Ainda tinha a sensação sombria de que você era imaginário, alguém que "entrevi" na rua e fantasiei de meu. Essa sensação me tirou do prumo, me rasgou aquela película de sanidade tão frágil; me olhei no espelho e me disse "tu és louca".
Eu quis ir pra casa, quis minha mãe, aconchego, ar. Se fiquei, foi por pura teimosia e porque achei que, se fosse, não voltaria mais.
Sentei numa cadeira, alheia ao mundo por horas, mergulhei na Física e na Geografia.
De repente, aquela vontade de ir embora, de me levantar e ir pra rua olhar o céu.
Corri, deixando pra trás folhas e canetas - alguém me chamou de volta -, como se soubesse que tinha que ir lá fora.
A rua fria, o céu escuro e eu parada no meio, sem saber pra onde ir. Olhei pros lados, buscando atravessar e ela olhou e ela olhou pra mim - ela lembra de mim?
Ginger.
(Se ela é real, Otto é real, porque eles eram um pacote só)
Não sorri, não a cumprimentei, não lhe perguntei sobre Otto.
Só respirei fundo e, por alguns instantes, senti meu vazio preenchido de ar.

(Quem é que pode dizer que sentiu tanto alívio ao ver a própria rival?)

Early Cuts: Don't look back

Imagem: TingTing Huang

Sonhei que você partia, que eu te abraçava pelas costas.

De todos os sonhos cruéis que tive, esse foi o mais brutal.
Porque nele eu te amava sem que você precisasse olhar pra mim.
Os sonhos mais cruéis são aqueles que mais se aproximam da realidade.

15x07 Breaking down

Imagem: TingTing Huang
Faz tanto tempo desde que nos vimos, séculos.
Eu já vivo uma outra vida, uma que não tem lugar pro seu nome, pros seus fios de cabelo, pros seus olhos.
É uma vida que tem espaço sobrando. Uma cadeira vazia, uma gaveta vazia.
Os horários são meus, os dias, as horas. Não tem nada de seu aqui.
Os tremores são meus, os suspiros são meus.
As músicas são minhas.
Meus sons, meus livros, minhas letras.
As estrelas são minhas, agora. A calçada é minha, o supermercado é meu.
A água que cai do chuveiro é minha, e também os azulejos. Os ônibus, as almofadas.
Os palíndromos, a cor lilás.
Agarro tudo isso de encontro ao meu peito. Feito criança, grito: "MEU"
É tudo meu.
Na nossa divisão de bens lhe coube pouco: o ar que respiro e o seu próprio corpo.
Mesmo assim, volta, quero trocar.

15x06 Talk That Talk

Imagem: TingTing Huang
- Sopa? - ofereço. De costas, ouço o ruído dEle pegando tigela e colher.
- Está boa, ele diz, você está ficando cada vez melhor.
Penso em me virar e olhá-lo nos olhos, mas me seguro, aguardo.
- Você me chamou aqui só pra experimentar sua sopa?
Tem tantas coisas que eu quero perguntar agora que estamos próximos, enquanto estamos próximos. Quero ajoelhar e implorar por Otto, ainda, quero pedir pra olhar pra ele por alguns segundos. Mas não foi por isso que o chamei.
- Quero saber se estou fazendo a coisa certa.
Ele demora a responder, acho que está mastigando.
- Bom, você está fazendo coisas boas. Isso não pode ser ruim, pode?
- Então eu devo continuar?
- Por que não? Gosto que você tenha amigos.
- Eu já tenho... - começo, mas paro. Quem me conhece melhor do que Ele? - Ok, mas e quanto a...
Ele ri - Isso não é assunto meu. Você sempre diz.
- Não, não é.
- Não se preocupe, tenho a impressão de que tudo vai dar certo.
Talvez dê. Talvez não. Talvez eu só seja atropelada feito Macabéa, talvez o mundo acabe, talvez...
- Pare de pensar no que talvez aconteça. Pense nas certezas. Por exemplo, tenha certeza, sem talvez, de que vou aceitar se me oferecer um pouco de guaraná. O que é certo não tem que ser complicado.

15x05 The sweetest goodbye

Imagem: TingTing Huang
Eu estava trancada no quarto quando Ele abriu a porta.
- Está na hora de se despedir.
Por dias eu havia ficado tão zangada com Ele; todos aqueles afazeres, toda aquela fé e aquelas ordens e nada de recompensas.
Mas agora eu entendia: não era hora.
E se tudo continuasse como antes, faria alguma diferença?
Ainda seria eu. E eu ainda estaria parada, olhando Otto ir embora todas as manhãs.
Provavelmente, eu o assistiria se casar, ter filhos. Só testemunharia seu envelhecimento.
Eu preciso ir crescer o suficiente pra nós dois. E não é fácil. Eu tenho medo de ser tarde demais depois, de não me sentir assim.

-E se eu não conseguir? - pergunto pra Ele.
- Você acredita em mim?
- Acredito - respondo, firme.
- Eu também acredito em você.

Abro a porta, uma porta que nunca abri, de um apartamento no qual nunca estive.
Ele está sentado no sofá, assistindo TV, nem percebe a minha presença.
Beijo o topo da sua cabeça.
- Eu vou te guardar um pouco só, enquanto entendo o que deve ser feito. Mas eu não te esqueço não, viu? Eu vou te amar nas multidões, nos livros, na Ilíada, no Warner Channel, na Record, nas Poesias, no Universal. Vou te amar todas as manhãs e antes de dormir até o momento exato em que vou te trazer de volta e te dizer tudo o que quero dizer. Até lá, eu quero que você seja feliz, muito feliz.
Saio, de volta pro meu apartamento escuro.
De repente, desabo. Não choro, porque não tenho mais esse costume. Desabar tem outro sentido, mais doído, mais duro, como se algo me forçasse a me ajoelhar. Os ossos doem como se prestes a trincar, fico choramingando.
E o Pai: - Deixa eu ver se você se machucou
E eu: - Não, Pai, deixa, é dor de crescimento.

"One day...
I'll see you walkin', and
One day...
We'll get to talking', and
I'll say...
Ever since I set eyes on you
...You know it's true"

15x04 The Ugly Truth

Imagem: TingTing Huang
"Você sempre mente"
Aquele funeral não foi como todos os outros a que eu iria posteriormente. Mas passei por ele quase apática, pouco chorosa, assim como em todos os outros.
"Não tem nada de errado em mentir"
Suas roupas estavam tão limpas, tão diferente daquilo a que eu estava habituada. Terno. Por que as pessoas insistem nisso? Isso não era ele.
"É claro que tem. As pessoas te dizem a verdade e esperam que você diga a verdade"
Alguém disse algumas palavras, uma das poucas pessoas ali. Ouvi algo sobre o estado de Larissa.
"Eu não peço que digam a verdade. Eu nem sei se é verdade ou não o que dizem. Talvez todo mundo sempre minta"
Frio de gelar os ossos. Eu usava uma camiseta preta e velha por baixo do uniforme preto. Queria mostrar pra ele que ainda era eu.
"Talvez. Mas não é sobre os outros. Eu tenho medo de que, de tanto mentir, você fique incapaz d dizer a verdade"
Quando acabou a cerimônia, as pessoas começaram a se despedir e buscar seus respectivos carros, aliviadas. Eu fiquei pra trás.
"Ninguém vai notar, acredite"
Dois homens fechavam o túmulo com tijolos e cimento.
-Você vem? - gritou Alex
"Quero ver. Me conte algo que eu não possa saber se é verdade ou mentira"
Soltei no chão algumas folhas que vinha apertando e corri até Alex.
"Você vai viver até... até os 72 anos!"
- Tá tudo bem? Quero dizer, vocês eram muito amigos, foi tão 'de repente'...
"Você sempre mente."

Essa conversa entre mim e ele aconteceu meses antes do funeral. E ele já sabia que eu mentira ao dizer que ele viveria até os 72 anos. Ele já sabia que não passaria dos 21.

- É, foi tão de repente. Mas vai ficar tudo bem, Al. Vai ficar tudo bem.

15x03 Clocks

Imagem: TingTing Huang

No tempo certo. ("perfect timing")
Tenho meia dúzia de seringas sobre a mesa, uma óbvia preparação pra um futuro talvez próximo.
E pó. Pra morte inteira.
Lavo os cabelos com algum xampu cor de rosa, meu rosto cheira a perfume adolescente.
Me sento a favor do vento, as mãos parecem mais enrugadas.
Me pergunto se suportaria o surgimento das pintas.
As costelas cada vez mais escondidas no espelho dos meus olhos e garrafas plásticas flutuam na água limpa.
"Eu venci", digo pra mim mesma, "Eu venci". Mas não tenho pra quem dizê-lo.
O relógio diz 13:31, ora 02:02, eu queria acreditar nele, mas o tempo vive querendo me enganar.
Como, sem beber, rápido.
Tem tanta coisa, tantas imagens, tanta gente pra sentir falta. Até gente que não existe.
Pra mim, dose dupla. Tripla. Tenho mania de álcool, desinfeto.
Tenho mania de muita coisa.
Penteio meu cabelo parcialmente queimado. Minha mão dói, são as vibrações misantropas que ando soltando.
A visão borra, castigada pela luz do sol, dos seus fios de cabelo caídos no pavimento ("Três gotas de sangue no pavimento para o gigante").
E Deus nessa história? Ele diz "fim", não dos tempos, mas dos dias, dos quase 400. Eu digo "não", mas tiro o contador da tomada.
"Logo, logo, chega Junho e chega alguém pra consertar meus relógios molhados de chá", penso, enquanto passo pomada nas têmporas e vou dormir.
Dessa vez, sem programar o despertador.
Não me ligue, não tenho hora pra acordar.

15x02 Alta Fidelidade

Imagem: TingTingHuang

"You are my sunshine my only sunshine
You make me happy when skies are grey
You'll never know dear how much I love you
Please don't take my sunshine away"


Eu me levanto de manhã, eu oro.
Eu arrumo minha cama.
Eu tomo banho.
Eu visto calças.
Eu calço meus tênis.
Eu escovo meus dentes.
Eu penteio meus cabelos.
Eu visto uma blusa.
Eu passo maquiagem.
Eu saio.

Mas, de certa forma, não sou eu. Ou essa é uma parte de mim tanto quanto aquela que fica em casa sob as cobertas, enrolada em posição fetal, ouvindo "Alive", "Clocks", "Creep", "Wonderwall", não come nada o dia todo e só sai duas vezes ao dia: às 7:40 e ao meio-dia.
Então, caso você me encontre na rua calçando meus tênis favoritos ou usando roupas coloridas, caso eu esteja chorando de rir de alguma história ou achando o céu muito mais lindo do que de costume, saiba que tem mais de mim, feito um iceberg.
Eu posso sair de casa, rir e comer bolo até estourar porque eu não posso simplesmente parar de viver.
Ainda assim, suas lembranças ficam à espreita atrás de cada página, cada porta e em cada nota.

Ainda é você. Só queria que soubesse.

15x01 Girl with a golden earring

Imagem:TingTing Huang

Um filme sobre:

As coisas não ditas
"Senti sua falta. Senti falta dos seus cabelos e dos seus pés e joelhos. Poxa, não é amor, é só mais uma dose de Neoplatonismo, mas... Que seja, eu senti sua falta".

As oportunidades perdidas
"Vamos nesse"
"Oi, você sabe que horas são?"
"Que dia é hoje? Pra onde você vai?"

Potenciais não percebidos
Eu posso ser boa em gostar. Não sou só letras, palavras, pensamentos, livros.
Sou filhos, rosquinhas de canela, macarrão, física e fé.

Lábios não beijados
Skins, 2ª temporada, episódio 10 (se não me engano). O ônibus parte, levando Maxxie, Danny (?) e Anwar. Sobra apenas Sketch (minha personagem favorita) no ponto de ônibus.
Uma metáfora pra vida que ela queria e pra vida que ela podia ter, indo embora sem ela.

THE END

Mas todo mundo sabe que o the end interrompe o filme, mas não a vida dentro dele.
E tenho dito.

14x11 As coisas que não eram (Season finale)

Imagem: TingTing Huang

Eu te amo.
Je m'apelle Mickäel.
Morrer ao seu lado é um jeito divino de morrer. (Smiths)
Eu acredito em todas as coisas que você diz. (Cat Power)
Não o quero envolvido nisso.
Eu nunca.
Eu sou.

14x10 And the blind spot

Imagem: TingTing Huang

Deus tem ideias muito peculiares. Como joelhos.
Não faço ideia do que estou dizendo, como deu pra notar.
Eu queria contar sobre Otto, sobre não vê-lo, sobre a minha esperança de vê-lo. Queria contar sobre o que Deus disse, mas acho que não escutei direito.
Queria contar sobre misantropos psicopatas.
Tenho tanto pra contar, mas nada pra dizer.
Vou só aproveitar meu próprio silêncio então.
Finalmente.

14x09 Uma verdade inconveniente

Imagem: TingTing Huang

- Quanto tempo - diz a Gypsie, a guisa de oi.
Não digo nada, aflita, Helen, num conto que escrevi.
Limpo os pés no carpete encardido, entro.
O velho cheiro de incenso e chá me invade as narinas (He'll hit you, get you), já estou em casa.
Formalidades a parte, nos sentamos na mesa bamba e as cartas são embaralhadas, cortadas, viradas.
Eu quero vê-lo.
Quero desesperadamente me certificar da existência dele. Mas, se não posso, pergunto às cartas.
Elas me dizem que ele vai mal (não entrarei em detalhes).
A vontade de vê-lo me rasga em 3. Seguro o pulso dela "De novo".
A Gypsie nota meu desespero. Embaralho de novo, ela abre.
- Hm, você tem um problema, meu bem. O seu ponto fraco, nesse caso, é que você quer muito, você espera de mais de algo muito frágil. Mas você tem um ponto forte: sua impulsividade.
(Sorrio. Nunca fui impulsiva, mas, quando se trata de Otto, cometo os erros mais estúpidos)
- Olhe, querida, você diz que tem algo que te incomoda, mas essa carta mostra você agora e ela fala de paz, de busca pela felicidade, alívio. Eu não sei o que você procura, mas as cartas dizem que as coisas já estão no caminho certo.
-Sim, continue, peço, por favor.
Bem, a solução é - ela faz sua pausa - É o que eu disse: a solução é mudar, concluir isso. Evoluir.
De certa forma, era o que eu esperava. Meus olhos começam a arder - tem acontecido muito. Me levanto depressa, como normalmente faço.
- Tem mais uma.
- O quê? - pergunto
- Tem mais uma. É um conselho.
Eu estou pronta pra ir embora, mas me agarro a esse conselho como se fosse a única coisa que pode me ajudar, o sinal pelo qual tenho esperado.
- Revele a verdade. Mesmo que vá causar algum dano.
Por um instante, não entendo o que ela quer dizer. Tem tantas áreas da minha vida cheias de mentiras que...
Ah. A verdade.
- Obrigada.

Saio em direção de mais uma dessas manhãs enlouquecedoramente iluminadas.
A verdade. A verdade vai acabar com tudo. Mesmo que cause algum dano.
Considerando os tipos de danos que isso pode causar, prefiro nunca mais vê-lo.
Talvez seja mesmo melhor eu amá-lo pra sempre.

14x08 There must be

Imagem: TingTing Huang

Existe um lugar pra pessoas como eu.
"Você se arrepende?"
Houve uma garota, uma vez, o nariz dela escorria de forma indecente e ela fungava, eu ouvia o catarro voltar.
Eu nunca a havia visto antes e não me lembro do seu rosto. Me lembro de suas orelhas vermelhas, de fios entrando nos meus olhos e do atrito dos jeans dela no cascalho.
Me lembro do cheiro de álcool e Marcela dizendo "toma agora, ele vai te rasgar" e empurrando na minha mãe um pedaço de sacola.
Gideon encostando os lábios no canto da minha boca e Alex amarrando meus cabelos.
Me lembro de cabelos por todo o chão, do meu grito abafado pela mão de Gideon, do seu anel.
Sangue embaixo das minhas unhas e nas minhas gengivas.
O soco inglês sujo de sangue, as roupas que nunca mais pude usar. Sangue de porco, sangue de porco, me lembro de "Carrie, a estranha".
Quão forte eu era, quão livre. A algumas gotas de sangue da salvação.

"Você se arrepende?"
Eu não sei o que dizer. Eu lutei tanto pra não ser mais aquilo, mas não sei se era arrependimento.
Eu não sei se me arrependo.
Eu não sei se quero ser salva.

14x07 Don't you want to share insanity

Imagem: TingTing Huang

Divido-a em duas, um gesto quase que automático, vindo da infância.
- Você não consegue engolir inteira, querida?
Sacudo a cabeça e tomo as duas metades de uma só vez, sem água. Depois, ponho a água na boca, mas não engulo. Fico passando o líquido pra lá e pra cá, por casa ferida na mucosa, nas gengivas.
Engulo.
Mostro a língua, gengivas, goela.
- Muito bem.
Ouço no rádio uma canção que me causa uma nostalgia louca, uma vontade de

- Você já tá grogue?
Passo a língua pela gengiva seca.
- Acho que tô.
Ele vai andando na minha frente, agitado. entra no banheiro. Entro logo atrás, tranco a porta.
Ele puxa uma bacia grande e a deixa encher de água do chuveiro enquanto assobia algo da KC & The Sunshine Band.
Desliga o chuveiro e se senta no chão. Deixo que me ajude a me ajoelhar na frente da bacia cheia.
Mergulho.
Uma ponte, um acidente de carro, 4 olhos, 2 bocas, 2 narizes, um dreno, formaldeído.
Explodo.
Acordo com o despertador às 8 horas.
Ele sorri enviesado no reflexo do armário.
- Por favor, não enquanto estou dormindo.

14x06 Dos pés as pontas

Imagem: TingTing Huang

Fico na ponta dos pés, danço de olhos fechados o som da chuva tocando no telhado.
Os braços levantados, pause na minha própria musicalidade, o que quero é dançar a música lá fora.
Porque é uma dança pra mim, de mim, é um espetáculo meu, que ninguém compreenderia.
É uma ode ao movimento, aos sentidos.
Eu toco, cheiro, ouço, provo, vejo pra dentro as minhas pernas limpas de cicatrizes, a liberdade na lisura delas.
Meu coração bate tresloucado.
Eu sou uma fera, presa num apartamento minúsculo, um leopardo.
Sou um puma, uma libélula. A dança me liberta de uma forma exclusiva, de um recipiente. Nada líquido, nunca.
Eu me torno gás, eu sublimo e ressublimo.
Danço sem parar a música infinita do mundo, sinto o som do gelo se partindo, do fundo do mar, dos peixes voadores, das sebes crescendo, da digestão, das contrações do útero.
A vida pulsa, grandiosa, grita, como no quadro de Munch. Apodrece e renasce, enquanto danço, de dentro pra fora e morro um pouco no final, após caminhar por todas as vidas possíveis.
Então me torno eu de novo, cansada, mas viva.

Faltam 6 dias.

14x05 Susan & Goliath

Imagem: TingTingHuang

- Você acha que eu vou pro inferno?

Estou quieta, procurando um livro que ela pediu, finjo que não ouvi.
- Você sabe do que eu tô falando. Eu li.
Fiquei com raiva dela, no primeiro instante. Ela não tinha o direito de ler.
Depois, senti pena dela, pena do que ela tinha entendido, porque não sabia nada sobre mim, então não poderia entender.
- Você não entendeu...
- É uma pergunta simples, B. Você acha que eu vou pro inferno?

As coisas mudaram muito. O desaparecimento de Ulrika, seu distanciamento. Eu não quero que ela vá pro inferno. Tudo o que eu aprendi, o cheiro de lavanda, sangue e cabelo queimada (será que o inferno é pior do que aquelas noites?), eu não posso conceber a ideia de pessoas como Ulrika queimando.

- Eu não sei. Provavelmente.
Ela sorri amarelo, abaixa a cabeça. - Por que alguém quer ser amiga de uma pessoa que vai pro inferno?
Largo os livros recém retirados do armário e cruzo os braços.
- Por que? Você não quer mais ser minha amiga?
E ela ri, as coisas ficam bem, sem que eu tenha que explicar que é melhor estar provavelmente condenada que invariavelmente.

14x04 The Script

Imagem: TingTing Huang

Escrevi um texto para ele, um que nunca cheguei a entregar.
Dei todas as deixas, perfeitamente, mas ele não podia compreender.
Ele não odia me perguntar o que eu esperava de nós, não podia me encontrar no cinema naquele dia ou me dizer como havia sentido a minha falta às 8:03.
Não podia me dar parabéns ou segurar a minha mãe ou comer bolo comigo porque eu não lhe dei o script.
Como ele poderia ter feito tudo o que eu quis que ele fizesse se ele nem sabia qual era o seu papel?
Ele nunca leu seu script, que eu escrevi e guardei com tanto carinho.
Provavelmente foi por isso que ele nem me disse adeus.

14x03 Mad March

Imagem: TingTing Huang

(Gusto, Aug, Gus, August, Augustus)

- Relaxe.
Coloco a venda nos olhos, me sento no carpete.
Minha mente está a mil por hora e não sei se vou conseguir me concentrar hoje.
Sonhei que meu pai tentava me matar, tenho tanto que fazer, quero tanto ter fé, entendi porque minha nota caiu tanto, quero estudar, quero ver Otto, sinto saudade de Otto, tenho que lavar roupas, detesto pijamas - não use pijamas, quero ter tempo pra escrever S.S., o que será que acontece no episódio 10, será que passa House hoje?, o Shuji vai voltar com a Natsumi, como eu pude ser tão maluca?, que calor!, eu preciso pesquisar datas, fazer um facebook, cadê minhas folhas???!!!, tenho que ler mais, e os documentos?, posso não puxar o gatilho?, eu arrumei tudo - pra variar, vou ter tempo pra ver Tomboy?, Ele vai estar lá?, será que eu começo a usar sombra?, tenho que trocar de tênis com a Bel, falta pouco pro Foles, quero uma bolsa caramelo, gosto tanto da minha mãe, own bagolina *-*, já quero ler FT de novo, tenho que parar de caçar livros, quem matou Laura Palmer?, Cadê a Berenice na noite?, será que já acabei de pagar o karma?, quando será que voltam Awkward e Being human?, será que a Beckett nunca vai beijar o Castle?, quem vai ser líder no BBB?, esse suplício acaba?, quem vai ganhar o Oscar?, quero café!, nossa, que vontade de comer lasanha, e macarrão, então?...

Desisto da meditação.
- Vem Gusto, eu te pago um sorvete (:

14x02 Slow Motion

O carro freou quase em cima de mim, ruidoso.
Um homem gritou "cuidado!"
Me preparei pra ser xingada, meus olhos lacrimejaram.
"Vai mais devagar, cara", gritou alguém pro carro, não pra mim - que estava errada.
E eu abrios olhos, tudo muito rápido, eu viva - tanto quanto isso é possível - gritos e uma confusão de sons, matando os diálogos em mim, todos a meu favor.
Corri, apreciando o silêncio interno, desejando morrer mais do que um pouco todo dia.

14x01 Prelude to Crisis

Imagem: Lst1984

(Quero descrever essa sensação, mesmo correndo o risco de torná-la banal, antes de chegar ao próximo nível.)

As mandíbulas começam a arder, você tenta respirar pela boca, mas o ar parece escasso. Mesmo sentada, você sente que vai cair, sua boca seca.
Você olha a sua volta e vê o caos da sua vida, falsamente organizado, sem significado.
Você sabe que quer viver, mas não se lembra do porquê. Não faz sentido ser alguém na vida, filhos ou sucesso. São só palavras que se repetem aqui e ali em um texto mal escrito.
Você sente que vai vomitar, mas é passageiro.
Você tenta agarrar um fiapo de rotina do amanhã, algo importante que queira fazer, algo inacabado, mas nada te chama a atenção. Não há ninguém que queira ver, não há nada a ser dito.
Nenhum pacote a entregar, nem a percepção de algo. Só uma vontade de ser livre te domina.
Você quer saltar, sentir o vento no rosto e o coração explodir no peito.
Você quer morrer, você tem que morrer.

Quando você não morre, fica aliviado por alguns segundos.
Então, descobre que a vida ainda não faz o menor sentido e chora porque perdeu a chance, porque nunca mais vai ter a coragem, porque perdeu o elemento surpresa, porque esperam isso de você.
Você não morre mais, não porque não sinta mais vontade, mas porque estar vivo não é tão ruim quanto falhar com a própria morte outra vez.
Vai vivendo sem vontade, que um dia a morte chega por conta própria.

Early Cuts: Things I'll never say


Luana me liga bem cedo, deseja sorte. O suco me sobe de volta à garganta e não respondo, desligo.
Ao invés de tomar banho logo, deito na cama e fecho os olhos, tentando me acalmar. Ligo o som ("Oração", da Banda Mais Bonita da Cidade), fico mais nervosa.
Banho, calcinha, cabelo, maquiagem, bolsa, 2 sutiãs depois, saio de casa ouvindo o que acredito ser Age of Rockets.
Tô na esquina, não o vejo. Respiro fundo, aliviada, resignada, amém. A sensação não dura muito, lá está ele, como se sempre tivesse estado ali, como se não tivesse passado um dia, um segundo sequer desde a última vez. Lembrança, fotografia, sonho em voz alta, que seja.
Toco na bolsa, pronta para sacar delicadamente o presente de Natal que fiz pra ele. Minha mão trava no zíper.
Nunca estive tão longe de quem eu era, da corajosa Bels dos meus nove anos, da pessoa que pensei que seria. Se meu eu de 9 anos pudesse me ver abraçada aos livros pra espantar a tremedeira, ela mesma marcharia até ele e, puxando-lhe a camiseta, diria: "Ela tem algo pra te dizer".
Nem me lembro mais em que entroncamento da vida - ah, sim, acabo de me lembrar - me tornei tão fraca, tão covarde.
Nem a possibilidade de não nos vermos mais, nem as possibilidades de NÓS me assustan ou atraem tanto, de tal forma que me sinta impelida a balbuciar um simples oi.
Boca seca, pernas bambas. Te deixo ir embora, fico mais uma vez com teu presente numa mão.
E o coração na outra.

13x22 Os últimos românticos (Season Finale)

Imagem: santheo

Durante nosso primeiro beijo, meus dedos congelaram, eu senti um frio enorme, tremi.
Você segurou meu rosto "o que você quer de mim?"
- Um terremoto.
Escrevi sobre você todos os dias, dediquei tantas coisas a você, amei você em todos os seus aspectos, amei cada pedaço, cada defeito, cada suspiro.
- Mas você me amou no papel, B. É muito lindo, muito poético, mas não é real.

Eu te amo com a traquéia, dedos, pernas. Te amo com minhas roupas, meus colares, Te amo nos dias frios e quentes, te amo com chuva e fumaça e com as dimensões.
Eu te amo com as rimas, te amo com sangue, com vento e vidro. Eu te amo com tudo o que é real. Então como você pode dizer que não é? Como pode não ser?
Ele empilha seus livros em uma caixa e eu observo a tudo, zumbificada. Engulo as sensações amargas, o desespero e a vontade de prendê-lo de encontro à parede.
Ele sai. Escrevo.

Eu te amo com a vida, com a morte e os limões. Te amo com os vermes e as pedras. Te amo com os livros e com as vitrines. Com lenços, tintas e filhos. Com meu útero frágil e minhas unhas firmes. Com meus olhos velhos e minhas veias entupidas.
Com meu coração alado e os ponteiros do relógio.
Mas não faz diferença se essa minha realidade se perde nos vermelhos cabelos pretos de uma Assia que não existe.

Em que lugar está escrito que a sua realidade é mais real do que a minha?

13x21 Growing Old

Imagem: jspad

Sou velha. Não me sinto, sou velha.
Me convenci disso há muito tempo, na época dos risos e das festas: minha juventude sempre foi fingida.
Tenho um espírito de mãe de meia idade, quase de avó, uma impaciência com mudanças e atitudes juvenis, uma adoração pelo frescor, pela beleza infantil.
Sacudo a cabeça e dou um sorriso de Gioconda ao ouvir as certezas juvenis.
Amargo as esperanças alheias como se já tivesse sofrido todos os desapontamentos possíveis, como se o fel nunca me tivesse saído da boca.
Sou mais velha do que uma matriarca viking, sem ser sábia.
É como se, a qualquer momento, feito um Dorian Gray, o pó dos anos vá me atingir e me fazer secar lentamente, até que todos possam ver minha carcaça de metal.

13x20 O gato de Schrödinger

Imagem: jspad

Uma memória saiu da torre noite passada, fugiu de seu claustro pra me invadir um sonho cômico sobre motocicletas.
Abri os portões de um cômodo - buscava algo, uma caixa - e fui entrar num banheiro branco limpíssimo, cegante. As luzes fluorescentes baixas reffletiam no metal prateado das torneiras e reservados.
O cômodo cheirava (?) a pinho sol, menta e - funguei de novo, pra ter certeza - limão. "Cheira como uma garota tímida que fica nua em público pela primeira vez, Bels, é poético"
(Foi no fim de setembro. Aprendi muito naquele mês. Nasci de novo.)
Uma ponta de colher enegrecida escapa do reservado para deficientes - o maior -, denunciando algo errado. Lá dentro, um menino, pingando suor, se recosta na parede, enquanto uma menina, sentada na tampa do vaso sanitário o observa, concentrada.
Ele é o ídolo dela, seu melhor amigo. Ele sabe tudo o que há para saber sobre ela. E ela sane quase tudo sobre ele. Essa é a última etapa.
Ela observa a mágica, a garota é dissolvida, pronta pra invadir. Ela observa os instrumentos do alquimista, o bico de bunsen roubado, algodões e coisas cujo nome ela desconhece.
Ninguém fala. A mágica parece tomar conta deles. A qualquer momento, um druida pode irromper no reservado e dizer as palávras mágicas, ela pensa.
O cheiro invade suas narinas virgens e ela pensa em napalm, espirra.
Ele sorri "Quase".
Lá fora, a noite parece mais escura do que de costume, tudo parece mais intenso e ela sente medo, sente que aquele momento é um marco - e ela tem razão. Os outros acontecimentos talvez derivem desta noite.
Ele termina e enche a seringa com o líquido cor de urina.
Amarra o próprio torniquete usando a  mão e a bocam no braço direito - é canhoto, sinistro; talvez as constantes surras de vara dos avós maternos tivessem nos trazido até esse dia também - já avariado.
Ele sorri pra mim (de mim?), me acalmando.
- Me leve pra casa, querida - as palavras mágicas.
Seu corpo relaxa aos poucos e ele se deixa semi adormecer , escorregar.

Vai pra casa, pra onde eu irei um dia também, ou talvez não.

(Os sonhos que encerram memórias, eles aconteceram? E as memórias que encerram sonhos? Quem é que sabe?)