48x15 Hollow Woman

 

Imagem: Ting Ting Huang

I

É assim que o mundo acaba. 
É assim que o mundo acaba. 

Eu sinto

Sentada no campo de batalha silencioso, depois que a guerra termina
a última pessoa a ir embora depois de um funeral
quem apaga as luzes
o chaveiro depois que uma chave se perde. 

Durmo cedo, e tarde, sono longo e sem sonhos, dessa vez. 
Um espírito sussurra nos meus ouvidos surdos, secos, ocos. Espíritos sem formas, com cheiro de especiarias, 
eles contam histórias sem palavras, sons puros que um dia ouvi, e que já não ouço. 
De pé no penhasco, me recordo do seu canto de guerra, e não pulo. 
Eu sei, agora, eu vivo com os pés no presente, passado e futuro, feito um oráculo, e eu sei, agora, que não devo temer e que não devo pular e que não devo. 

Fantasmas sonolentos do passado me tentam, mas eu não pulo, 
estou oca. 
Oca e impermeável, permanecerei oca, por ora. 

II

Você me chama, me convoca das profundezas do reino dos sonhos e da morte e do sono. E seu chamado inaudível me afeta como um apito afeta um cão e eu me ponho em guarda. 

Mulheres cantam, as damas do lago, e eu não ouço, eu não sei, só sei que preciso seguir em frente, não posso parar, até o final. 

Sempre em frente, ecoam as palavras em minha mente. 

III

Caminho só, e não deveria, eu não preciso, mas eu quero. 
Silêncio, e um pouco mais de silêncio. 
Pra além da ausência do verbal, eu preciso me esvaziar do cansaço provocado pelo não dito. 
O franzir da testa, o muxoxo, ombros eretos e caídos, o toque e o abraço. 

IV 

Invisível. 
Evito tantos olhares que, aos poucos, deixam de me ver. 
Ou sou eu quem deixo de vê-los?
São cegos, estou cega?
É nesse ponto de encontro final que abordo a multidão sem pedir socorro, e eles passam reto ou sou eu quem os atravessa sem tocá-los. 
Todos tão vazios e surdos quanto eu, impermeáveis, numa busca igualmente vazia por algo que posso preencher. 

V

E aqui cai o pano. 
Encontro-o no meio do nada, o último segundo, no clarão, com direito a uma única microexpressão, com direito a escolha, milhões de opções pra mostrar o que eu preciso dizer, demonstrar, eu preciso te contar, antes que você não possa mais ver ou ouvir, porque é aqui que o mundo acaba. Penso em gritar, quero gritar, gostaria de gritar, devo gritar, te vejo aqui e agora

nesse ponto exato e único do espaço tempo, um clarão ilumina nossos rostos pela última vez, quero gritar, vou gritar, mas deixo escapar um (único, rápido e baixo)

suspiro. 


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