28x16 Caribou

Imagem: TingTing Huang

"Eu não sei como consertar,
nem se tem conserto".

Aperto enviar.

Acho que tenho dito essa frase quase que automaticamente nos últimos anos.

Eu me lembro do dia anterior à sua grande viagem. Suas malas estavam todas prontas, armários vazios, paredes nuas, tudo vazio e você indo embora, pra deixar minha vida vazia.
Eu me deitei no chão, no tapete azul velho e te perguntei se a gente ia ter conserto.
E você, sentado na ponta da cama, mexendo nas coisas da caixa de velharias que eu tinha trago, disse mais ou menos isso -e, por favor, volte e me corrija se for mentira-:
- Se você precisar tanto assim consertar, então não é pra gente ficar junto. Não dá pra se amar tapando buraco, Bels. Eu não quero te capturar num momento só e saber tudo o que há pra saber, ou mudar sua mania irritante de deixar um vazio entre as frases que não tem tradução pro meu idioma. Eu não quero nada diferente disso, mas eu me adaptaria. Sem conserto. Amor não precisa de conserto, de mudança. Amor precisa de adaptação. Eu não quero voltar e ficar com outra pessoa. Eu quero voltar e ficar com você. Crescida, sabe-tudo, mais violenta, mais experiente, talvez menos descabelada, mais adulta, mais ou menos tudo isso. Você. Adaptada pelo tempo e pela distância entre nós dois, pelo medo de não ter mais certeza, que eu sei que vai chegar daqui a uns meses.
Não é pra me esperar sentada, não é pra fingir que está tudo bem, não é pra nunca mais amar ninguém.
Vai doer. Já dói pensar que você vai olhar pra alguém assim, que você pode até nunca mais me olhar assim de novo. Eu só quero te pedir pra nunca mais sair de casa ou pra pensar só em mim todos os dias, até que eu volte.
Mas eu quero ver o que o tempo vai fazer com você. Com a gente.

Nada nunca nunca nunca nunca teria me preparado pra te ver puxando a mala na minha direção, pro braço mais gostoso do mundo, pra essa saudade contida de quantos milhões de anos, pra essa tarde só antes de você ir ver sua família "um dia antes, pra te ver". Biscoitos de chocolate, sua mão na minha, minha histeria e você dizendo "Relaxa, sou só eu", mas não era, não depois de todos esses anos, não com aquela confusão toda na minha cabeça. "Me conta", você disse, enquanto eu me escondia atrás da minha caneca gigante de chá de capim cidreira, e eu balancei a cabeça "Hoje não, só hoje não". Porque eu queria você, cada segundo antes que você sumisse de novo, nesses lugares de nome complicado, eu queria te perguntar o que aconteceu com seu cabelo, que roupas são essas, eu queria tomar sorvete, quero te mostrar meus lugares favoritos e tomar milkshake de morango, queria te deixar quieto, não te deixar quieto, te mostrar o que estava lendo, te levar pra tomar café, pra comer hambúrguer, como se você não fizesse essas coisas todos os dias. Eu queria te levar por aí, feliz e assustada, apavorada. Com medo de que a gente acabasse precisando de conserto também.
Não falamos de amor, você disse "me escreve" pro meu pescoço e eu disse "Tá", mas a gente sabe que não vou e nem você, que é só isso, aqui e agora, talvez nunca mais, e vamos voltar pras nossas vidas onde o outro não existe. Você encostou a boca na minha de leve, "até logo", e foi andando na direção do portão
E eu já comecei a sentir saudade, a pensar "Tudo bem, vai ficar tudo bem de novo"
Você voltou, largando mala e tudo, "Só queria sentir seu cheiro de novo", me fazendo dar risada pra encobrir aquele medo, aquela coisa crescendo "Cê acha que a gente tem conserto?", perguntei, sem perguntar.

e você, depois de todos esses anos, traduziu meu dialeto de vazios da melhor forma possível, me apertou com força
"Ainda é você. Sempre vai ser"

:) é bom saber.

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