32x11 Metade Homem - Metade Texugo

Imagem: TingTing Huang

(Era pra ser um texto sobre uma garota, um cara, uma festa junina e algumas skol beats. Acaba que é só sobre a garota e quem ela é de verdade, mas mantive o título original.Eventualmente, quando o tema original voltar, irei usá-lo novamente)

- Nós não vamos ficar juntos, vamos? - pergunto a ela.

Estamos sentadas em um canto escuro. E ela corta, corta, corta, cega e serena.

Não responde.

- Você me enganou. Me fez acreditar que eu deveria correr riscos. E eu corri riscos. À toa.

Sem levantar os olhos do tecido, ela responde, quase cantarolando.
- Nada acontece por acaso. Você fez o que escolheu fazer. As consequências virão, eventualmente.
- Eu não acredito em você.
- Você não tem que acreditar em mim. Eu não preciso da fé dos homens. Eu existo. E deixarei de existir quando chegar a hora.
- O que teria acontecido se eu não tivesse arriscado? Se eu tivesse ficado quieta?
Ela pára de cortar o tecido e ele começa a se desfazer, sozinho, como se cortado por uma tesoura invisível. Toca meu braço.
- Você sabe o que aconteceria. Quase a mesma coisa. Por um tempo, você ficaria feliz, achando que tomou a melhor decisão. Depois, estaria aqui, tendo essa mesma conversa, com a Mãe.
- Essa é a ideia de vocês de uma lição? Eu deveria ter aprendido algo? Porque eu não aprendi nada. Eu percebi que seria terrível se voltássemos a ficar juntos. Percebi que ele não teve sequer a coragem de me dizer não. Percebi que tenho coragem o suficiente pra dar a cara à tapa e me declarar. Mas eu ainda o amo. O que isso muda? Eu sou a mesma pessoa que era um mês atrás.
- Minha querida,
se você sabe tudo isso agora e não sabia antes, como pode ser a mesma pessoa?

- Eu estou cansada. Cansada dos enigmas de vocês. Onde está ele? Essa incrível pessoa que vai acabar com a minha miséria? Se vocês pelo menos me dessem um nome, e eu pudesse ir atrás dele e
- Ele não está pronto. Você não está pronta.
- Claro que não, é claro que não estou. Eu nunca estou pronta. Não, eu preciso passar por isso. Eu preciso me sentir uma estúpida, uma pessoa ridícula, eu preciso sentir meu estômago revirar a cada vez que o vejo, eu preciso me sentir enojada com a ideia de me aproximar de outras pessoas, eu preciso mesmo disso?
Ela me encara com as órbitas vazias de criança.
E eu quero matá-la.
Eu quero, como nunca quis antes, quebrar seu pescoço,
me libertar dessa estúpida peregrinação a essa masmorra.
Eu não quero mais estar presa,
eu não

E, de repente,
eu sei exatamente o que fazer.
E me assusta um pouco o fato de eu não ter percebido antes.
Com todas essas dicas, todas essas ideias, esses sonhos que tenho tido,
esse vazio que não passa,
essa vontade intensa de reencontrar meus velhos amigos, de me reencontrar.

Ela sorri, como se lesse meus pensamentos.
- Existe algo de que precise saber?
- Não, digo, ao me levantar, eu sei tudo de que preciso saber.
- Mas e ele? Sobre vocês dois? O que acontece no próximo episódio?
- Tudo bem. Eu assisto quando sair.

Só dessa vez, só hoje,
tenho algo mais importante pra fazer.

0 comentários: