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Imagem: TingTing Huang

Caro Otto,

eu acordei de manhã.
Que situação perfeitamente banal.

Minha casa encontra-se naquele estado de caos costumeiro. Igualzinho à minha cabeça.

Descrevo:
Na sala, os livros de empilham na estante, aguardando que eu os leia, assim como os pensamentos complexos se empilham nas estantes da minha cabeça, aguardando que eu dê algum parecer sobre as questões complicadas da vida, sobre Claire, meu corpo, e todas as coisas simples que eu teimo em complicar.

Tento arrumar, colocar tudo na ordem, jogar no lixo o que não importa, mas você sabe que tenho dificuldade em me livrar de coisas velhas.
Então guardo nos cantos da mente pra rever depois, ou jogo em um saco, amarro e coloco debaixo da pia.

Alguns deles se espalham pelo chão do meu quarto, ocupando cada espaço e fazendo com que eu machuque os pés e tropece, eventualmente, em pensamentos intrusivos como um que tive noite passada, sobre estar feliz ou não.

Tento jogar alguns deles no armário, escondê-los, mas o armário explode, eu procuro algo útil pra usar pela manhã e, no processo, jogo todos os pensamentos que tinha guardado pra fora do armário, exponho coisas nas quais não preciso pensar e o caos reina.

Preciso dormir, preciso descansar, mas a cama e a cabeça estão cheias de coisas que eu simplesmente pego e coloco em outro quarto, esperando que o tempo ou algum ser mágico as faça desaparecer, mas elas continuam ali, à espreita, esperando que eu arrume a bagunça e coloque as coisas no lugar.

Insetos entram e fazem a festa, criam ninhos e teias, me envenenam os pensamentos mais profundos e eu chego naquele ponto em que eu não consigo entender de onde surgiu esse rancor súbito, magoo pessoas que nada tem a ver com o caos e depois sumo em meio aos objetos dispersos.

As pessoas me dizem coisas boas e eu rejeito todas, todas, sem hesitar. Minha mãe me liga no meio da noite e eu espero que ela diga algo ruim, eu quero me sentir pior, então não saio de casa, não como direito, e procuro uma briga com a última pessoa com quem quero brigar. Não tenho forças pra parar, e rejeito convites e pessoas, eu me rejeito e eu sei que isso é só o veneno do escorpião que matei correndo nas minhas veias.

Quero ficar sozinha e questionar tudo o que existe de bom, eu não sei ficar feliz.
Por que?

É, eu sei o que você diria, sei o que você faria.

Você invadiria a minha casa, quebraria as portas, estouraria minha bolha e me levaria pra ver o sol. Sem compromissos, sem afazeres.
Sem regras.
Sem pessoas pra quem acho que devo algo, sem culpa.
"Hoje é sábado", você diria, "não tenha medo".
E eu não teria.

Eu faço o melhor que posso.
Mas não hoje.
Hoje eu durmo,
e como besteiras, eu assisto séries e leio e fico só porque quero ficar só, eu quero ficar só.
Eu não quero festas,
eu não quero trabalhar,
eu não quero estudar.

Eu quero desligar meu celular e ler, e não complicar as coisas.

Você não tá aqui pra me levar pra ver o sol e a parte simples das coisas, então eu vou fazer isso, à minha maneira.

Espero que você esteja bem.
Saudável.
Bem alimentado.
Mentalmente são.
Inteiro.
Feliz.
Espero que esteja se sentindo útil, que seus cabelos estejam grandes e sua barba crescida.
Espero que esteja sendo amado pela pessoa certa, no momento certo.
Espero que você a ame.

Com amor,

B.

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