46x03 A friagem

 

Imagem: TingTing Huang

Deita.

Vento quente, sufocante, sua perna, seu corpo, quente, sua por baixo do tecido grosso. 

Estende os dedos e enrola, fio a fio, rápido, ligeiro. 

Por fora, dormente, atenta. 
Por dentro, a mulher é um turbilhão. 

Ventania gelada, sopra, congelando as veias, o estômago afunda, caos e

Para, respira. Tenta se concentrar em movimentos lentos e propositalmente curtos. Um balé, uma dança. 
Enrola os cabelos com os dedos. Não consegue não fazer algo. 

A angústia, a friagem interna avançam, inexoravelmente. 
Ela, em contrapartida, luta como pode, senta, deita perto do sol, queima os pés e enrola, enrola os fios até que se quebrem e caiam, murchos, no estofado escuro.

Dói feito pesadelo, mais do que os pesadelos até, porque não para, não passa. 
Aos poucos, ela sufoca, gelada por dentro, quente por fora. 

Sente a friagem consumir tudo, seus sonhos, a manhã, o conceito de cadeiras, a ideia de verdade, corta em pedaços quem ela quer ser. 
Agulhas geladas, perfurando o peito enquanto ela, como num ritual, enrola e enrola e enrola os cabelos. 

Ele, silêncio.

Ela, tempestade de verão, chuva fria na terra quente, inundando, lavando tudo.
Destruindo o que quer que esteja no caminho. 

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