5x05 Lamentações da seta, lamentações do alvo


Imagem: Angela Jarpa

Muito ou nada.
Doses maciças de medicamentos me levam de um extremo a outro antes que eu perceba que devo me controlar. Não me sinto como eu deveria me sentir.
Mas hoje. Eu não sei. Talvez tenham sido os gritos dela "eu quero meu filho". Talvez o corpo trêmulo da minha irmã, diante da descoberta da morte. Talvez minha frieza diante disso tudo. Talvez.
Num minuto, eu era eu e, como sempre acontece, eu não era mais eu no outro. Eu era realmente eu.

Ele tinha olhos bonitos. Olhos de criança.
"Volte", eu o espantava, "Volte" e ele ria.
A bala atravessou a cabeça dele, zunindo. Sangue e cérebro no meu colo.
Sangue, cérebro e aqueles olhos de criança.
Eu poderia ter amado alguém assim.
Mas segurei seu sangue, seu cérebro, segurei enquanto ele gemia.
Vazando feito pus, suas lembranças grudavam nas minhas mãos. Mas eu o segurei. Pelos lamentos de sua mãe, que eu amava.
"Faça um pedido"
No ápice da dor, da alucinação, ele me chamou de mãe.
"Estou aqui"
- Mamãe, faça parar.

Eu poderia ter segurado.
Poderia.
Poderia.
Mas eu era mãe. E lhe disse que o faria.

Não prometi à mãe dele que tudo ficaria bem.
Não fiz promessas vãs a ninguém.
Então lhe deixei.
Olhos bonitos e sangue seco eu o amei.
Os gritos dela ecoam e me cortam os pulsos, me rasgam o cérebro e me acusam. Me rasgam o sangue, as lembranças.

Mas ele não sente dor.
Nem eu.

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