11x11 Babel (ou reminiscências da lua sobre a plataforma)

Imagem: skampy

Eu não tenho medo de altura desde sempre.
Nas férias, nós ficávamos de pé sobre o muro do coreto da igreja, observando as ruas e as pessoas. Me lembro de querer escalar a igreja, de querer olhar a cidade pelo ângulo da cruz. A cruz era o olho de Deus.
Quanto mais alto eu subia, mais igual a Deus eu ficava. Agora, isso parece ruim, mas a intenção não era ser Deus: era ver pelos olhos Dele.
Se estávamos livres, íamos prum viaduto e ficávamos sentados por lá durante horas, jogando garrafas, latas e tocos na rua lá embaixo. Raramente conversávamos, as palavras eram desnecessárias.
Quando se está em perfeita harmonia com o paraíso, Deus e tudo o que existe, uma pequena ideia pode levar tudo à ruína.
"Sabe, é fisicamente impossível sair vivo dessa queda".
Uma ideia só, plantada no fundo das nossas cabeças: a ideia de que a nossa paz estava a um passo da morte, de que um movimento em falso poderia matar um de nós.
Não gostei mais de alturas a partir daí. Até o céu me dá vertigem.
Nunca entendi o que ele quis dizer, o que se passava pela cabeça dele. Talvez quisesse nos castigar ou nos expulsar do nosso paraíso. Acredito que queria nos mostrar que não éramos imortais.
Deus e o Diabo se encontram em Gideon e conseguem seus intentos simultaneamente por meio de suas ações ambíguas.
Deus e o Diabo se encontram em sua voz, em proporções desiguais. Quando me disse que tinha vindo pra ficar, não soube a qual dos dois cabia a maior parte.

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