36x08 Akhmet

Imagem: TingTing Huang

Eu me lembro de um sonho.
Eu era.
Eu significava algo pra alguém, portanto, eu era.
Ou não?
Sim.
Eu era poesia pura, minhas pernas foram construídas dentro das canções de amor e das cores dos seus olhos.
Nas minhas costas podia-se ver a tua respiração e meus cabelos cresciam ao som da tua voz.
Eu era uma música que vivia no teu peito, sem ritmo e sem dor, eu era incrível, invencível e bonita, eu já fui bonita e eu sabia como criar mundos e estrelas.
Eu cheirava à grama e lençóis limpos, recém lavados.
No meu corpo, toda a existência consistia na cor marrom e na textura macia da sua boca.
Eu era.

Acordei, com aquele gosto horrível na boca, e me lembrava.
Eu me lembrava.
Virei pó.
Eu não era. Só carne, sangue, ossos, metal e a dor de ter que continuar sabendo de tudo o que eu não era mais.
Como viver sabendo?
Como conviver com a frustração de saber e não poder ser?
Guardei dentro de mim a sensação de ser até que a vida perdesse a graça, vida torpe, morosa.
Morro?
Não, não, eu luto.
Eu me levanto e enfrento a crueza da vida, sendo cruel, eu arranco a beleza dos ligares, roubo significados.
Eu quero significar.
Mas eu não sou.
Minha carne é ácida, meu beijo queima, entristece, entristeço, entristecemos e eu sinto muito, eu sinto tanto, eu só queria significar.
Eu só quero significar.

E eu queria terminar esse texto com uma puta mensagem positiva. Sim, sobre significar, sobre não precisar que alguém te dê significado.
Eu tô sentada aqui no meu quarto bagunçado, finalizando esse texto que comecei há quase um mês (dentro de um redemoinho de dor e frustração) e tentando entender porque é que eu acho que o meu significado tem que partir de alguém.
Se eu sou a mesma pessoa que escreve que detesta ser limitada, ser definida por pessoas que acham que me conhecem, por que é que estou choramingando sobre alguém que me dê significado?

Sim, sinto que estraguei um texto que poderia ter sido tão bonito e poético.
Mas essa nunca foi a minha intenção, caro leitor.
A começar pelo título, que é o nome de um homem nojento e revoltante, incrivelmente cruel: um ser humano podre (e fictício, ainda bem).
Esse não é um texto sobre amor, sobre querer ser amada.
É sobre a crueldade dos momentos bons. E sobre a bênção do esquecimento.

Como é que eu posso viver sabendo que já significo algo pra alguém, e que esse significado vai se perder com o tempo?

Eu não sei responder a essa pergunta, ainda.
Mas eu sei que está relacionada com meu próprio significado.
Eu tenho um, que não me foi dado por alguém.
Eu só preciso encontrar.

E aí,
eu respondo.
Se você quiser saber.

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