41x15 Happier trails

Imagem: TingTing Huang

Ela chegou pela manhã.
Maria levantou os olhos do livro e observou a recém-chegada, confusa, tropeçar e cair na grama úmida.

Não fechou o livro. Relia "Dom Casmurro" e não sabia ao certo quanto tempo teria para terminá-lo. Guiomar daria conta dela.

Dito e feito, Guiomar se aproximou dela e falou.
Quanto mais falava, mais animada ficava por ouvir a própria voz.

Caminharam, juntas, pela grama, num jardim onde o tempo não passa, não é parte da vida ou da morte, é feito de existência pura.

Ela perguntou sobre os filhos.

Guiomar explicou o que não pode ser explicado. Existe a morte. Existe a vida. E existe uma linha tênue entre as duas, uma corda bamba, e é nela que estamos agora. Estamos à espera.

Mas ela não entendeu.
Ou não queria entender.

Sentou-se no chão, e ficou em silêncio, olhando o nada.

As outras chegaram mais perto, pra olhar a recém-chegada.
Estela, de avental, veio correndo. Eva, parou de plantar mudas de plantas cheirosas e Antônia de conversar com Pedro.
E todas elas vieram ouvir uma história nova, oferecer consolo e cafuné.

Não é todo dia que chega gente nova.
Ainda mais alguém tão jovem.

Mas a moça nova não queria saber de conversar.
Ela só queria ficar em silêncio.
Ainda não tinha entendido
que passaria o resto da vida em silêncio.
Presa em si mesma.
E que precisava existir.

Precisava falar pra existir.

Mas ela não abriu a boca.

Ficou em silêncio a manhã inteira, como quem espera, como quem sabe.

E então, com o sol a pino, ela adormeceu
e nunca mais acordou.

Elas fizeram pra ela uma coroa de flores, e deitaram seu corpo em um lugar ensolarado, pra que o tempo a viesse levar aos poucos.

Maria levantou os olhos do livro, quando a cerimônia acabou e, por um instante, se fez a pergunta que fica a espreita de cada um dos que ali viviam, mas não soube a resposta, então baixou a cabeça e, finalmente, leu seu livro até o fim.

Quando sua hora chegasse, estaria pronta.

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