41x19 Jonas e a baleia

Imagem: TingTing Huang

17 olhos abrem-fecham e ele suspira alto, bagunçando meus cabelos e me enregelando os ossos.
Ele abre os olhos, boceja, e eu entro na boca do monstro.
Estômago quente, úmido.
Eu, presa, me pergunto:

O que houve?
Deus, o que houve?
O que eu fiz?
Por que eu não posso dizer
não?
Mas ninguém me responde.

Muito pelo contrário.
A vida segue, e os moradores do estômago do monstro caminham de um lado a outro, sem rumo definido.
clac clac clac clac

Eu corro com papéis nas mãos, tonta, perdida, toco, falo, vejo, mas não olho, e bato ponto, sigo a fila, respondo à pergunta, digito, carimbo.
E, toda noite, o monstro me cospe fora, só pra me engolir de novo quando chega a manhã.

Engole tudo, suga o ar à minha volta, o ar da sua boca e o gosto de estar viva, do seu beijo e as batidas do seu coração.
Eu entro, forte, bruta, esperneio, mas me conformo, me contenho e caminho, corro, olho, vejo, paro, não respiro, vontade, receio, saudade, vontade, vontade, vontade, vontade, carimbo.

Ele me cospe pra fora, cansada, exausta, bruta, suja, pra que eu possa correr até o lugar em que você  está e eu até corro,
mas eu não sou mais eu.
Eu não sei ser eu.
E se você não me reconhecer?
E se você não me amar?

Todos os dias, o monstro me engole e cospe, me arranca pequenos pedaços e me desfigura.
Todos os dias, eu volto pra você, cada vez menor, cada vez menos eu, cada vez menos
pra bater na sua porta, morrendo de medo do dia em que você

não vai mais abrir.

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