26x13 O Senhor das Moscas

Imagem: TingTing Huang

Um interlúdio. Lembranças antigas. Talvez, as coisas tenham que ser assim.

Dei meu primeiro soco aos 9, enquanto Felipe tomava seu centésimo porre aos 13.
Mijei em telhados, 2 socos fortes no estômago, que me fizeram sentir mais dor do que achei que seria possível. Intensidade máxima, de forma que nada nunca mais se aproximou daquilo, do misto de dor e humilhação, do gosto de terra e lágrimas.
Puxões de cabelo, tarja preta.
Eu desenhava números por todo o corpo, marcas da besta que eu era, pra afastar as pessoas, pra conter o corpo, pra conter o espírito ruim, pra deixar de fora todo o resto: pra proteger o mundo de mim.
Balé, a dor de ficar de pé durante horas tentando acertar uma posição que ainda nem sei qual é. A dor de saber que nunca seria boa.
Inga cortava os pulsos, cortes finos, pouco sangue, enquanto eu e Ulrika pintávamos o rosto uma da outra. Pintura de guerra, pra sair e matar os demônios que o mundo criou, que nossos pais criaram.
Alguém sem rosto me cortava as costas com uma corda fina, pequenos cortes de pele, nunca nos pulsos. Eu achava que era melhor do que isso, como se alguém pudesse ser melhor do que isso.
Rainha Sofia fumava cigarros fedidos e Marcela alucinava com álcool, fumaça e Smiths.
Me lembro do cheiro do vômito, do gosto de vinho na boca de alguém, das danças bizarras de Alex, nada engraçadas, pelo menos pra mim.
Gosto de sangue, da minha boca eternamente a sangrar, mãos cortadas, meu pés de não bailarina  chutando o ar, fúria incontida e infinita rasgando o tempo em gritos que eu nunca dei, ódio demais junto, virando fumaça tóxica enquanto eu brincava de ser livre e de ser única, a favorita,
No fim da noite, todos cansados, loucos, sujos, sangue no chão pra alguém limpar.
E você limpo, calmo, quieto, são, me pegava pela mão como se eu não fosse suja, como se meu sangue não fosse sujo e eu não fosse um monstro.
E, naqueles momentos, eu tinha essa certeza - essa mesma que se esconde aqui, sob minhas ideias de autonomia - de que eu faria qualquer coisa por você.
E eu fiz.
Sangue, vísceras, defendi sua honra com meus punhos, meus ossos de metal, hematomas nas pernas.
Eu quebrei estruturas frágeis, derramei sangue e orgulho.
E eu só tinha 16.

E agora eu tenho 22 e não consigo mais lutar. Por nada.
Nem por mim, nem por ninguém.
Detesto balé, cigarros, não mijo em telhados. Cansei de pílulas, de cortes.
Cansei de ser o seu monstro.

Mas não posso fazer nada sobre isso.
Eu sou como sou, como decidi ser aos 16, naquele momento em que me perguntaram se eu queria sangrar por vontade ou porque fui mandada.
Uma vez que se decide receber ordens,
nunca mais se deixa de ser um soldado.

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