27x02 Gasolina

Imagem: TingTing Huang

Fui pra casa, casa de nós dois, penumbra, telefones tocando, livros, tantas palavras e vozes, o ar denso e pesado, uma réplica de tudo e de nada.
Sinto dor. O tempo todo, uma dor que as características semiológicas não abarcam, em peso, pontada, queimação. Irradiada, referida.
Uma dor chata que não some, não vai embora com painkillers, álcool, drogas drogas drogas. Nem com seriados, livros, ou quando me divirto.
Deito na cama, na sua cama de agosto ou na sua cama de quando nos encontramos nas férias. Na minha cama depois do baile de inverno, em um colchão no chão. E olho pra mancha no seu teto, pras sombras que suas cortinas fazem.
Eu não quero ter paciência. Eu não quero esperar até que você me magoe mais. E eu não quero me habituar a essa dor.
Jogo gasolina em tudo.
Cuckoo's calling,
Edições diferentes de Harry Potter,
Mike,
Júlio Verne,
Sandman,
John Green,
Big bang,
a mesinha de madeira,
o tapete,
o sofá marrom,
Neil Gaiman,
Saramago,
Darth Vader,
Tardis,

encharco tudo, sem pensar,

tênis vermelhos,
lápis,
fios,
a TV,
mesa e cadeiras,
o banheiro,
sabonete líquido de morango,
camisetas,
cortinas,
calças pretas,
gato e galinha,
Marilyn e JFK,
Daniel Handler,
Moira Young,
Rick Riordan,
Audrey Niffenegger,
Chbosky,

tudo fica molhado, eu estou molhada e pretendo ficar mais.
O cheiro já não me incomoda, minha pele queima e eu nem acendi o fósforo.
A gasolina me devora a carne, mas eu mal sinto, eu não sinto.
Penso em acender o fósforo, jogá-lo em qualquer canto e sentir o fogo chegar até mim antes que eu pisque.
Até abro a caixa, pego o fósforo, mas desisto, guardo.
Quero que você o faça.
Tiro os sapatos no lugar de sempre, sento no sofá, no canto esquerdo, e fico te esperando chegar.
Eu não vou estragar tudo, dessa vez. Você vai.
Espero. Uma hora dessas você chega, cansado ou não, e explode a coisa toda.

Não vou precisar esperar muito.

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