30x08 Gênesis, parte 1

Imagem: TingTing Huang

O mundo começou nos cabelos da Bessie.
Tranças longas, escuras, e a voz dela me enlaçou como se eu fosse um bebê, uma criança assustada, fugindo do mundo, da dor, de você.

Ela me abraçou forte, e me comunicou que eu chegaria viva no final dessa estação também. Ela disse que eu iria sobreviver à tempestade.
Feito mágica, eu soube, eu soube,
que eu iria conseguir.

Então ela desapareceu, e eu tive medo, medo de voltar, medo de só conseguir ser forte ali.

Halsey.
Entrou no palco, dona de si e do mundo e me gritou bem alto que não é errado ser como sou, levante-se, levante-se e seja o que você tiver que ser.
Ela gritou, e eu gritei de volta, até ter certeza de que era verdade.
De que não era errado ser assim.

Aí fui embora, encarar meus medos, todo aquele amor que eu senti um dia, toda essa dor, todas as mentiras contadas antes de dormir.

Fiquei de pé, esperando o Mumford, coração saindo pela boca, rezando pra conseguir sobreviver à Babel, pra que não doesse, sentindo os joelhos tremerem, a vontade de ficar de joelhos.
E aí eles entram,
e eu ouço os acordes da nossa música
E espero a dor jorrar.
Mas ela não vem.
É só uma música. É só mais amor perdido, transformado em qualquer coisa.
E eu fui ganhando força, minha voz gritando mais alto do que qualquer outra, eu quis gritar pra que você ouvisse, pra que você ouvisse a força da minha voz, da última vez que eu canto pra você, pra nós, minha voz se transformando em garoa e vento, em amor, em fé.
E quando chegou naquele pedaço, naquele nosso pedaço, escrito na sua letra há milhões de eras, fechado no fundo da minha estante de livros por um laço preto, com um nó quase cego,
eu gritei.
Eu gritei
Eu gritei
E não foi pra você.
Bem na metade, eu percebi
Que eu estava gritando, que eu estava gritando tão alto como nunca gritei antes
Porque você não cumpriu essa promessa.
Você não fez o que disse que ia fazer.
E não é culpa sua.
Mas eu vou fazer.
Por mim ou por alguém, um dia.
Eu vou fazer o que você não conseguiu.
Eu vou derrubar paredes, e eu não vou desistir, não vou me cansar.
Então eu gritei.
I'll play my bloody part,
to tear, tear them down.
E eu não menti. Como sei que você não mentiu.
Mas é preciso mais que vontade, mais que amor.
Agora eu sei disso.

Saímos, multidão e calor.
Marina.
Quando ela finalmente surgiu, vestida de rosa, eu soube que eu nunca mais seria a mesma.
Porque eu queria ser daquele jeito.
Eu queria ser a Marina quando eu crescesse.
Eu queria usar o cabelo que eu quisesse, a roupa que eu quisesse, queria falar sobre o que eu quisesse.
Eu queria ser forte, e brilhante, e rosa, e me mover feito uma bailarina desajeitada.
Eu queria ser quem eu quisesse ser.
E quando ela cantou as músicas, as minhas músicas de ir ver o Otto, todos os dias, de ir embora pensando em nós dois. Quando ela cantou a própria evolução, eu senti que era hora de evoluir também.
De ser quem eu quiser ser.
De me vestir como eu quiser.
De agir como eu achar que devo e aceitar as consequências.
De não parar mais.

Fui embora com o coração batendo forte, alto, sem saber o que dizer, sem saber como explicar a insanidade, a certeza, a sensação de outra forma que não fosse cantarolando bem baixinho a letra que tinha ouvido pela primeira vez

I don't wanna feel blue,

anymore.

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