30x11 Tompkins Square Park

Imagem: TingTing Huang

(Hoje foi horrível.
O que é que acontece com esses dias, onde estão as pessoas que nos avisam pra não sair de casa?
Gente pra me impedir de falar em público, de me desculpar por ler no papel, de me impedir de passar tanta vergonha que dá pena, que as pessoas têm que desviar o rosto.
Pra me impedir de qualquer coisa que não seja ficar em casa.)

Acordei, noite alta, frio invadindo o apartamento. Gosto ruim na boca, de quem apagou sem escovar os dentes.
Sonhei com você.
Levantei do sofá, fui pra janela do quarto, fumei um cigarro.
Sonhar não dói, eu acho.
Não é real.
Não é algo que eu possa controlar.
Ou é?

É a terceira noite seguida.
Noite alta, mal dormida. Em que eu acordo assim, depois de sonhar com você.
E durmo, pra sonhar de novo.

Não dói.

Eu me levanto da cama de manhã.
E não dói.
Eu me visto, eu procuro roupas no guarda roupa, eu tento ser quem quero ser, eu penteio o cabelo, eu uso maquiagem, eu me ponho normal, me ponho aceitável.
E não dói.
Eu saio de casa.
E não dói.
Pego o carro, ouço música, eu escrevo, eu assisto aula, eu passo vergonha.
E até dói, mas não daquele jeito.
Eu sinto vontade de colo. Uma vontade incontrolável de ir chorar minhas mágoas. Engulo o choro, finjo que esqueço.
E até dói, mas ok.
A gente se fala.
E não dói.
A gente se olha.
E não dói.
A gente se estressa.
E não dói.
A gente vai embora.
E não dói.


Mas alguma coisa dói.
Alguma coisa dói.
E eu não sei o quê, eu não sei explicar.
Eu não sei dar nome, eu não entendo, eu não

Mil mensagens no celular, de gente que não sabe se morri, se tô viva, se meio a meio, se sim ou não, eu dizendo "Tô aqui, tô viva, celular descarregou, desculpe"

E eu me dou conta de que, pra você, nem faz diferença.


E até dói, mas


DÓI.


E eu escrevo sem medo, eu escrevo sem vergonha, eu escrevo com os culhões que eu já tinha antes mesmo da Florence me dar novos.
Com a estupidez de quem sabe
que você nem lê,
que você nem sabe quem eu sou,
qual é a textura do meu cabelo,
ou que marca de cigarros eu fumo.
Nem quanta bebida meu corpo aguenta,
ou quem segura meus cabelos enquanto vomito.
Se ainda sei ler,
ou se ainda sei me importar.
Escrevo e foda-se quem lê e quem deixa de ler, porque isso é o que sobrou, é o que eu tenho
é onde eu tenho,
e você não entende porra nenhuma, nunca entendeu e agora nunca vai,
e nem dá a mínima,
enquanto eu perco meu tempo precioso de ócio puro, de sono e de sonhos estúpidos,
tentando me fazer entender o que todo mundo já entendeu faz tempo

que você nem liga,
e até dói, mas tudo bem


"no flame burns forever"

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