33x09 The Hangover, parte 1

Imagem: TingTing Huang

Tô tentando achar um jeito de escrever sobre ontem/hoje.
Tô tentando achar as palavras.
Não acho.
Encontro cores, imagens, sensações.
O gosto do álcool na minha língua, amargo, rude.

E me sentir segura no lugar mais teoricamente inseguro.

Bom, do início, pra variar.
Muitas noites em uma só.

16: 00 Sentei no sofá e escrevi. Escrevi, como não escrevia há muito tempo, com vontade, fé nas palavras que surgiam, como se Oliver estivesse me sussurrando as palavras certas. Ele foi tomando corpo, tomando forma, virando gente, andando pelas ruas de Brasília, com passadas incertas, em tardes quentes e brilhantes demais, irreais demais.

18:00 Mensagem no celular, me levanto e tomo banho, gelatinas prontas na geladeira, quero me parecer com uma princesa. Mas nem tanto assim. Eu só quero ser quem eu quiser, e quando quiser.
Visto minhas roupas, mas nada fica bom, nada nunca fica bom. Eu não me sinto feia, só me sinto estranha. É setembro, e eu não quero mais ninguém. Eu quero me achar bonita e me encontrar por aí, na minha escrita e nas minhas ações, quero fazer o que acho certo. E parece certo, soa certo ir hoje à noite. Não espero nada.
Só quero me sentir bem.

20:00 Elspeth. Milhões de coisas passam em minha cabeça, mas tudo me parece tão familiar.
Eu não me sinto mais doente.
E eu sei disso, eu percebo isso nas cores do suéter de Elspeth, o azul vivo, o branco brilhante, e pela maneira como nossa familiaridade não me assusta, me agrada e me deixa tranquila ao invés de acuada.
Observo pelas frestinhas das outras vidas que as pessoas têm e me agrada por demasiado a familiaridade das conexões que existem por aí, amor puro e simples. A noite é escura e quente e, quando me sento no banco de trás das pessoas mais teimosas do universo, eu me sinto inexplicavelmente abençoada pela oportunidade de estar ali.
Casa do homem-abacaxi, melhor amigo/pessoa que menos conheço no mundo inteiro, tudo parece inexplicavelmente comum. Nossa viagem até uma festa de aniversário sem aniversariante, as pessoas na cozinha, o gosto de guaraná e cerveja, vodka e cereja, os milhares de tons de verde na roupa da garota em quem estou acostumada a pensar como a melhor e mais bonita do mundo - palavras do aniversariante/melhor amigo.
(Sei que é confuso, mas é como se esses detalhes pequeninos constituíssem os pontos-chave de todas as lembranças)
88 descendo na garganta, queimando tudo por dentro, as cartas bonitas de um jogo chamado Coup, a sensação de blefar e de não blefar, e de não estar nervosa. Geralmente, não gosto de jogos. Fico excitada demais, nervosa demais e parece que meu coração vai explodir.
Não dessa vez.
Foi divertido.
Meus amigos gritavam, eu gritava, gritávamos e misturávamos nossos gritos sem nexo ao burburinho das conversas paralelas sobre assuntos que desconheço. Meu amigo dançava no chão, e o mundo parecia no lugar certo.
A comida parecia perfeita, a simplicidade da coisa era fascinante, a areia dentro da ampulheta parecia correr mais lenta e até a chatice ébria das pessoas parecia mais suportável.

2:00 Enxaguei a louça e fiquei feliz, inexplicavelmente feliz por estar fazendo algo tão banal. Parecia adequado. Jogamos as coisas no lixo e eu voltei a ser eu, o álcool escoando aos poucos, evaporando e me tornando mais focada.
Hora de ir embora, mas eu não queria realmente ir, queria?
Sim, queria. Queria minha cama bagunçada, lavar a louça suja na pia, minha roupa, estudar histologia e cumprir com minhas obrigações.
Eu queria ir pra casa.
Eu tinha que ir pra casa.
Eu deveria ir pra casa.

Não fui.
Ainda bem.

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