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Imagem: TingTing Huang

Disse em voz alta a nossa senha secreta e esperei.
Mas você não veio, você nunca veio.

Estava com as malas prontas, paguei as contas, arrumei a casa e deixei bilhetes.

Acendi um cigarro, porque é o que eu faço quando não sei o que fazer. Eu nem fumo.

Eu estava sempre com medo.
Mil armas apontadas pra minha cabeça e eu  só conseguia pensar no que ia acontecer depois daquele agora.

Eu pedi sua ajuda, mais alto, mais alto, mais alto, mas você nunca veio, estava tarde, eu estava com frio, com medo do que acontecia no escuro.

Ouvi um ruído e os pelos da minha nuca se eriçaram.
Olhei na direção da noite escura e eu soube
ele estava lá, me esperando, me chamando, me cantando pra ele.

Eu não queria mais fazer aquilo.
Eu precisava que você viesse me salvar.
Mas você nunca veio.

Alguma coisa brilhou no escuro e ele me chamou, numa voz rouca, cantou meu nome, meu nome, e eu tentei resistir à vontade de correr até lá e me jogar na escuridão.

Gritei nosso código, repetidas vezes, na esperança de que você finalmente ouvisse, mas você nunca o fez.

Ninguém nunca veio, eu era de novo uma criança sentada de castigo no escuro, 1 2 3 4, esperando que alguém viesse me pegar no colo e me levar embora. Mas ninguém nunca veio.

Eu gritei até perder a voz, até aceitar que você nunca viria,
que ninguém viria.
Até aceitar que eu seria meu próprio herói.

Ele me chamou, do escuro, quente, vivo.
Eu já era adulta, então, adulta em um corpo de criança,
pronta pra matar ou morrer, sozinha no escuro.

Eu podia viver fugindo,
eu podia me render, de novo e de novo, deixar que ele me machucasse até não sobrar um pedaço intacto, até não sentir mais dor.
Eu podia deixar.
Eu podia continuar te chamando.
Então cortei minha língua, tirei minhas roupas e me joguei no escuro, que me acolheu como uma filha pródiga.

Eu me lembro de encontrá-lo na escuridão
ele emanava calor, medo, dor, confusão
e arranhava meu rosto,
partia meus ossos,
fazia meu sangue frio jorrar,

Eu me lembro do cheiro da madeira, da textura da escuridão, da maneira como ele chamou meu nome enquanto eu o rasgava em pedaços, com os dentes, com as unhas,
enquanto o acertava com pedras
enquanto cortava seu rosto.
Eu me lembro de tudo.

De cada palavra,
cada grito,
do exato momento em que você,
desesperado,
repetiu as palavras que eu passara séculos pronunciando,
nosso código secreto.

Era você.

Você estivera ali o tempo todo,
me chamando,
tentando me salvar.

Apalpei seu rosto úmido de sangue,
enquanto você repetia nosso código, feito uma prece.

Toquei seus cabelos, testa, olhos, nariz, boca, queixo, pescoço.
Você me chamava.
Você precisava de mim e eu estava ali por você.

Segurei sua cabeça, firmei seu corpo com com meu próprio peso e quebrei o seu pescoço,
com um movimento seco,
breve.


Não preciso mais de heróis.

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