39x07 Cavorting

Imagem: TingTing Huang

Eu precisava sair, sair de casa e respirar.

Saí pra dançar, mas não era o bastante, eu estava faminta. Precisava sair pra caçar.
Pintei meu rosto, meus olhos, eu me camuflei pra parecer mais gente, mais
humana.

Apanhei minhas armas e corri, minhas botas fazendo barulho ao entrar em contato com o concreto, enquanto eu rezava pra ela que me trouxesse algo bom pra comer.
Algo doce.

Mas ela me abandonou,
muitos éons atrás,
ela me abandonou à deriva no meio de um lago gelado, enquanto eu pedia só um pouquinho de paciência,
um pouco mais de resiliência.
(Tem gente que vive tanto tempo com a dor, por que eu não podia? Por que eu não podia ser uma dessas pessoas?)

Mesmo sabendo disso,
eu escolhi rezar,
me ajoelhar nua sob a lua crescente e renovar meus votos,
me despir e correr,
farejando o ar, apurando os ouvidos pra escutar o coração das feras que vivem escondidas no escuro.

Encontrei você,
farejei o ar ao seu redor,
e esperei,
ouvindo o seu coração bater devagar.
Eu salivava, faminta, e minha boca seca atrapalhava minha fala,
a fome quase atrapalhava minha concentração,
mas eu esperei.

Sutil, eu fiquei encoberta pela folhagem, controlando meus batimentos,
olhando nos olhos dos outros caçadores como quem diz "aqui não",
esperei em silêncio.

Eu fui me intoxicando com os odores do sangue e das ervas mágicas, ninfas
e com o gosto do vento que a sua boca soprava na minha direção.
o sonho dos gatos acordou dentro de mim e se espreguiçou, sacudindo e arrepiando todo o meu corpo molhado, gelado,
morto
eu olhei nos seus olhos e você olhou de volta
Era isso então, Mulher?
Eu coloquei meus dedos nas têmporas dele, senti o pulsar,
eu estava faminta,
mas será que estava?

Ou será que é o que você quer que eu pense?
Que eu preciso disso,
sair pela cidade, nua, descalça,
voltar com os pés em carne viva,
sem saber como andar até o banheiro,
sem saber quem sou,
ou de quem é todo esse sangue

"Não", eu disse, soprando a fumaça pra longe da água.

Peguei minhas roupas e fui pra casa, tonta
ferida, suja,
sob o primeiro sol que surge atrás da ponte.

Deitei no colchão, na sala, nua,
porque não conseguia andar mais do que alguns passos pra trocar de roupa,
não conseguia me arrastar até o banheiro

Sonhei com ele, coisa que não acontecia há meses,
e tive medo.
Tive muito medo do que isso pode significar.
Sonhei com ele porque você quer me punir por não ter me alimentado,
por não ter sacrificado ninguém no seu altar, quando você me ofereceu tudo o que eu precisava.

Eu tô vendo agora que você tentou,
mas não da maneira como eu tentaria,
porque eu não quero machucar ninguém.

Eu só tô com fome,
mas dá pra aguentar,
dá pra esperar

até não dar mais.

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