39x09 A moça

Imagem: TingTing Huang

- Mas e se eu te amar? E se eu quiser continuar, e se eu quiser nunca dizer adeus?

Sinto aquela coisa ruim, aquela aflição doida, mas Otto segura a minha mão e eu não digo nada quando você se levanta e sai do café, colocando as mãos sobre a cabeça pra se proteger da chuva torrencial.

Espero você voltar correndo pro calor do café, pro gosto amargo, o cheiro de gordura e fumaça de cigarro. Mas você não volta e eu olho para Otto, que sacode a cabeça devagar.

Não, não não, não não não não, eu não sei o que fazer, eu não sei o que acontece agora, eu preciso sair daqui. Ele tenta me acalmar, mas eu não quero dormir, eu quero ficar acordada, eu quero amar de novo, eu quero amar agora, eu quero nunca mais fechar meus olhos, eu quero

Ele me segura e eu arranho seu rosto, eu tento morder seus braços e me desvencilhar do seu abraço firme, eu quero entender o que tá acontecendo comigo, mas eu não consigo parar de gritar, de espernear e de lutar

Alguém tenta ajudar, talvez Jack ou Berenice, mas eu não consigo me controlar, eu esperneio, eu dou uma cabeçada em alguém, alguém arranha meus braços, puxa meu cabelo, tenta me derrubar e eu tropeço e fico de quatro, engatinhando desesperadamente, e chutando pessoas às cegas, ouvindo ais e uis, sem nunca parar, enquanto me puxam as pernas e tentam rasgar minhas roupas.

Eu tento me levantar, mas alguém se joga em cima de mim, agarra minha cintura, arranha meu rosto inteiro e eu golpeio o ar sem conseguir enxergar, eu me sacudo inteira, até perceber que é com McCandless que estou lidando. Agarro os cabelos dele e puxo, puxo, até arrancar parte dos fios, e ele uiva, xinga e me larga, pra que eu possa continuar me arrastando.

Eu me arrasto até a porta e me levanto, ofegante, vitoriosa. Quase lá, eu agarro a maçaneta, abro a porta e quase meto a cabeça no rosto desse cara que acabou de chegar.
Acontece, a gente se olha nos olhos e eu não sinto absolutamente nada.
Ele olha meu cabelo bagunçado, minhas roupas rasgadas, rosto arranhado e emite um som curto e baixo de desaprovação.

- Com licença, ele diz, preparando-se para entrar.
Mas eu não saio da frente.
- Já estamos fechando, digo.
- Ah. Que pena.
Ele dá meia volta, indo na direção da chuva e vai se afastando devagar.

- Ei. - grito, e ele se volta pra olhar - Eu conheço um lugar. Fica perto daqui.
Ele me olha, intrigado, como se estivesse se certificando de que foi com ele que falei e, depois do que parece uma eternidade, acena com a cabeça.

Eu não sei o que isso quer dizer, só sei que é assim que acontece.
Deseje-me sorte.
Acho que vou precisar.

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