34x08 Trust Issues

Imagem: TingTing Huang

Vomito e apago, num banheiro escuro no centro do mundo.
Nasci sozinha, hei de morrer sozinha,

meu corpo gruda, o cérebro não funciona, eu não sinto, porque não consigo traduzir o cheiro, o desejo, o medo, o gosto

Sou puro instinto, vomito e durmo, apago num borrão de sensações indistinguíveis.
Acordo na noite escura, animal assustado, ferido, anestesiado e grito, uivo alto, tenho medo.

Saio na chuva, buscando as luzes, mas não sei pra onde ir. Esqueci onde estou, esqueci quem sou.
Eu simplesmente existo.
Sem razão aparente,
simplesmente existo em meio ao caos.
O céu desaba enquanto choro feito bebê, sem motivo, a dor de existir sem rumo.

Alguém me encontra e me diz meu nome, não o reconheço e, ao mesmo tempo, sou eu.

Um nome, uma sina, olho minhas mãos cheias de linhas fundas, eu existo.

Ele me pergunta se alguém fez algo comigo.
E eu sei o que ele quer saber, eu sei, lá no fundo, mas eu quero dizer que sim, fizeram muitas coisas
Existem muitas coisas ruins que se pode fazer com alguém, e nem sempre envolvem sexo.

Chorei, ou a chuva no meu rosto chorou, minha boca não conseguia expressar toda a dor e o medo. Eu tremia, de frio ou de pavor.

"Tá tudo bem, confia em mim"

Id solto, bêbada na chuva, morrendo de frio, de medo, de qualquer coisa que não sei explicar bem,
dei dois passos pra trás,
eu não confio.

Cega, incapaz de fugir, de lutar, eu não conseguia aceitar ajuda.
Eu não confio.
Chorei de novo, uma luta interna pra dizer "ok, eu acredito"
Ok, eu confio

Não deu.
Eu não confio.
Eu não confio, algo grita nos meus ouvidos, o som de milhares de gritos me ensurdecendo, eu não confio, não confiamos, não confiamos, não confiamos, não confiamos

Dormi: sono sem sonhos, gosto ruim na boca.
E acordei longe do escuro,
com essa sensação ambivalente de estar protegida por um milhão de armaduras.

Me sinto segura e, ao mesmo tempo,
certa de que
nunca
vou deixar alguém entrar.

0 comentários: