37x10 Heartbreak Hotel

Imagem: TingTing Huang

Chuva torrencial lá fora, abro a porta, fazendo tocar o sininho
Que dia horrível

Eu me arrasto até o fundo do restaurante, pra tomar um café amargo feito a vida, enquanto leio notícias horríveis no jornal.

Sento no balcão e sujo minha roupa de café velho, derramado mais cedo por alguma outra pobre alma.
A garçonete se aproxima, obviamente num dia terrível, e é extremamente rude comigo porque demoro a decidir entre o de sempre e qualquer outra coisa.
Suspira, nervosa, quando escolho o de sempre, após ler o cardápio inteiro 8 vezes.

- Nos encontramos de novo. - diz um homem, cabeça raspada, todo molhado. Agasalho preto, jeans e all stars marrons. Ele sorri pra mim e se senta no balcão, ao meu lado, pede um café sem açúcar e segura o copo com as mãos brancas e molhadas de chuva.
- Café sem açúcar. Nojento. Prefiro a morte. - resmunga um outro cara, que se senta numa das mesas pra ler um livro enorme. Ele pede panquecas, ovos e bacon e eu até avisaria a ele que são mais nojentas ainda, que o bacon é gorduroso e estranho, as panquecas tem gosto de farinha e os ovos sempre vêm meio crus, mas
não digo nada.

Um conhecido me cumprimenta, mas não para pra conversar sobre a morte, ele simplesmente compra cigarros e fuma lá dentro mesmo, me deixando com dor de cabeça.
Um homem irritado se levanta pra ir embora, mas ele não vai. Apenas fica e resmunga, sozinho.

Eu bebo meu café até o final, enojada, enquanto observo um cara do outro lado do balcão, olhando pro nada, ignorando o fato de que estamos aqui, que está chovendo, que o café é terrível, que essa fumaça vai nos deixar doentes, que a vida é horrível.
Uma garota bebe chá amargo, enquanto lê "Lolita".
Algum cara grita do banheiro se alguém viu sua camiseta por aí e todos o ignoram.
Tamborilo os dedos pela mesa, tentando me lembrar
como vim parar aqui. De novo.

Aponto para Otto, que cantarola, baixinho, "Piledriver Waltz"
- Foi você? Eu estou aqui por sua causa?
- Não. Não estamos nos falando, lembra?
- Aaah, sim. Bom, então... ele?
Aponto pro cara sentado na mesa, que resmunga pra caralho quando descobre que as panquecas são horríveis, mas não reclama. Ninguém aqui reclama de nada.
- Não. E, cá entre nós, sério? Quero dizer, sério???
Eu daria risada, se não fosse tão trágico. Ao invés disso, esquadrinho o salão atrás de alguém que possa me explicar exatamente como vim parar aqui.

Olho pra fora, o dia cinza perde as formas e a chuva transforma todas as pessoas que passam pelas ruas em borrões de tinta.
Lá fora, um homem bate no vidro, sem saber como entrar.
Eu me levanto pra ajudar, mas Otto segura meu cotovelo
- Não. Não deixe que ele entre.
- Está chovendo lá fora!
- Está melhor do que aqui dentro, acredite em mim. Não abra a porta.
E eu me sento de volta e fico olhando, olhando, olhando
esperando que ele se dissolva de alguma forma, vá pra casa
"vá pra casa", eu sussurro, como um feitiço,
mas ele não vai.

- Vai ficar aí o dia inteiro ou vai pedir mais alguma coisa? - pergunta a garçonete
- Estou satisfeita, obrigada. Só esperando a chuva passar.
Ela pisca, lentamente, e volta a limpar as mesas e ouvir os resmungos.
E eu fico, sentada, ouvindo o ruído das pessoas, das páginas, da caneta no papel desse cara que está tentando escrever algo legal, e esperando que você pare de bater e vá embora.
Mas você não vai embora.
"vá pra casa"

- Ele pode até ir, sabe? Mas ele vai voltar. - diz Otto, atrás de mim.
- Por que? Por que ele faria isso? Esse lugar é horrível
E então ele sorri, do jeito dele de quem quase nunca sorri, e meu estômago dá uns pulinhos.
- Bom, você sempre volta, certo?

É, eu sempre volto.

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