1x21 Abbey Road


Dia do vestibular.
Ouço o som das folhas cortando o ar enquanto eu aguardo, suando remédio por cada poro, fedendo a uma mistura de perfume doce e tylenol.
Observo os quadriculados no quadro negro. Meu rosto arde. Deus! Eu poderia estar fazendo a prova! Poderia estar fazendo cada um dessas questões e, quem sabe, acertar metade delas. Mas, Deus, eu não estou pronta!
Quero que se orgulhem de mim mas, acredite, não estou pronta para crescer. A vida adulta é, imagino, como a vida em Theresiestadt, falsas férias.
Não estou pronta e, desconfio, não vou estar pronta no ano que vem.
Eu preciso amadurecer, sei, mas ngm pode me forçar a isso.
Talvez eu queira acreditar em contos de fadas a vida toda, o que se pode fazer?
[recomendo q pare de ler]

Príncipe encantado a espera. Resta a nós, reles peças da vontade de um GL-Dose chamado Deus ou Destino (dos perpétuos ou não), sentar e esperar.
Mas, porra, me deixe lutar como uma tonta contra meu destino, faça parecer obra do acaso. E peça ao príncipe para me encontrar em Serendipity e eu fingirei que não passa de um encontro casual, embora meus cabelos tenham sido arrumados para uma ocasião especial.
Peça-lhe que me traga flores, rosas amarelas ou brancas, e que vista uma camiseta azul, pq ele fica bem de azul, os cabelos condenados a um corte reto, que, de certa forma, me faz querer enfiar os dedos lentamente pelos cantos, enquanto eu sussurro algo, talvez poesia (Baudelaire, Keats, Florbela Espanca, Vinícius de Moraes, Fernando Pessoa, etc, etc.) numa respiração ofegante - muito embora a derradeira hora ainda não tenha chegado...-. E ele ouve em silêncio, de olho fechados, um leve sorriso nos lábios pequenos (lá bios pequenos que amo, alvos de tantas críticas) pois minha respiração lhe faz cócegas - sou uma cabeça mais baixa que ele -.
Mas é claro que isso não aconteceria de pronto porque eu renego o destino, eu o repudio. Ele, que causa paixões a primeira vista. Me curvo ao acaso e me disponho a apenas olhar, imaginar, fantasiar sem jamais ceder a esperanças vãs.

E fujo até mesmo a mim, com essa mentira deslavada.

1x20 Twilight reflections


O lugar cheira a mofo e bebida barata. Eventualmente, a fumaça. As paredes riscadas, marcas do desespero pra manter certas lembranças. Asteriscos e mais asteriscos coloridos me mostram que existem muitas coisas por fazer. No chão, folhas soltas de caderno, uns poucos livros nas estantes.

No centro do quarto, como em qualquer outro desses lugares, Freud insistia, a cama. E eu a observo, sem vê-la realmente. Penso em quantas pessoas já estiveram nela comigo.

O silêncio é ensurdecedor, parece que estou em um lugar sagrado, nada se move, nada respira. Nem o som de minha própria respiração é ouvido.

Olho para o relógio e não consigo ver as horas - novidade ¬¬ -, os ponteiros se movem tão rápido que eu fico um pouco tonta.

Em um baú, livros e mais livros de todas as matérias que nunca aprendi devidamente com todas as notas que fiz mas nunca procurei reler.

Remexo nas estantes, queria rasgar tudo o que contêm, mas me arrependeria amargamente, como já me arrependi antes.

Olho para a porta, gostaria que meu carcereiro me libertasse logo, já fiquei tempo o suficiente por aqui. Mas não ouço nenhum ruído.


Olho para os fólios guardados em pastas na estante. "Será que devo...", penso. "Devo".

Leio as folhas, procurando evitar aquelas que vão me trazer sofrimento desnecessário.

Redescubro quem fui, a garota egoísta que fui, a garota altruísta que fui, me descubro nova, não sou a grande vadia que penso mas não sou a madre teresa que pensam. Sou o Papa. brincadeira, acho.

No final, um envelope. Fotos.

E sinto um frio na barriga ao lembrar, não de quem fui, mas de quem foram. Quem me fez chegar até aqui. Os abraços no dia do aniversário, os olhares sérios, as frases cômicas. Frio, frio, frio. E descubro uma sensação que me parece nova: Saudade. Mas dessa vez, sem remorso, sem querer voltar, apenas feliz por ter vivido o que vivi.

E dessa vez não me importa quem eu fui, mas quem esteve comigo enquanto eu fui.

Me levanto correndo e vou até a parte mais alta da estante, me encontrar. Encontro um livro antigo, que conta a história mais antiga de uma das garotas mais corajosas que jamais vou conhecer. E me vejo lá, como me vejo em qualquer outro lugar.

O carcereiro bate a porta, minha hora chegou.

E, fora das paredes do quarto da memória, pego um copo de água e tomo a pílula que me é destinada, abandonando por outras longas 20 horas as lembranças que o quarto encerra.