Imagem: turtlemoon
E o 16?
Saio de casa tarde, faço figa: Quero vê-lo, pra me dar sorte na prova.
Corro, derrapo, tropeço, continuo correndo: lá vem ele.
Todos em suas posições, ele olha pra mim - e não me vê, é claro -, eu olho pra ele, eu desvio o olhar, leio a capa de um livro - mas continuo vendo só ele.
O coração dói na goela, devaneio sobre pasta de dente, sou bonita, B-O-N-I-T-A. Dia cinza, sem óculos de sol, sem chuva, minha música favorita no repeat, mexo os pés.
"Oi sua menina, mas que bonita a sua roupa, muitcho louca. Eu também sou bonita (:", minha felicidade infantil me acalenta, é sexta-feira, eu não dormi nada, mil coisas já deram errado, mas tem Otto. E Otto vale dez mil coisas certas.
Danço com os pés e os dedos. Vem chegando um ônibus, faço figa: nem meu, nem dele.
(não é que funciona?)
Peço com força, figa dupla, quero muito tempo com ele hoje.
Ficamos assim, ele de um lado, eu de outro, assim só, e eu gosto disso.
Passam 2, 5, 10 minutos, eu não vou chegar a tempo, mas ele também não.
Passa tempo demais. Eu tinha me esquecido de que Ginger também tem horários a cumprir. Ela chega BONITA, e eu bonita, bonita, bonitinha... Fala com ele. eu ouço, mas não vejo, sinto um nó no estômago.
"Vai embora, vai embora, eu já te vi demais", mas eles conversam. (a voz dele parece sempre sorrir, uma dessas vozes que vem com pausa pra sorriso depois das vírgulas).
Me afasto, assim, miudinha, como se tivessem me encolhido. 1, 2, 3 passos pra trás, longe da voz de Ginger.
Mas a figa dupla já foi feita, meu ônibus chega, gente saindo pelo ladrão. Ouço a voz dele dizer "Vamos nesse?".
"Não, não vem comigo!", isso eu pensei como se morresse, porque não o queria próximo, o queria longe, inatingível: mais platônico que tudo.
Subi às pressas, não sei como me enfiei no meio de tanta gente, talvez estivesse mesmo miúda. Fui pro fundo, ele ficou na frente.
Vagou um lugar e eu me sentei assim, de modo que as costas dele ficassem na minha frente. Desliguei os fones, fiquei fingindo ouvir música, mas a música era a voz de sorriso dele. Não me lembro de uma só palavra que ele tenha dito, só da sensação boa, de "finalmente".
E fingi ler, pra ter pra onde olhar caso ele se virasse. Mas não se virava, falava pra frente e eu pude admirá-lo feito uma adolescente boba.
Então alguém gritou "Otto!*", e ele se virou, e eu fiquei boba, atarantada com a descoberta daquela informação não requisitada.
Mas, com nome ou sem ele, o melhor que eu tinha a fazer era abaixar a cabeça e descobrir se os Winthrop tinham mesmo sido assassinados, antes que alguém notasse que meu sorriso chegava às orelhas.
12x14 Dance, dance, dance
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garota solteira procura,
Imagem: AmerigoLand
De novo, lá estou eu, dançando num palco, meu antigo ritual.
A dança que começa quando o sol nasce, quando eu me pinto e coloco meus adereços.
A dança de olhares se encontrando num susto e sendo rapidamente desviados. A dança que consiste em esperar, em manter a calma, em olhar de longe.
A dança do corpo todo; dos cabelos rebeldes, das pernas bambas, das borboletas no estômago, do coração na boca.
Eu rodopiei e pulei no palco, esperando ser vista por ele, ser admirada, talvez. Qual não foi a minha surpresa quando o vi dançando ao meu lado.
Ele tem dançado também, a seu modo. Dança nos olhares de apalpadelas, dança quando deixa de se esconder e vem ficar na minha frente, dança quando passa por mim sem necessidade, quando checa se estou olhando pra ele.
Só hoje percebo: ele sabe que danço. E não recua, não. Ao invés disso, ele se pinta, coloca seus adereços e dança.
Dançamos.
12x13 Soneca
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garota solteira procura,
Imagem: H4NUM4N
- Não abra os olhos, ele sussurra, mantenha-os fechados.
Já é tarde, mais tarde do que eu pretendia. "Tenho uma aula de química pra assistir", digo.
Otto me segura os braços, beija o topo da minha cabeça. - Não abra os olhos, vamos ficar aqui.
Seu nariz abre caminho pelos meus cabelos desgrenhados e ele fala para o meu pescoço: "Fica".
"Mas é por sua causa que eu me levanto, é pra ver você".
"Mas eu tô aqui, B. Mais real, mais palpável do que eu jamais vou ser lá fora. Fica".
Não fico. A simples menção ao Otto de fora, na chuva, me deixa elétrica. Banho demorado, cabelo e olhos, música - Vamos.
Quase caio, correndo pra vê-lo. Chego lá, não o vejo.
Espero.
Espero.
Espero.
Vou pra aula, cabisbaixa, com a sensação de ter tomado a decisão errada, escolhido o Otto errado.
É a mesma coisa todo dia de manhã. Quanto mais o escolho, mais convencida fico de que deveria ficar em casa.
- Não abra os olhos, ele sussurra, mantenha-os fechados.
Já é tarde, mais tarde do que eu pretendia. "Tenho uma aula de química pra assistir", digo.
Otto me segura os braços, beija o topo da minha cabeça. - Não abra os olhos, vamos ficar aqui.
Seu nariz abre caminho pelos meus cabelos desgrenhados e ele fala para o meu pescoço: "Fica".
"Mas é por sua causa que eu me levanto, é pra ver você".
"Mas eu tô aqui, B. Mais real, mais palpável do que eu jamais vou ser lá fora. Fica".
Não fico. A simples menção ao Otto de fora, na chuva, me deixa elétrica. Banho demorado, cabelo e olhos, música - Vamos.
Quase caio, correndo pra vê-lo. Chego lá, não o vejo.
Espero.
Espero.
Espero.
Vou pra aula, cabisbaixa, com a sensação de ter tomado a decisão errada, escolhido o Otto errado.
É a mesma coisa todo dia de manhã. Quanto mais o escolho, mais convencida fico de que deveria ficar em casa.
12x12 Over and over again
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Imagem: massdistraction
"Não fosse a música alta do Clap Your Hands And Say Yeah e o ruído do motor, eu acho que teria escutado a agulha roçar meu crânio.
Apertei a mão de Ulrika com força "Oh come come come on, come come come on", sentindo mais medo que dor. Fiquei me concentrando na gilete recém usada, nos pacotões de agulhas...
- Vou colocar um piercing na língua, ela gritou por cima da música. O que você acha, Bels?
Eu estava zangada e assustada com a coragem dela. Enquanto eu lutava pra conter as lágrimas, ela já estava querendo outra dose.
- Vai pro inferno, respondi.
Ela mostrou aqueles dentes enormes num sorriso anestésico e me fez um carinho na mão."
Me lembrei disso no provador de uma loja, tocava Over and Over Again.
Já fazia tanto tempo que eu não a via. Acho que uma parte de mim acreditava que houvesse desaparecido, que houvesse sumido quando eu deixei aquela parte de mim pra trás.
Tirei a blusa de frio, abri caminho até ela, que persistia, minha bestialização.
O que você costumava ser nunca desaparece realmente. Só está oculto, à espera.
"Não fosse a música alta do Clap Your Hands And Say Yeah e o ruído do motor, eu acho que teria escutado a agulha roçar meu crânio.
Apertei a mão de Ulrika com força "Oh come come come on, come come come on", sentindo mais medo que dor. Fiquei me concentrando na gilete recém usada, nos pacotões de agulhas...
- Vou colocar um piercing na língua, ela gritou por cima da música. O que você acha, Bels?
Eu estava zangada e assustada com a coragem dela. Enquanto eu lutava pra conter as lágrimas, ela já estava querendo outra dose.
- Vai pro inferno, respondi.
Ela mostrou aqueles dentes enormes num sorriso anestésico e me fez um carinho na mão."
Me lembrei disso no provador de uma loja, tocava Over and Over Again.
Já fazia tanto tempo que eu não a via. Acho que uma parte de mim acreditava que houvesse desaparecido, que houvesse sumido quando eu deixei aquela parte de mim pra trás.
Tirei a blusa de frio, abri caminho até ela, que persistia, minha bestialização.
O que você costumava ser nunca desaparece realmente. Só está oculto, à espera.
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12x11 A story of death meets girl
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(...)Alguém que possa te proteger de si mesma (...)
Estava grogue na hora, não sei se pelo seu súbito retorno a lá Edward Cullen ou pelos barbitúricos. Fechei os olhos, irritados pelas lágrimas de raiva, frustração e alívio, e dormi.
Sonhei que vivia no País do Verão e dormia sob a luz das estrelas. Sonhei que não era dona da minha própria vontade, que sempre havia algo me incitando. Sonhei que tinha um lugar ao qual deveria ir e, no caminho, me puxaram pelos dedos pra um buraco na grama, onde eu caí feito Alice. Ouvi meus ossos se partirem quando toquei o chão. Tentei dizer alguma coisa, gritar. Mas engasguei com a terra e os ossos. Eu soube que ia morrer e chorei, transformando em lama a terra no meu rosto.
No escuro do buraco algo tocou a minha mão e foi se entrelaçando nos meus dedos. Tentei falar, saiu um som rouco da minha garganta. "Shh", ouvi. Senti acariciarem meu rosto de leve. Ali, no escuro, sentindo que existia a possibilidade de estar na presença da própria morte, me senti em casa.
A morte começou a soltar minha mão e, como eu resmungasse, acariciou-lhe as costas e ergueu-a, cuidadosamente, na sua.
Pensei que era a hora de ir, de encontrar naqueles que amava, de me redimir.
Ao invés disso, senti uma leve cosquinha, quase nada: um beijo. Menos que isso, um roçar de lábios, tão cheio de significados e de hesitações, me fez sentir que tinha minha vida de volta. A morte se afastou, me deixando entregue a novos pensamentos, novos sonhos.
Acordei tarde, naquele dia, a boca seca de sono. A primeira coisa que vi foi você, sério, esperando.
- Ficou aí a noite toda?
Você assentiu com a cabeça.
- Veio mais alguém? Gideon?
- Ele já foi embora. Ninguém mais esteve aqui.
Então, tinha sido só um sonho. Fiquei tão infeliz que chorei, as mãos escondendo o rosto. Chorei sem me importar com você e com seu desconforto. Chorei muito, por minha vida e por minha covardia, até que acabassem as lágrimas. Enquanto secava os olhos com as costas da mão, reparei naquele fio de cabelo, grudado entre o anular e o mínimo. Um fio de cabelo nitidamente loiro, feito os seus.
Me lembro de olhar pra você e pensar que, talvez, você fosse diferente.
Que tola eu era, então.
(...)Alguém que possa te proteger de si mesma (...)
Estava grogue na hora, não sei se pelo seu súbito retorno a lá Edward Cullen ou pelos barbitúricos. Fechei os olhos, irritados pelas lágrimas de raiva, frustração e alívio, e dormi.
Sonhei que vivia no País do Verão e dormia sob a luz das estrelas. Sonhei que não era dona da minha própria vontade, que sempre havia algo me incitando. Sonhei que tinha um lugar ao qual deveria ir e, no caminho, me puxaram pelos dedos pra um buraco na grama, onde eu caí feito Alice. Ouvi meus ossos se partirem quando toquei o chão. Tentei dizer alguma coisa, gritar. Mas engasguei com a terra e os ossos. Eu soube que ia morrer e chorei, transformando em lama a terra no meu rosto.
No escuro do buraco algo tocou a minha mão e foi se entrelaçando nos meus dedos. Tentei falar, saiu um som rouco da minha garganta. "Shh", ouvi. Senti acariciarem meu rosto de leve. Ali, no escuro, sentindo que existia a possibilidade de estar na presença da própria morte, me senti em casa.
A morte começou a soltar minha mão e, como eu resmungasse, acariciou-lhe as costas e ergueu-a, cuidadosamente, na sua.
Pensei que era a hora de ir, de encontrar naqueles que amava, de me redimir.
Ao invés disso, senti uma leve cosquinha, quase nada: um beijo. Menos que isso, um roçar de lábios, tão cheio de significados e de hesitações, me fez sentir que tinha minha vida de volta. A morte se afastou, me deixando entregue a novos pensamentos, novos sonhos.
Acordei tarde, naquele dia, a boca seca de sono. A primeira coisa que vi foi você, sério, esperando.
- Ficou aí a noite toda?
Você assentiu com a cabeça.
- Veio mais alguém? Gideon?
- Ele já foi embora. Ninguém mais esteve aqui.
Então, tinha sido só um sonho. Fiquei tão infeliz que chorei, as mãos escondendo o rosto. Chorei sem me importar com você e com seu desconforto. Chorei muito, por minha vida e por minha covardia, até que acabassem as lágrimas. Enquanto secava os olhos com as costas da mão, reparei naquele fio de cabelo, grudado entre o anular e o mínimo. Um fio de cabelo nitidamente loiro, feito os seus.
Me lembro de olhar pra você e pensar que, talvez, você fosse diferente.
Que tola eu era, então.
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Meu Otto
12x10 Crossing-over
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garota solteira procura,
Imagem: Cheekybikerboy
Ela me passa batom com seus dedos.
- Não olhe no espelho, ainda não terminei.
Passou pupilas, alargou meus olhos.
-Talvez um pouco menos de boca...
Misturou as cores na paleta e pintou meu corpo com as mãos.
- Feche os olhos que eu vou pregar uns cílios.
- Eu não sou muito boa em fazer mãos, sabe? Mas pés; não quero me gabar...
Deu os últimos retoques no pescoço, nos braços. Mais carne nas coxas - Eu sou renascentista, entende?
Pisco uma, duas vezes, não tenho cérebro pra entender.
Ela lê sua lista do crossing-over, lamenta:
- Ah, um garota tão bem feita, mas que injusto...
Pega um cérebro belamente esculpido, medido e pesado. Com um fio, ela dá um choque nele e observa o fio de luz que circula por ele.
Ela cospe no cérebro, um líquido escuro e viscoso vai escorrendo por ele.
Utilizando linha e agulha, ela o instala na cabeça oca, tampa com cabelo, pele e ossos e lacra.
O relógio sem números e sem ponteiros indica que são quase 18:00 lá embaixo.
Ela se ajoelha até ficar da minha altura, segura meu pescoço entre as mãos e sussurra na minha orelha:
- 20, 22, 23, 8, 17 retalho. Cor. Água. Pelo. Limão.
Sinto um cheiro estranho de álcool, ferro e outra coisa cujo nome não conheço.
Minha boca fica úmida e a luz incomoda. Meus olhos ardem.
- Pisque, ela diz.
Eu pisco.
Ela se aproxima do meu rosto, abre a boca até conseguir tapar com ela o meu nariz e a minha boca.
Sopra.
Eu respiro, e arde, um sopro forte entra nos meus pulmões de uma vez só.Sinto uma dor enorme, meu corpo todo pulsa.
Eu choro.
- Parabéns, é uma menina.
Ela me passa batom com seus dedos.
- Não olhe no espelho, ainda não terminei.
Passou pupilas, alargou meus olhos.
-Talvez um pouco menos de boca...
Misturou as cores na paleta e pintou meu corpo com as mãos.
- Feche os olhos que eu vou pregar uns cílios.
- Eu não sou muito boa em fazer mãos, sabe? Mas pés; não quero me gabar...
Deu os últimos retoques no pescoço, nos braços. Mais carne nas coxas - Eu sou renascentista, entende?
Pisco uma, duas vezes, não tenho cérebro pra entender.
Ela lê sua lista do crossing-over, lamenta:
- Ah, um garota tão bem feita, mas que injusto...
Pega um cérebro belamente esculpido, medido e pesado. Com um fio, ela dá um choque nele e observa o fio de luz que circula por ele.
Ela cospe no cérebro, um líquido escuro e viscoso vai escorrendo por ele.
Utilizando linha e agulha, ela o instala na cabeça oca, tampa com cabelo, pele e ossos e lacra.
O relógio sem números e sem ponteiros indica que são quase 18:00 lá embaixo.
Ela se ajoelha até ficar da minha altura, segura meu pescoço entre as mãos e sussurra na minha orelha:
- 20, 22, 23, 8, 17 retalho. Cor. Água. Pelo. Limão.
Sinto um cheiro estranho de álcool, ferro e outra coisa cujo nome não conheço.
Minha boca fica úmida e a luz incomoda. Meus olhos ardem.
- Pisque, ela diz.
Eu pisco.
Ela se aproxima do meu rosto, abre a boca até conseguir tapar com ela o meu nariz e a minha boca.
Sopra.
Eu respiro, e arde, um sopro forte entra nos meus pulmões de uma vez só.Sinto uma dor enorme, meu corpo todo pulsa.
Eu choro.
- Parabéns, é uma menina.
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12x09 Crooked teeth
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garota solteira procura,
Imagem: jaymce
Já tentei mandar as lembranças embora, cobrir a cabeça com o travesseiro, me fiz de surda.
Mas é o cheiro que não sai. Esse cheiro de loção barata que, mesmo depois de horas deixa um rastro de álcool e frutas podres. Esse cheiro me deixa tonta, faz com que minha cabeça quase exploda e meu estômago embrulhe. Cheiro de arlequim.
Agora me parece que era só o que ele fazia: se barbeava. Tinha uma técnica, uma concentração naquilo. Propaganda de gilete, eu dizia.
Ele sorria pra si, no espelho, nunca temia que eu o achasse tolo. Com ele, tudo tinha significado, tudo era metafórico, musical.
Até eu tinha significado, meus trejeitos, minhas unhas (roídas sem falta pela manhã), os pôsteres nas paredes e até meus pulsos.
Ele tinha uns dentes pontudos, eu me lembro, que tornavam seu sorriso mais esperto ainda. Foi assim que eu comecei a apreciar a beleza dos dedos, dos ossos, dos dentes.
- Eu tô pronto. Você vem?
Vamos aonde não espera nada e achamos tudo o que está esperando.
Já tentei mandar as lembranças embora, cobrir a cabeça com o travesseiro, me fiz de surda.
Mas é o cheiro que não sai. Esse cheiro de loção barata que, mesmo depois de horas deixa um rastro de álcool e frutas podres. Esse cheiro me deixa tonta, faz com que minha cabeça quase exploda e meu estômago embrulhe. Cheiro de arlequim.
Agora me parece que era só o que ele fazia: se barbeava. Tinha uma técnica, uma concentração naquilo. Propaganda de gilete, eu dizia.
Ele sorria pra si, no espelho, nunca temia que eu o achasse tolo. Com ele, tudo tinha significado, tudo era metafórico, musical.
Até eu tinha significado, meus trejeitos, minhas unhas (roídas sem falta pela manhã), os pôsteres nas paredes e até meus pulsos.
Ele tinha uns dentes pontudos, eu me lembro, que tornavam seu sorriso mais esperto ainda. Foi assim que eu comecei a apreciar a beleza dos dedos, dos ossos, dos dentes.
- Eu tô pronto. Você vem?
Vamos aonde não espera nada e achamos tudo o que está esperando.
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