17x21 Mimi's Knuckles

Imagem: Ting Ting Huang

Cabelos recém lavados, cheirando a xampu e suor. Orelhas limpas, ligeiramente ácidas, tão pouca pele cobrindo as mandíbulas claras e o pescoço magro.
"E pra que isso seria bom? Os fins não justificam os meios, B. Isso só vai te fazer sentir pior, suja, indigna".
Seguro sua cabeça num abraço estranho, não quero olhar seu rosto, saber quem você é. Me interessam apenas essa pele parca, esses ossos quase expostos, esses ombros. Sabe que, quando de olhos fechados, tocando seus cabelos, você poderia ser outra pessoa?
"A culpa foi sua e de suas escolhas tolas e egoístas, você sabe"
Costelas firmes batendo nas minhas, ruídos abafados pelo tecido, pela música alta, pela boca. Você quer falar e eu não deixo, não quero saber, não quero ouvir.
"Você acha que quer mudar? Você não pode mudar, você não consegue! E, se conseguisse, não adiantaria, não traria nada de volta".
Você quer pele, e eu também quero. Encontro a sua primeiro, lisa e esticada, aperto-a com os dedos comos e quisesse atravessá-la e você não reclama.
"Será que você consegue lutar contra essa sua mania de ser mártir, de se comprometer com as pessoas, só pra fazer isso?"
É pouco ainda, para calar as vozes, as bocas, as lembranças, é pouca pele, me diz pra onde ir, me diz o que fazer. Não diz, só a mesma repetição de movimentos, os ossos, a pele. Preciso de mais.
"Isso não é saudável, você precisa sair daqui, ver pessoas. Me deixa te ajudar".
Caminhamos a 4 pés, você ri e eu guio. Preciso de mais e você quer dar mais. É um alívio o contato entre a mão áspera e o tecido liso.
"Você precisa me ouvir"
Mais um pouco, você olha pra mim e eu vejo seus dentes surgirem, vejo as coisas acontecendo lentamente - e, ainda assim, depressa demais - no seu rosto.
"Você ainda acredita em inferno?"
Seus olhos, seu nariz, sua boca "vem". Mas eu ajeito as roupas e o cabelo depressa.
- Adeus.

Sem olhar pra trás, sem me arrepender.
Apática.

17x20 (Maybe, probably) You only live once

 Imagem: TingTing Huang

(Não é difícil entender de que ou de quem trata esse post. O porquê é que está escondido)

"Me leva pra casa, me leva pra casa", era tudo o que você dizia. E eu dirigia, passando rápido pelos buracos, o coração batendo forte de medo, de amor, fui dirigindo por um caminho paradoxal e a sua casa parecia nunca chegar.
Meu coração doía e você nem via nada, só pedia que te levasse pra casa, os olhos miúdos fechados, um cheiro forte de álcool me embriagando junto.
"Não dorme, Mikael, por favor", eu pedi.
"Me leva pra casa"
(Eu não entendia, então, Mikael, eu não queria entender)

Naquela noite, você sorriu pra mim, através de mim, uísque em mãos. Te abracei e segurei seu rosto entre as mãos. "Fica", eu disse. E você rodopiou e cantou, cheirando a uísque e suor.
Entrou no carro e eu ,"fica", mas você me puxou pela mão e eu fui. (As risadas não saíram dos meus ouvidos ainda, sabe?) "Vamos voltar", pedi, mas você só encostou a cabeça no meu ombro. No que é que você pensou? Eu não tive tempo de perguntar. De repente, éramos uma confusão de berros e baques, e eu te enlacei como se fôssemos um só, enquanto o carro voava, enquanto voávamos na direção da grama.
Você era sangue e carne no centro da manhã clara, fundido à grama, ao vidro, à terra. Tentei tirar o vidro do seu cabelo, do seu rosto, disse "Vai ficar tudo bem", mas não era verdade.
Ali, no meio de grilos e luzes de faróis e murmúrios de curiosos, você me viu, finalmente. Disse algo que não escutei, seu coração batia alto demais, me ensurdecia até. Cheguei mais perto, o nariz colado ao seu, pra olhar seus olhinhos escuros de sangue e noite, escutei apenas o final.
Mas eu entendo agora, Mikael, esteja onde estiver.

Deitei na grama, sobre o vidro e o sangue e segurei sua mão de leve, assistindo às lágrimas, gritos e ao nascer de outro sol, o seu último. Só mais um.