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TingTing Huang
Aviso: Cuidado, não me entenda mal. Isso não é uma declaração de amor (muito embora o seja, à minha maneira). Eu precisava admitir isso, pra mim mesma, para o mundo.
Disse à minha terapeuta "Não penso sobre isso", mas a verdade é que não gosto de pensar sobre isso. Parecia estranho, errado. E eu não queria admitir, porque parecia tolice.
Admitir que a verdade não é que eu não sentia nada: eu não estava pronta. Não digo que esteja, agora. Mas consigo enxergar que não era errado, que não fez mal a ninguém.
O que faz mal é essa minha mania de fingir que não aconteceu.
Isso me trouxe aqui também, e eu gosto de onde estou agora.
Nenhum amor é perdido.
Você vê,
eu não quero falar com ela.
Pelos motivos que você já sabe, é claro, mas por outros também.
Ela me cauda uma miríade de sensações e pensamentos ruins. Eu tento, mas não dá.
Sabe, não é só o óbvio.
Ela fere as coisas em que acredito.
Ela me faz ferir as coisas em que acredito.
Sororidade, por exemplo.
Eu a protegi antes, em detrimento de outra mulher.
Uma mulher com quem me importava infinitamente mais. Com quem me importo.
E, de novo, eu o faço quando olho pra ela e a detesto. Por sua causa. Por sua culpa, não dela.
Mas não só por isso.
Por causa das noites insones em que deixei de estudar para ouvi-la, aconselhar.
Não só por causa do dissabor que me causa a imagem da sua boca sôfrega a tapar a dela.
Por causa das vezes em que reconciliei vocês, sem pensar duas vezes, com o peito a doer e a encher de ciúmes que eu fingia saber controlar.
Não só por causa da sua falta de tato e incapacidade de continuar a me proteger do mundo e do que vinha depois.
Mas eu não sou melhor do que você.
Gostaria de dizer que sou.
Gostaria de dizer que fiz por você o que você não fez por mim, que te protegi disso.
Mas não fiz.Talvez tenha feito pior que essas fotos e palavras dispersas que tanto pinicaram e doeram.
Noite baixa ainda, precoce, e eu estava feliz.
Queria independência, gostar da minha própria companhia, ver um pouco do que o futuro reservava.
Celular vibrou no bolso, ele: "O que você está fazendo?"
Expliquei sobre genes, mulheres e coisas que não se explicam.
E ele, magicamente, incrivelmente: "Eu vou com você, tô passando aí pra te buscar".
Veio, com aquele jeito de quem acabou de acordar, e passeamos pela Noite Escura, tecendo diálogos feito aranhas tecem teias em carros e histórias de Anansi.
Eu estava feliz.
Quando descemos do carro, e nos sentamos, e ouvimos, e demos risada, aprendemos coisas, encontramos pessoas,
Eu estava feliz.
Feliz, porque éramos fortes, estávamos firmes, vivos.
Porque o coração se parte, mas ele sobrevive.
Porque nós estávamos ali, no centro do mundo inteiro, pra provar isso.
Sobrevivemos.
Mas a coisa chegou ao final e, quando entramos de novo no carro, não estávamos mais a sós.
Sentada atrás de mim, essa tensão crescia, aumentava, respirava ruidosamente, me fazendo saber que estava na hora.
Que havia uma razão pra que estivéssemos ali, sozinhos, em um carro que cortava o escuro, o presente e o passado.
E foi nesse período de tempo, cortando a noite feito navalha, que eu percebi o que teimo em não admitir pra ninguém:
Eu o amava.
A pressão quase me esmagou. Tantas possibilidades. Eu podia enxergar, sabe? E podia ser bom, podia ser exatamente como deveria ser.
Mas, você vê,
Eu o amava. (Você a amava?)
De uma maneira extremamente específica, que pouco ou nada tinha de romântica ou de crua, era diferente, complexa, bem formada. Era amor, puro e simples, feito o sol nas manhãs de domingo ou músicas com poucas notas. Um livro com enredo único e direto, sem metáfora nenhuma.
Eu só queria que ele ficasse bem.
Eu só queria segurar sua mão e atravessar a rua. Queria que ficasse tudo bem, enfrentar todo o mundo e toda a dor, com os punhos cerrados. E eu sabia que, se tivesse algo a dizer, teria que dizê-lo ali.
Meus olhos arderam, lágrimas de esforço começaram a se formar.
Eu o amava,
de tantas maneiras.
Por tantas razões.
e eu queria demonstrar, eu queria dizer algo.
Mas não disse.
Eu o amava,
Mas eu também amava você.
E isso estava me consumindo, me desligando dos outros sentimentos, me afastando das possibilidades.
Eu ainda queria você.
Eu o amava, e foi aí que, talvez, tenha traído a memória de nós, mesmo sem ter dito nada, mesmo sem admitir, fotografar e me declarar publicamente.
Mesmo sem levá-lo pra passar o ano novo comigo,
sem encostar minha boca na dele.
Eu ainda amava você
e eu nunca o submeteria a isso.
Eu não queria amar pela metade,
eu não tinha nem metade de mim pra dar.
Eu sei, desnecessário colocar no papel o que todo mundo parece saber, o que você já sabe, o que eu sei, o que ele provavelmente já sabe.
Mas eu precisava escrever.
Precisava dizer,
não por sua causa.
Por minha causa.
Pra evitar os dissabores de guardar algo lá no fundo, deixar passar.
Sinto muito por te fazer perder seu tempo,
mas não sinto muito
por sentir tanto.