28x08 Oração

Imagem: TingTing Huang

Tô assustada.
Leio meu horóscopo, tudo parece claro, dia livre, bom.
Espero declarações de amor que não chegam.
Chega mensagem: ele quer me ver.
Tô confusa demais, fica longe, não me dê oportunidades: invento desculpas, que são verdades, mas que não deixam de ser desculpas.
Deito na cama. Pesadelos, diarreia, acordo com medo, não leio horóscopo, não como, não durmo: você. O dia inteiro, à espreita, o medo de levar um não, o medo da sua voz ecoando pelas escadas, o medo da sua não resposta, a sensação de rejeição por trás do temido sinal azul.
Corro pra casa, ansiosa, trêmula, escolho roupas, penteio o cabelo, como, durmo, pesadelos, diarreia. Penteio o cabelo, passo maquiagem, mostro as pernas, lembro
Tô com medo.
Tô com medo de ficar sozinha, mas não tô com medo de ficar sozinha. Tô com medo de seguir em frente, e nem sabia.
Pego o carro na chuva, ansiosa, o peito em chamas, e corro pra lá, te procurando em cada canto.
Grito pra você, cada palavra, sem me dar conta disso.
Grito de joelhos num banco de madeira, os joelhos doem, latejam. Mas não me sento.
Canto em forma de prece, como se isso fizesse sentido, como se eu soubesse o que pedir, como se eu quisesse algo, como se eu merecesse algo.
As pernas doem, não me levanto.
Grito. Grito. Grito. Chamo o seu nome, invoco a alma de nós, a coragem de dizer tudo, de voltar atrás. De voltar no tempo.
Tomo coragem, os dedos correndo rápido pelo teclado, e então já foi.
Oro. Tento me concentrar nas preces, mas só quero que você responda.
Espero
Espero
Espero
Espero
1% de bateria e eu aflita, não acabe antes que ele responda.
Me dá vontade de olhar, procuro seu rosto, seu nome e percebo, de novo, que você não se importa.
Alguém grita que o choro é livre.
Meus olhos ardem, a garganta fecha, tanta coisa pra um dia só, tanta dor, maldita lua, engulo seco, engulo dor pura, sem adulterações, mas dor que não dói. Dor antiga, de meses, que nem machuca mais, só lateja.
Grito. Grito meu nome pra fumaça colorida, até não sentir mais nada.
Grito. Grito. Grito.
Mas não passa, só lateja sem parar.
Alguém me dá a mão, me acalenta com a voz, me nina, me pega no colo e me diz que essa é a última. Por mim, pra mim, de mim.
Não dá mais pra pensar nisso, pra passar por isso.
Fecho os olhos e a noite passa num segundo, aplausos, as luzes se apagam e eu morro mais um pouco. Sem perder a esperança, me junto à multidão e grito, grito, grito e grito, faço uma última prece, com minhas últimas forças, meu resquício de vontade

Meu amor, essa é a última oração
Pra salvar seu coração
Coração não é tão simples quanto pensa
Nele, cabe o que não cabe na despensa
Cabe o meu amor
Cabem três vidas inteiras
Cabe uma penteadeira
Cabe nós dois

Grito e eles voltam, atendendo ao último desejo que me resta.
Depois, as luzes se apagam, a fumaça cessa e eu vou embora.
Coloco o casaco, abro o guarda-chuva e vou embora.
A volta é longa, como você bem sabe.

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