43x13 Canseira

Imagem: TingTing Huang

Tranco as portas e janelas, apago as luzes. Desligo o celular

Não tem ninguém em casa.

Não adianta bater, não adianta gritar, nem ligar.
Não mande mensagens, nem e-mails.

Não tem ninguém em casa.

Eu preciso descansar.
Dormir por horas.
Despensar em todas essas coisas.
Eu preciso sonhar.

E se você vier,
se você precisar,
se você quiser,
se você chamar.

Não tem nada que eu possa fazer,
não tem nada que eu possa oferecer.

Eu vou ficar atrás da porta, torcendo pra você ir embora,
pra que eu possa respirar,
dormir,
comer,
esquecer.

Acredite,
não tem ninguém em casa.

43x12 I wanna hold your hand

Imagem: TingTing Huang

Tenho medo da água.
Segura minha mão?

Ele segura.
E não solta.

Dia lindo, sol lá em cima, nós aqui embaixo.
É assim que é amar alguém? Reciprocidade, é assim que chama?

Eu amo.

Seu cabelo molhado, o assovio, sua mão e nossa dança na água.
Eu amo sua voz, eu amo seus passos, eu amo o jeito como você abre a porta.

Me ajuda a nadar, me ajuda a chegar à superfície, eu tenho medo.
Mas você não tem.

Príncipes encantados nem existem, eles disseram.
Não, não existem.
Você existe. E não vai embora procurar princesas com pé pequeno e delicado,
não foge no meio da noite pela janela,
nem tenta me impedir de salvar a china.

Eu te amo e tenho orgulho de quem você é,
de quem você vai ser.

Escondo a cabeça no seu cheiro e você me encontra debaixo das cobertas, só pra me contar algum segredo, baixinho, no escuro gelado que é nosso.

Hoje eu não tô com medo.

Eu sei que não vou afundar,
porque você tá aqui.
Me segurando,
me dizendo que consigo,
me ajudando,
me ninando,
me olhando.

Hoje eu não tô com medo, amor.

Obrigada.

Early Cuts: Stockholm

Imagem: TingTing Huang

Escrevo pra salvar minha vida.

Pois sim, escrevo.

Eu nunca fui a última a ser escolhida em nada importante.
No ensino fundamental, eu nunca dizia nada quando me era sugerido escolher um grupo.
Eu sempre sabia que alguém criaria um grupo e me colocaria nele.

Tinha muitos amigos, e não queria escolher entre eles.

E foi assim por toda a vida acadêmica, eu nunca fiquei por último, nunca fui realmente excluída de nada.

Cresci incapaz de escolher, de conviver,
de me posicionar.

As pessoas escolhiam por mim. As pessoas conviviam quando eu não era capaz. Se posicionavam quando eu não estava interessada.
E ficavam, mesmo quando eu não queria.

Por que?

Pergunto a Houdini,
Por que?
Mas a resposta dele não me satisfaz, nada me satisfaz.

Por que?

Quem é refém de quem?
Eu tô te perguntando, tô olhando nos seus olhos mas eu só consigo ver os meus.
Por que ficar?

Quem mais eu preciso machucar pra ficar só?

43x11 Anything she feels like

Imagem: TingTing Huang

Às vezes, o dia começa assim:
cheio.

Full-on

Eu sonho sonhos de amor e loucura, uma mulher nua, as ruas da cidade e alguma coisa de que eu nunca me lembro.

Levanto da cama querendo correr uma maratona, 20 mil léguas, submarinas ou não, porque sou invencível.

Eu sou a dona do meu próprio destino, como queijo, beijo sua boca macia, gostosa, eu sou tão bonita e feliz,
nada pode me deter.

Chego em casa, minha comida fica incrível, o gosto do mundo é uma delícia e eu só sei que vai ser um bom dia.

Brisa, brisa boa e gostosa,
eu lavo a roupa, eu vejo uma série, eu escrevo um texto, eu leio, estudo, eu sou capaz de qualquer coisa, eu acho que posso até voar se quiser.

Meu coração bate tão forte que dói, mas eu não quero que pare, eu não quero que passe,
fica,
fica, não vai embora, que essa sensação é bem melhor do que a sensação dos últimos dias,

mas eu tenho medo dela, mais medo que anseio,
porque me assusta o amanhã, a decepção de ter sido invencível e não ter nada pronto, não ter nada pra mostrar ou pra entender, ou pra gostar.

Mas hoje eu posso tudo,
toda e qualquer coisa.

Eu posso ser quem eu quiser. A pessoa que eu quero ser.
Eu posso ser boa.
É um daqueles dias.
Eu posso ser boa.

Só preciso querer.

43x10 Pain management

Imagem: TingTing Huang

Tem a dor que dói
aguda,
aquela dor que você sente quando seu coração  parte - em pedaços ou vai embora -,
quando percebe que ele não vai ligar,
nota baixa,
quando seu personagem favorito morre num filme da Marvel.

A dor de sempre,
aquela que fica ali,
quando você acorda,
enquanto escova seus dentes e bochecha com listerine,
quando você sorri,
quando você fala,
e quando oferece amor.

Tem a dor que rasga, supera os limiares, quebra recordes, prende, incha, comprime, sufoca, aparece, inesperada e fica, explode seu peito em pedacinhos de vidro que ficam presos na carne e nunca saem.

(1/4 dos pacientes não sente dor.
1/3 daqueles com dor tem apenas uma destas.
1/3 têm 2 dores.
1/3 têm 3 ou mais dores)

"A experiência da dor pode interferir com a vida social e a qualidade dos relacionamentos, mudar crenças existenciais, causar incapacidade, depressão, ansiedade"

A dor é subjetiva.
Algumas surgem num turbilhão amarelo e têm cheiro de amora, sangue e loção pós barba. Outras de terra e algumas de chocolate meio amargo.

Algumas começam de repente, algumas começam pequenas e ficam gigantes, feito um pássaro Roca.

- Em aperto, facada e também daquele jeito, sabe?, que vem assim e faz assim.
Ela não anda nunca, fica só bem aqui ó. Aqui no meio. E no canto também. Da cabeça e do quarto. Do peito, da festa, do bar. Da cidade.
De 1 a 10, eu diria que é 8, e não duvide de mim, porque dói. Dói como nunca doeu antes.
Piora quando eu acordo pela manhã e melhora quando eu sonho. Só melhora quando eu sonho.
Se tem alguma coisa que vem junto? Ai, doutora, uma vontade, uma vontade enorme. Só vontade, assim, sem rumo, grande, que parece que vai me explodir se não sair de dentro.
Eu tomo xarope, chá, um remédio aqui e outro ali, mas não passa, não passa nunca. Nem a dor, nem a vontade.
Me ajuda, me diz o que eu tenho, me diz como resolver, me diz o que tomar.

Apoio a cabeça na mão, incerta - era pra eu ter aprendido isso no internato? dá pra pesquisar no google? Acho que aprendi, em algum lugar, que não posso dizer que não sei, não posso só tocar um tango argentino, mas eu quero.

Porque não sei, moço, não sei a cura pra sua dor, pra sua vontade. Eu quero saber.
Eu quero muito saber.
Mas ainda falta muito chão, tanto chão, e eu não sei por onde caminhar pra chegar lá.
Eu não sei como caminhar.
Eu não sei porque caminhar.

Se eu não me levantar, não posso te ajudar.

Não posso ajudar ninguém.

43x09 Oceano

Imagem: TingTing Huang

Você abre os olhos, debaixo de tanta água, tudo azul-esverdeado, água movendo seus membros e seus cabelos,
e me vê.

Sorrimos, uma pra outra, velhas conhecidas.
Você agita os braços, na direção da luz, nada, batendo os pés bonitos.

Eu estendo a mão, é um instinto, não é pessoal, agarro teu pé e puxo pra baixo. Te puxo de volta pra mim, e dançamos nosso balé milenar.

Agora eu, nado, nado, eu me sinto tão perto da superfície, eu quase posso sentir a luz do sol queimar meu rosto, mas aí sinto a pressão da tua mão me agarrando pelo tornozelo, e você me puxa pra baixo.

Dançamos, enquanto a correnteza empurra e puxa, seus cabelos se movimentam de um jeito tão lindo que eu quero chorar.
Talvez eu esteja chorando, como posso saber, depois de tanto tempo?

Puxo sua mão, puxo seu corpo, e giramos, no meio do nada, onde ninguém pode nos encontrar, ninguém sabe que estamos aqui.

Você me empurra a cabeça, me usa pra tomar impulso e subir, bem alto, se afastar de mim, mas eu não deixo, você precisa ficar, precisa ficar, e eu te agarro pelas pernas enquanto você se debate tentando subir, me chuta o nariz bem forte, mas não dói, eu não sinto dor.

Você para de lutar e afunda, afunda, afunda diante dos meus olhos, com as mãos estendidas, pedindo apoio, os cabelos subindo em desespero, as unhas das mãos tão escuras, mas eu só observo você afundar

E começo a nadar

Com toda a força que ainda tenho, pernas e braços trabalhando juntos, sem parar um segundo, e eu subo, pela primeira vez em muito tempo, eu subo, chego perto da luz, tão perto que meus dedos tocam a superfície, que eu começo a me lembrar como era respirar, respirar fundo,

Quase lá

Aí, como em um filme de terror, sinto teus dedos me puxarem pela ponta dos pés, devagarinho, sem fazer força, porque nem precisa, porque você já sabe:

Não vou lutar,
só afundar.

43x08 Her

Imagem: TingTing Huang

Estive seguindo a mulher que amo.
Porque eu a amo, e não tem outra forma de escrevê-lo.

Eu a amo.

Ela acorda todos os dias, e eu a ouço acordar, do apartamento ao lado.
Eu a ouço colocar música pra tocar, canções alegres ou tristes, a depender do seu humor.
Eu a ouço tomar banho e imagino seu corpo nu e molhado.

Eu a ouço destrancar e trancar a porta, e seus passos ecoam no corredor e nas escadarias até desaparecerem no vento cortante da manhã, após a batida da porta de metal que nos separa do mundo lá fora.

E então eu desço.
Já estou pronto desde cedo, desde antes das 5, insone, triste, ansioso, desesperado, sóbrio de uma forma nova e intensa.

Saio sem bater a porta, e caminho sem correr.
Eu sei pra onde ela vai.
Eu sei quantos passos ela dá até o ponto de ônibus e sei que ela vai tomar um café barato e doce antes de mais nada, pra começar bem o dia.
Eu sei que ela vai se encolher quando o vento estiver forte demais, e prender os cabelos quando estiverem sujos.

Cabelos negros, brilhantes, fortes, longos, com cheiro de xampu de maracujá que eu sinto no corredor quando o banho dela leva mais do que 5 minutos.

Ela entra no ônibus, e eu entro algumas pessoas atrás, caminho até o fundo, como se ela não existisse, como se ninguém existisse.
Sacoleja o ônibus, sacoleja meu estômago com a proximidade entre nós.
Eu estou aqui.
Ela está aqui.

Alguém se levanta e ela senta, mas não sem antes olhar para os lados, à procura de alguém que precise se sentar mais do que ela.
Seus olhos quase encontram os meus, por um milésimo de segundo, mas eu desvio o olhar para algum prédio estúpido.

Ela abre o livro,
o livro que eu deixei na caixa de correio, endereçado a ela, sem dedicatória, sem remetente, nada,
e meu coração saltiteia.

Sinto minha pele queimar quando ela passa as páginas, como se eu fosse o livro, como se o livro fosse eu.

Consigo me sentar, finalmente, e fico atento às paradas, ao céu azul e limpo, pessoas nas ruas, correndo, se apressando,
sem saber o que é amor,
sem saber o que é amar.

Uma parada antes, eu desço e me apresso, corro, aproximo os metros que nos separam.

E ela está lá.
Cabelo balançando, blusa de frio fechada até o pescoço,
e os olhos,
os olhos.

Conversa com a melhor amiga, de quem já sei absolutamente tudo, enquanto eu observo, de longe. Elas riem, em alto e bom som,
e eu só quero rir também, eu só quero fazê-la rir, eu quero abraçá-la e aquecê-la, levá-la pra casa pela mão.

Eu quero saber como foi teu dia, mas você se fecha,
desaparece,
e volta com algum cara que eu torço pra não ser o mesmo de sempre,
vocês brigam e ele vai embora, mas volta.

Eu quero cozinhar pra ela,
fazer o café,
podemos até discutir política, eu te ouço discutir, eu te ouço brigar com a televisão.

As risadas morrem aos poucos, enquanto as duas entram no prédio.

Acendo um cigarro, trêmulo,
desajeitado.

Sou um maluco,
um puto psicopata desesperado, errado, completamente louco, um merda.
merda.

Olho no relógio.
Ela sai pra almoçar às 13. Faltam 5 horas.
Fico na dúvida se volto pra casa ou se espero.

Ela está bem.
Vai ficar bem.
É o que importa, certo?

Volto pra casa,
leio,
escrevo, ansioso, perturbado,
fumo,
fumo, fumo
desesperadamente.
Estou arrependido de tê-la deixado só, de tê-la deixado voltar sozinha
Qualquer coisa pode ter acontecido.

O mundo é cheio de gente ruim,
de gente doente.

Pego o celular, pego dinheiro, eu vou atrás dela,
eu preciso ver se ela está bem,
abro a porta e
ouço a porta de ferro bater.
Passos nas escadas.
Fecho a porta e prendo a respiração;
até ouvir os passos passarem pela minha porta, pararem na dela,
chave na fechadura

e eu posso respirar, com o ouvido colado na parede.

Tô ficando louco.
completamente louco.

Acendo meu último cigarro do dia,
e me sento perto da tua parede, enchendo a sala de fumaça,
pra te ouvir caminhar, e fazer o que quer que você faça,
até você dormir,
pra eu poder dormir
e sonhar com você,
dias melhores,
tua mão na minha

abrir a porta,
te encontrar no corredor,
dizer meu nome,
perguntar o teu
sair pro mundo lá fora contigo.

Nem atrás, nem na frente:
do teu lado.

Boa noite, Berenice.
Até amanhã.

43x07 Small victories

Imagem: TingTing Huang

Olho pra câmera, arrumo o cabelo, tô nervosa.

- Diz umas coisas boas sobre você. Vai lá.

-- ON --

Mas

Aperto no peito: eu não tenho nada de bom pra dizer.
Você sabe.
Por que tá me forçando a fazer isso?

Você desliga a câmera por um segundo.

- Pensa. Tem tanta coisa boa sobre você.

Tanta.

Eu consigo enumerar de 1 a 1 trimilhão, coisas ruins sobre mim.
Mas hoje não, hoje não.

Ele me encoraja a dizer, com aquela cara de preocupado, ele só quer que eu diga em voz alta, eu só preciso dizer, preciso expressar

Eu sou boa.
Meu deus,
eu sou boa.
E amada.

Mais, mais.

Eu passei na porra da prova, e não foi acaso ou destino ou chute, como eu insisto em dizer pra me desmerecer.
E eu posso até não ter ido tão bem--- (ele desliga a câmera. "Não. Não". E eu entendo, apago, volto)

Eu passei na prova.

Eu tenho estudado.
E eu me importo. Parece que não me importo, mas eu me importo.

E eu sou boa.
Eu sou boa.

Eu estava lá.

Eu consigo fazer qualquer coisa.
Foi assim que eu cheguei aqui.

Eu ouço.

Eu sou boa.
Eu sou boa.

às vezes,
eu me sinto bonita.

Eu sou boa.

E você pode não entender porque é que eu preciso tanto repetir isso pra mim mesma todos os dias, todo segundo, feito um mantra,
eu sou boa
eu sou boa

pra poder respirar,
e entender,
pra poder aceitar

(eu sou boa)

pra acreditar,
pra não deixar as vozes me enterrarem no escuro,

(eu sou boa)

não importa.

Se você soubesse o quanto é difícil entender,
prender a respiração,
ouvir o que ela diz,
dormir,
acordar,
saberia o quanto é importante ser boa.

Eu não preciso de mais nada,
só de tudo.

Só preciso ser boa.
Eu sou boa.

Eu sou boa.
Eu sou boa.

-- OFF --