44x08 All you had to do

Imagem: TingTing Huang

"Me dá a mão",
eu peço.

Mas você não pode. Suas mãos estão cheias, ocupadas, sujas de sangue e memórias arrancadas às pressas.

Eu preciso de você. Hoje, agora.

Mas você não pode ficar. Está tarde.
Muito, muito tarde.
Tarde demais.

Eu só preciso de mais tempo.
Um pouco de tempo, pra melhorar, pra ficar bem.
Pra ficarmos bem.

Mas você não pode esperar.
Seu trem chegou e tem outros lugares pra onde você quer ir.
Lugares onde eu não posso ir.

Eu quero te pedir pra ficar,
eu te peço pra ficar,
mas você não pode dizer nada.
É segredo, uma das coisas que eu nunca devo entender.

Viajo o mundo,
fujo de casa,
fujo de mim,
pra ir atrás de nós,
no meio de um deserto de concreto.

Mas você não pode me beijar com os lábios colados aos de outras pessoas.

E agora eu vejo, não entendo completamente, mas percebo:
tudo o que você tinha que fazer era ficar.
Mas você não podia, você não podia mais.

E eu entendo que você tinha seu próprio sangue pra purificar,
mas eu não posso mais achar desculpas pra você.
Preciso achar desculpas pra mim.
E me perdoar por não ter sido perfeita.
Por não ser perfeita.

Eu te pedi pra ficar,
e você foi embora.

Tudo bem,
continue.

Continue andando,
não olhe pra trás.

Não tem nada lá.

44x07 Living easy and learning how to say goodbye

Imagem: TingTing Huang

Ninguém me ensinou a dizer adeus. A encerrar capítulos, a dar grandes finais às histórias.

Meus cadernos são cheios de começos, meios. De quase fins.

Meus romances,
meus cadernos da escola,
minhas redações,
meus pensamentos.
Meus mortos.
Não conheço despedidas.

Não me ensinaram a dizer adeus.
Nem até breve.
Nem até logo, continuemos, vamos melhorar, vamos crescer.
Não me ensinaram a dar longos abraços que dizem "te amo, volte logo, venha mais vezes". Me ensinaram a acenar.
Não me ensinaram a dizer o que sinto quando você vai embora. Me ensinaram a te esperar voltar.
Não me ensinaram a dizer que te amo, que te quero bem, que tudo bem, me ensinaram a ficar em silêncio e esperar sua partida.

Estou melhor. Estou aprendendo a dizer agora não.
Até breve, se tanto.
Aprendi a dizer: quem sabe um dia.
Aprendi a respirar fundo e deixar passar um pouco a raiva e a dor. E a deitar na cama e dormir.

Ainda não aprendi a dizer adeus. Ainda não aprendi a dar aquele abraço gostoso de boa viagem, até breve, eu te amo, volte logo, estarei te esperando, cresça feliz, seja feliz, fique bem.

Mas, quem sabe, um dia eu aprenda.
Quem sabe, alguém me ensina.
E aí eu te ensino.

Talvez.

44x06 Birthplace

Imagem: TingTing Huang

Acordo.
Mas não sou a mesma.
Não quero me levantar.
Quero dormir, quero fechar as cortinas, cobrir a cabeça.
Quero ficar.
Só hoje, quero ficar.

Mas vou.
Saio da cama, piso no chão gelado, está escuro lá fora.
Eu vou.
Tomo banho quente, derreto,
escovo os dentes.

Visto a roupa,
jeans escuros,
olheiras enormes,
e tênis
que eu possa sujar de sangue.

Por que é que eu me levanto?
Por que dirijo tanto, por que como tão pouco, por que estudo até a cabeça doer?

Acho que entendi.
Amo isso.
Amo tudo isso.

Amo ser isso.
Amo estar aqui.
Amo o homem cujos pulmões guardavam um segredo,
e a mulher que não tinha mais segredos guardados pelo sangue,
cada coração que tem medo de parar.
Amo cada batimento acelerado de bebê,
e gritos de mulher parindo.

E sou boa.
Finalmente, Deus,
sou boa.
Eu enxergo as pessoas.
Eu não sei de tudo, eu não sei de nada,
mas eu sei sobre o momento certo pra tocar minhas mãos nas suas,
e a entonação da minha voz,
e sobre aquele sorriso que só uma mãe pode ter.

Estou exausta.
Não aguento,
não aguento mais fazer força.
Mas eu aguento.
Eu consigo.
Digo a elas, todos os dias,
"Você consegue"
"A pior parte já passou"
"Você vai ficar tão orgulhosa depois"
"Eu estou aqui pra te ajudar".
Estou dizendo pra mim também.

E eu consigo.

No meio de todo esse caos,
tantas batalhas perdidas,
tanto pra ganhar e tanto pra perder:
só preciso fazer força.
Prender a respiração e empurrar, com força, força que nem sei de onde sai.
Mas dá.
É o suficiente, aquele tantinho que serve pra gente chegar lá,
se conhecer,
se reconhecer.

- Não sei se te contaram, mas eu vou contar: vai doer. Vai doer. Não é como nos filmes. Você vai sentir muita dor, vai achar que não tem mais forças, que vai desmaiar a qualquer instante, que não vai conseguir. Mas você consegue. Você consegue fazer qualquer coisa. Preciso que você se lembre disso, ok? Você consegue fazer qualquer coisa.

Preciso que se lembre disso.

Ok?