44x13 You don't know Jack

Imagem: TingTing Huang

deus, sua boca tem um gosto tão bom nos meus sonhos.
It tastes so good
Quero te rasgar em pedaços com minha boca.

Acordo com vontade de beijar,
beijar sua boca,
sem me importar com as convenções sociais.

Talvez não seja sobre você,
mas é você, de qualquer forma.

A vontade,
intensa,
cortante,
meu esterno sente falta do seu.

Sente falta  dessa coisa que todo mundo quer:
Que nos queiram, antes mesmo de nos conhecerem.
Incondicionalmente, impulsivamente, da forma mais egoísta possível.

Hurricanes
Earthquakes
Thunderstorms

Meu coração bate na goela porque tá todo mundo olhando,
todo mundo pode ver,
mas eu não posso evitar.

E é assustador,
extremamente assustador que um grupo de pessoas tão louco
viva dentro de uma só,
dizendo verdades
que a boca não quer dizer
e a cabeça não quer ouvir.

Verdades que as músicas dizem
os filmes
o sangue e
os olhos no espelho.

"Vocês não sabem de nada",
ela diz.

Mas não tem ninguém,
ela está sozinha,
segura,

a salvo de seus próprios pensamentos.

44x12 Unattainable

Imagem: TingTing Huang

(Um aviso: não é pessoal. Se eu não colocasse isso no papel, enlouqueceria. Eu juro, eu acho, não é pessoal)

Você se lembra daquela tarde, daqui a uns 30 anos, nós dois mais velhos, mais sensatos (ou menos), almoço em um café - talvez eu finalmente peça uma salada, talvez eu esteja preocupada com minha própria mortalidade, minha beleza, meu cabelo, as rugas sob meus olhos, uma aplicação de botox.

E você? Cabelos rarefeitos, umas entradas, cabelos brancos, não te imagino ganhando peso, fumando, pulando a entrada.

Você se lembra daquela noite, um milhão de anos atrás, ou daqui a um milhão de anos. O silêncio, as luzes e esta coisa, cujo nome me escapa agora, porque meu cérebro já não é o mesmo, eu não sou a mesma, mas
ainda assim
apesar de tudo de que não em lembro,
eu me lembro de você, uma proteína qualquer, estímulo elétrico, íons que entram e saem e caminham, e sangue ou um pedaço de substância negra, cinzenta, branca, uma meleca grosseira que dá contorno ao seu rosto onde quer que eu vá. Posso amar você sem te amar?

Você checa o relógio. É tarde, no seu fuso horário. Mas, ainda assim, você está acordado.
Esperando.
Esperando pelo quê?
Assustado.
Você sente medo, e nem sabe do quê, nunca vai saber.
Não te assusta não saber?
Não te assusta passar a vida inteira olhando as luzes pela janela sem entender o porquê, ou se poderia ser diferente?

O telefone toca.
É ela.
Ela. Ela quem?
Você não consegue se lembrar. Era pra ser alguém, alguém importante. Era pra você atender. Era pro seu coração bater mais forte, era pra ser diferente de todo o resto, de todas as outras, era pra ser bom, era pra ser incrível e arrebatador, mas
Você não atende.
Deixa tocar.

Tá confuso.
As palavras que ela diz não fazem sentido.
- O que você quer de mim?
Mas você não pergunta.
Ela quer você.
Ela só quer você, inteiro, cada centímetro do seu corpo, entender sua mente e conhecer seus segredos, mas é mais complexo do que isso.
Então você fica em silêncio.

É agora.
Agora ou nunca,
o que você tá esperando?
Você pode fazer isso.
E você sabe que pode
mas você não pode.
Tem algo de errado na cena final do filme.
A música, a luz, o local, o timing. Tudo confere.
Ela é o problema.
Ela simplesmente não está
disponível.
É algo no tom esganiçado da voz, o tremor leve dos dedos inquietos,
e você quer pedir que ela se acalme, pra que você possa pensar, mas ela voa.

E tudo bem.
Certo?
Normal.

Mas estranho, tão estranho.
Ele acorda, suado, sem saber que horas são.
Pega pão, café, um pedaço de queijo e olha pela janela.
Ela sabe.
Todo mundo sabe.
Mas ela
será que ela sabe?

Lavo o rosto,
bebo meia garrafa de água em um gole só,
e me passa pela cabeça dizer algo.
Ignoro a ideia quase que imediatamente.
Há tempo de sobra.

Abro uma fresta na cortina, e a luz entra, machuca meus olhos desacostumados.
Tem uma mulher na janela, estendendo as roupas no varal.

Há tempo de sobra.

Cubro as frestas,
deito na cama e volto a dormir, a sonhar.

Há tempo de sobra.

44x11 Radio

Imagem: TingTing Huang

- Quero um anel mágico, que me faça viver pra sempre, ela diz, baixinho.

Olho para os meus próprios dedos - velhos, enrugados, manchados, tortos.

- Você vai morrer, - sussurra a voz das células que flutuam, despertas - porque não pode nos conter.
E eu ouço.
Ouço os ossos rangendo, abrindo caminho, ouço-as roendo, roendo, tentando perfurar.
Elas querem viver dentro de você, através de você, por você, com você, mas você não deixa.

Então elas tentam viver ao invés de você. Se escondem nas suas veias, cochicham entre si, pra que você não as encontre até o último segundo.

Elas veem pelos seus olhos, se alimentam pela sua boca pequena que beija e canta, elas comem tudo, famintas, vorazes, sedentas, até não sobrar mais nada. Até sobrar só você. Então, chega a sua vez.

A vez dos seus sonhos, esperanças, gemidos e de cada sensação, exceto a dor.

Mas não se preocupe, tudo tem cura. Você só precisa de um anel mágico, que te faça viver pra sempre.

Abro minha gaveta, cheia de anéis de plástico barato, escolho um pequeno, azul celeste e dou a ela.
- Aqui. É o último.

O rosto dela se ilumina e ela me agradece várias vezes, antes de sair.

Fico só.
Levanto da cadeira, tranco a porta e choro, sem lágrimas, por uns 2 minutos, até o horário da próxima paciente.

Ela entra,

- Quero um anel mágico, que me faça viver pra sempre.

44x10 Mistletoe

Imagem: TingTing Huang

Cabeça pesada e meu corpo nas nuvens:
eu danço, pra um público que só existe na minha cabeça.

Eu em sinto-
bem.
Não acontece com frequência.

Então danço.
Dança comigo?
E eu danço comigo mesma.
Eu não preciso de ninguém.
Eu só preciso de mim.
De música.
Do escuro.

O mundo todo gira,
eu
o mundo
tão lindo, tão lindo.

Eu sou invencível.

Deito no sofá, caio no sofá, um peso enorme, vivo, pulsante,
meu coração em chamas,
e ela se senta ao meu lado, acaricia meus cabelos,
o cheiro de luz
e eu simplesmente sei que é assim que acaba
e tudo bem,
tudo bem
se estiver tudo bem

Mas as luzes giram e giram,
e eu no centro de um redemoinho de escuridão,
lembranças ruins pálidas e confusas,
minha boca, sua boca,
nossas bocas,
língua e saliva,
e

amendoim

Eu sou invencível
- invisível
- insegura
- solitária
- vazia,
ela sussurra.

Não, não
não mais
eu cresci
grew out
você não pode me atingir aqui no chão do banheiro
você não pode me alcançar na varanda
e eu não posso te ouvir sob a música e o barulho dos fogos de artifício.

E eu danço,
eu beijo,
eu rio,
eu durmo

e acordo, no meio da noite, sufocada pela sua presença,
pela sua existência,
lembranças enterradas tão fundo que eu nem sei se são mesmo lembranças

corro pra lavar o rosto,
e vejo o rosto dela no espelho, brevemente,
num lampejo
e eu reapareço.

Não tenho medo de onde as experiências me levam,
nem das lembranças,
nem de você.

Sinto que vou ter que aprender a conviver com esses momentos,
que eles vão vir à tona sempre que eu baixar a guarda,
sempre que eu tomar sorvete ou morder frutas, usar glitter.

E eu não vou parar de fazer nada disso.
Eu amo frutas,
sorvete,
glitter,
beijos e álcool e escuridão e o som das ruas de madrugada, declarações de amor e escrever no papel.

E, importante repetir, marcar várias vezes, enfatizar, gritar pelas ruas e repetir feito mantra todos os dias de manhã:

não tenho medo.

44x09 Late resolutions

Imagem: TingTing Huang

- Quem você quer ser?

Ando preocupada, inquieta, mal durmo, comendo feito louca, carente, insossa: tenho medo do futuro.

Tá chegando, tá me alcançando e eu tenho medo. Queria não ter, ser super decidida, bem organizada, planos impecáveis. Mas sou só humana.

- Quem você quer ser?

Garota do cabelo de molinhas (por enquanto), com cheirinho bom, que calça tênis e se diverte com as pessoas certas.
É, eu quero sair de casa com as pessoas certas. Gente que não precisa de tudo, nem de muito, porque nem tenho, e que entende o esforço que é socializar. Quero meus amigos, bons amigos, vinho e pizza e coxinhas. Manter perto de mim quem dá pra manter por perto.

Eu quero ser a irmã que fala o que precisa ser dito. Que abraça. Que conversa. E que brinca até mais tarde. Que leva ao parquinho e ao cinema.
Quero abraçar minha mãe. E levá-la ao médico.

Quero ir ao médico.

E quero ser médica. Uma das boas. Mas do meu jeito, nos meus limites, de acordo com os meus conceitos. Nem preto, nem branco. Cinza. Colorida. Brilhante. Cor de arco-íris.

Começar a guardar dinheiro pro meu futuro de cerca branca, filhos mestiços e cãezinhos. Dias dos pais, é. Oh, boy.

Quero ser briguenta, FIERCE, quero o que eu quero, o que eu quiser e vou fazer o que for preciso pra conseguir. Quero não ficar calada. Quero lutar com palavras e punhos.

Palavras. Quero viver com elas, pra elas, delas, por elas.

Quero ficar bem. É o mais importante agora, ficar bem, parar um segundo, vai dar tempo, sempre dá, vai dar certo, e tudo bem se não der.
Vai ficar tudo bem.

(Não sei porque insisto nisso,
mas vai ficar tudo bem.
Não sei como, não joguei tarô, nenhuma cigana me disse, mas vai ficar tudo bem. )

Exercícios. Eu acho que não quero morrer cedo. Quero ficar pra ver o fim do filme.

E é, eu posso - eu provavelmente vou - jogar no lixo muitas dessas resoluções, vou deixar pro ano que vem, de novo e de novo.
E tudo bem.

Isso é problema da B. de amanhã.
A de hoje tá aqui, decidida, otimista, de barriga cheia, casa limpa e coração quase tranquilo.

Vai ficar tudo bem.