44x12 Unattainable

Imagem: TingTing Huang

(Um aviso: não é pessoal. Se eu não colocasse isso no papel, enlouqueceria. Eu juro, eu acho, não é pessoal)

Você se lembra daquela tarde, daqui a uns 30 anos, nós dois mais velhos, mais sensatos (ou menos), almoço em um café - talvez eu finalmente peça uma salada, talvez eu esteja preocupada com minha própria mortalidade, minha beleza, meu cabelo, as rugas sob meus olhos, uma aplicação de botox.

E você? Cabelos rarefeitos, umas entradas, cabelos brancos, não te imagino ganhando peso, fumando, pulando a entrada.

Você se lembra daquela noite, um milhão de anos atrás, ou daqui a um milhão de anos. O silêncio, as luzes e esta coisa, cujo nome me escapa agora, porque meu cérebro já não é o mesmo, eu não sou a mesma, mas
ainda assim
apesar de tudo de que não em lembro,
eu me lembro de você, uma proteína qualquer, estímulo elétrico, íons que entram e saem e caminham, e sangue ou um pedaço de substância negra, cinzenta, branca, uma meleca grosseira que dá contorno ao seu rosto onde quer que eu vá. Posso amar você sem te amar?

Você checa o relógio. É tarde, no seu fuso horário. Mas, ainda assim, você está acordado.
Esperando.
Esperando pelo quê?
Assustado.
Você sente medo, e nem sabe do quê, nunca vai saber.
Não te assusta não saber?
Não te assusta passar a vida inteira olhando as luzes pela janela sem entender o porquê, ou se poderia ser diferente?

O telefone toca.
É ela.
Ela. Ela quem?
Você não consegue se lembrar. Era pra ser alguém, alguém importante. Era pra você atender. Era pro seu coração bater mais forte, era pra ser diferente de todo o resto, de todas as outras, era pra ser bom, era pra ser incrível e arrebatador, mas
Você não atende.
Deixa tocar.

Tá confuso.
As palavras que ela diz não fazem sentido.
- O que você quer de mim?
Mas você não pergunta.
Ela quer você.
Ela só quer você, inteiro, cada centímetro do seu corpo, entender sua mente e conhecer seus segredos, mas é mais complexo do que isso.
Então você fica em silêncio.

É agora.
Agora ou nunca,
o que você tá esperando?
Você pode fazer isso.
E você sabe que pode
mas você não pode.
Tem algo de errado na cena final do filme.
A música, a luz, o local, o timing. Tudo confere.
Ela é o problema.
Ela simplesmente não está
disponível.
É algo no tom esganiçado da voz, o tremor leve dos dedos inquietos,
e você quer pedir que ela se acalme, pra que você possa pensar, mas ela voa.

E tudo bem.
Certo?
Normal.

Mas estranho, tão estranho.
Ele acorda, suado, sem saber que horas são.
Pega pão, café, um pedaço de queijo e olha pela janela.
Ela sabe.
Todo mundo sabe.
Mas ela
será que ela sabe?

Lavo o rosto,
bebo meia garrafa de água em um gole só,
e me passa pela cabeça dizer algo.
Ignoro a ideia quase que imediatamente.
Há tempo de sobra.

Abro uma fresta na cortina, e a luz entra, machuca meus olhos desacostumados.
Tem uma mulher na janela, estendendo as roupas no varal.

Há tempo de sobra.

Cubro as frestas,
deito na cama e volto a dormir, a sonhar.

Há tempo de sobra.

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