44x20 Lungs

Imagem: TingTing Huang

Ele acorda, finalmente, depois de um sono de mil anos.
Vive.
As luzes cegam, e ele nasce, no dia de seu nome, que só a morte sabe por completo.
O 1º dia se confunde com o último, a fusão de um círculo e ele sabe demais, ele sabe de tudo, ele conhece o rosto de Deus, ele chora, lamenta forte e confuso, assustado com a dor e a compressão, grita, gorgoleja, os pulmões úmidos derramam dores milenares com gosto amargo.

Ele fareja o ar, mas é difícil respirar, tão frio, então ele segue o calor da mãe e as batidas do seu coração. Essa língua ele já consegue entender.

Mas então, eles o tiram dela, mais uma vez, e calor, mãos que desnudam e exploram, sem pedir permissão, um mundo de cores, vozes, calores, toques, e ele acabou de chegar, ele acabou de entender a razão de estar aqui, é muito.

Tenta respirar, mas é tão difícil, por que é tão difícil?
Exausto, faminto, pede, grita, "deixem-me comer", mas eles não compreendem. Ele procura o coração da mãe na própria barriga, mas não sente nada. Não tem mais nada lá onde ela costumava estar. Só nada.

Tanto espaço aberto, ele estica os pés, devagar, e agora os cheiros começam a surgir, coloridos, e ele se assusta, espirra, o frio provoca soluços e ele se percebe só, frágil.

Mas e agora?

Ele sente o próprio coração bater, sozinho, assustado, pulmões que antes não faziam sentido marchando errado, ele respira sem saber como e quanto, para e volta, o ar o assusta, tudo fluindo, o medo, a fome, a dor, alegria, tristeza, derramando, indo e vindo em ondas enormes, um maremoto, a frustração, a raiva, o ódio, as lembranças do que veio o que será e do que foi, o amor, saudade, o sono, o esquecimento,
ele chora
de vontade.

Alguém finalmente escuta, lhe dá colo, desajeitado, e o coloca no lugar certo.

Ah
a linguagem antiga e sussurrada, a poesia e a beleza, uma cantiga de ninar da pré e  pós carga, a conversa entre o sangue e as veias da mãe, ele está em casa novamente.

A mãe encosta algo em sua boca e ele, de forma incontrolável, como um imperativo de sobrevivência, abre a boca e suga, desajeitado.
A mãe sente dor, ele sente dor, não sabe ao certo o que fazer, só sabe que é a única forma de voltar pra ela, de voltar a ser ela, de voltar pra dentro dela.

Ele respira, nervoso, frustrado por não saber mais de tudo e chora, de novo. Ela murmura, mas ele não entende, ele ainda não pode entender o que ela diz.
Mas então, como mágica, ele sente o gosto doce da mãe e simplesmente entende.
Suga, desesperado, depois tranquilo.

Eles encontraram um jeito de se tornarem um só novamente e ele finalmente descansa, e sonha, com a certeza de que tudo vai ser como antes.
Algo, talvez o último resquício de sabedoria milenar, lhe diz que não, nada nunca será como antes,

mas ele ignora, esquece, mama e dorme.

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