Imagem: TingTing Huang
De dentro do redemoinho que chamo de lar, eu observo a chuva que inunda a casa, enche de lama, sujeira nova e antiga, traz coisas para dentro que eu não via há muito tempo. Coisas que um muro, um telhado, impediriam de entrar.
Junto tijolos, cimento, o que quer que seja preciso, e começo uma obra que finalmente pretendo acabar.
Um tijolo e mais outro.
Às vezes, a chuva vem e derruba tudo - ou quase tudo.
Concentrada, forte, firme, eu começo todo dia com vontade de não terminá-lo, com vontade de acabar, evaporar, desaparecer, antes de precisar terminar.
Mas não paro. Todo dia, eu tento um pouquinho mais, mais alto.
Às vezes, até parece que vivo só pra construir o muro. E ele fica cada dia mais alto, ultrapassa a minha pouca altura. Sólido, muito mais sólido e estável do que todos os meus relacionamentos, ele se ergue, se impõe.
Meu muro, minha Torre de Babel.
Tento falar com você daqui, Píramo, meu amor, mas eu não deixei nenhuma fresta pra trás.
Continuo construindo, tapando a luz que vem de fora, contendo, aqui dentro, a chama que é só minha. Só pra mim. E abafando os ruídos dos seus gritos, do seu sangue, dos seus desejos absurdos.
Termino, exausta, a minha construção perfeita, minha obra de arte, meu refúgio.
Sem possibilidade de invasão, minha muralha.
Nada entra,
mas nada sai.
Por um tempo, parece bom.
Ideal, até.
Mas aí, começo a sentir calor, falta de ar.
Sinto como se fosse impossível respirar, preciso respirar.
Preciso de ar, preciso de luz.
Preciso de espaço, preciso sair.
Aliso o muro, meu muro perfeito, erguido com todo o amor, todo o afinco...
E eu sei
o que preciso fazer.
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