13x16 O significado das palavras que você não disse

Imagem: JamesCalder

Fiquei zangada com você.
Custei a admití-lo pra mim mesma porque me zangar significava que você ainda me fazia sentir algo.
Fiquei inquieta, ansiosa por destrancar a cela onde te guardo, esperanddo te encontrar morto, putrefato e vomitar por causa do cheiro, me aliviar.
E você lá vivo. Fraco, um arremedo daquele sonho imponente, mas vivo.
Delirava, chamando por um tal barril de amontillado.
Desatei os nós que rasgavam seus pulsos e tornozelos, te deitei no chão.
Me irritei com a tua humanidade. Com teus pulmões a espirar, teus dedos gelados, tuas costelas, teus cabelos, tuas cicatrizes de criança, teus cílios.
"Eu não quero morrer", você disse.
E eu quis que você morresse, eu quis te matar tantas vezes.
Eu te matei tantas vezes, Rasputin.
Mas você não morre, você não morre.
Temo que, se morresse, voltaria pra me assombrar.

13x15 Ok, human

Imagem: JamesCalder

Tô ficando velha, tô ficando obsoleta.
Tô ficando espalhafatosa, risível.
Risonha, sociável, passável.
Deplorável, cômica, otimista, gorda, deprimida, cega, anêmica, resfriada, louca, burra, esperta, suja, fresca, menor, impaciente, honesta, irresponsável, reprimida, tresloucada, amarga, gentil, dentuça, doente, sozinha, ansiosa.

Tô ficando assim, humana.
Vou tomar umas injeções pra ver se passa.

13x14 Broken Little Sister

Imagem: JamesCalder

Se você apenas soubesse de toda a verdade,
de todas as mentiras encobertas
pelo silêncio e pelas piadas.

Se soubesse sobre os bilhetes,
os tapas,
os hematomas.

Se soubesse sobre a demorada
e desesperada busca
por uma faca serrilhada.

Se soubesse dos ruídos
e da vergonha.

Se soubesse da raiva
e de cabelos escuros.

Se soubesse de tudo o que há
para saber,
você seria
igualzinha a mim.

E isso eu nunca vou permitir.

Tape os ouvidos, por favor.

13x13 Another turning point

Imagem: JamesCalder

Vestibular.
Já perdi a conta de quantos.
Já deixei de me perguntar se poderia estar acertando tudo.
Já perdi.
Ainda não me cansei de tentar, disso eu sei. Fossem 1000 dias, eu tentaria todos.
É a espera que me entristece. O intervalo tétrico entre o dia da prova e o resultado catastrófico, pontuado por esperanças sombrias, palavras otimistas e um desespero latente e corrosivo que incapacita todos os atos possíveis que contenham alguma felicidade despida de amargura.

Deixe estar A-B-C-D, vou F ou E, Tipo D, 089.
Uma hora o futuro chega, me puxa pela mão ou pelos cabelos e vamos correndo pelo caminho certo.

13x12 Back to december

Imagem: JamesCalder 

Tudo de volta aos seus lugares: Augusto devidamente convidado a se retirar - "Não daria certo mesmo" -, acordei tarde.
Fiquei pronta pra me desapontar, pra ficar sozinha, pra ser ignorada.
Mas, ah, lá estava ele.
Confesso que senti falta, que meu coração falhou por um instante.
Fiquei tão feliz por poder vê-lo que nem me preocupei com aquelas regras milenares sobre não olhá-lo descaradamente.
Como bônus, fomos juntos. E eu, tola e feliz na minha feiúra, até mes esqueci de como sou feia, de abaixar a cabeça e suspirar.
Olhei mesmo, mas nem tanto - desviava o olhar quando ele se virava. E sorria, sem me importar, queria que ele visse, que sorrisse junto.
Aí entrou no ônibus uma garota bonita que olhou pra ele - os dois bonitos e eu feia.
Me dei conta de novo da minha própria feiúra e abaixei a cabeça até que ele foi embora.

Não importa qie Augusto tenha ido embora. Não aprendi nada, sou a mesma pessoa que era antes de ele chegar.
Talvez até pior.

13x11 She & Him

Imagem: JamesCalder

Preparava-me para o banho.
Cobri os cabelos com uma touca e cobri a touca com minha camiseta, me olhando no espelho enquanto o fazia.
Eu B. me olhava, mas um menino é que me olhava de volta. Isso mesmo, um menino de olhos grandes, bochechudo: eu.
"Cadê meus olhos, cadê minha boca de menina?", pensei. Depois de tampado o cabelo, eu tinha perdido a minha identidade feminina.
Apertei os seios com força, como se fossem fugir, mas eles não tinham significado.
Quem me conhece melhor do que o espelho? Se ele diz que sou um menino, um homem, então eu sou.
Com um arrepio, soltei meu cabelo - ensebado pela quantidade indecente de creme - e fiquei sorrindo, buscando a feminilidade nos olhos, na boca.
Me reconheci e respirei aliviada. Depois senti o coração murchar ao pensar que Alex deve ter sentido o mesmo quando lhe roubei os cabelos.

Tomei sua identidade.

13x10 La muerte en regreso

Imagem: Saffanna

- Você tá morta, ela cutuca meu rosto com sua gorducha mão infantil.
Apalpo meu rosto, pescoço.
- Não tô, não.

O ônibus - double decker bus - veio pra cima de nós tão rápido, cego sob a chuva torrencial. E nós, pequenos insetos guiados por um míope e consciencioso inseto não pudemos contê-lo.
Newton pode dizer o que quiser sobre ação e reação, mas a coisa toda é injusta.
Uma centopéia serpenteava no banco, os sonhos e as patas protegidos da chuva; o futuro, a vida, talvez Otto inteiros pela frente, duas ou três palavras e risadas a caminho da boca quando o ônibus bateu em cheio na lateral do carro, levando vidro, plástico, segurança.
O grilo míope ajeita o volante e lá vamos nós, felizes e vivos sob a chuva. "Opa", ele cricrila.
A centopéia ri, histérica. Ela sabe que é sorte, que é mais do que "opa".
A centopéia sabe que, quando chove, os pneus não tocam o chão.

13x09 Mad-Eleine

Imagem: icantgetanoriginalid

- Tive um sonho muito estranho essa noite.
Ele olhou pra mim, como se fosse adiantar.
- Mesmo? - perguntei, com uma tênue dose de interesse e uma dose cavalar de descaso - Como assim?
Ele não se tocou.
- Foi um sonho dferente, não parecia sonho. Parecia... Ahm, parecia...
"Uma amostra", pensei.
Uma amostra do que a gente poderia ser se ficássemos juntos. Das noites entre estrelas, cochichos e risinhos, potes de sorvete e pontas dos dedos. Do frio de dezembro, das brigas e do nosso primeiro filho.
- Parecia real, possível, entende? - Ele passou os dedos por entre os cabelos e me encarou, ansioso.
Tivemos o mesmo sonho, se é que foi um sonho.
E eu fui tão feliz com ele. Pensar que todos os meus dias poderiam ser assim...
Olhei bem pr'aqueles olhões, pura expectativa e um pouco de medo.
- É coisa da sua cabeça.
Os olhos dele se estreitaram e eu temi que ele explodisse  e me contasse sobre o sonho.
- Você tem razão. Foi só um sonho.

13x08 Watcher

Imagem: JamesCalder

"Ele não vem, é cedo demais"
Eu sei disso. Sabia quando acordei, sabia enquanto me vestia pra ele, enquanto me penteava.
Sabia enquanto lia, enquanto caminhava. Sabia que ele não viria, mas esperava que viesse.
Esperava vê-lo e, magicamente, voltar a amá-lo, como deve ser.
Mas ele não vem e eu sinto que, em alguma dessas janelas, sentado na beira da cama, pronto pra sair, ele encara o próprio relógio, esperando que eu vá embora.

13x07 Smoke & Mirrors

Imagem: whatmeworry101

Não foi isso o que eu pedi.
(Se chama efeito borboleta, creio. Ou karma, sei lá.)

Otto desapareceu, simplesmente. Sentia falta dele no início, mas nem tanta. Vai ver não é mesmo amor. Vai ver não era.
Se acabou, não sei. De certa forma, todas as sensações relacionadas a ele me parecem distantes, desfocadas. Parecem ter vazado de algum lugar e se misturado com minha raiva, com meus sentimentos sobre todo o resto.
Tudo me parece ilusório, um jogo de fumaça e espelhos que ocasionei, com minha mania de planejar tudo.
Lennon sabia das coisas: "A vida é o que acontece enquanto fazemos planos".

Pois é.

13x06 Foundations

Imagem: thewebprincess

"Eu não sei.
Eu não sei o que está acontecendo com a gente, mas não me deixa ir embora de novo".
Estamos sentados no chão, com jeito de jogo do siso.
Mas eu só tô tentando achar a vontade de mim nos seus olhos.
Seguro seu rosto entre as mãos e você só me olha, vazio, parado, como sempre foi.
Não podia mesmo durar, mas eu esperava mais da gente.
Enfio os dedos na sua boca, checo seus dentes, gengivas, e você nada, silêncio.
Te puxo os cabelos, beijo o topo da tua cabeça cheirosa, vamos esquecer toda essa história, esquece tudo o que eu disse e fiz.
E ele pedra, e eu, por incrível que pareça, vida pura. Beijo seus dedos, ombros, orelhas, olhos.
Meu celular toda (Moves like Jagger) e o visor grita que é Augusto, que tá na hora de seguir em frente, enterrar Otto de vez.
Acaricio sua cabeça, "tenho que ir".
Beijo sua testa, seus olhos - mis ojos -, sua boca.
O leve encostar de lábios toma proporções maiores, um beijo de verdade, pelo qual me deixo levar, pelo qual teria ficado se ele não me mordesse.
Mordeu meu lábio inferior com força, rasgando o canto, fazendo sangrar.
Me desvencilho, confusa, entre brasa e raiva, gosto de ferro e abacaxi na boca, sem saber se mereci ou não.
Quero sair batendo portas e cuspindo palavrões mas as pernas fraquejam - como sempre, as malditas - e eu caio perto da porta, chorando minha sorte e meu lábio.
Chorando uma puta tristeza mundial da qual não quero mais ser vítima nem algoz.
Choro eu, choro você, os homens bomba, as crianças famintas e os bebês órfãos. Choro hecatombes, destinos e pessoas indefesas.
Vou embora, decidida a nunca mais te ver.

Se soubesse que a saudade seria tão pior do que tudo o que houve, teria te deixado me sangrar até o fim.

13x05 Glauco e Sila

Imagem: jernie

- Cabelo legal. Bem rockstar. - eu citei, como se fosse eu a morrer.
- O teu também. Nunca tinha te visto assim. Gostei.

Chamei-o para deitar numa poça d'água com cheiro de desinfetante, meu former lover.
- Pra quê toda essa água?
- É que foi assim que você morreu, dessa vez.

Ele me belisca o braço, não sei se ouviu o que eu disse. Passo a mão no seu cabelo azul, está um pouco duro. Lucky blue, eu deveria saber.
- Desculpa, não era pra ser assim.
Ele lambe meu rosto - queixo, bochecha, olhos. - Você tem gosto de chuva.
Rio gostoso da situação inusitada.
- É sempre assim quando a gente vai embora? Tudo cheira tão bem...
Me sento, tensa. - Eu tenho que ir.
Ele se senta também e apoia o queixo no joelho dobrado. - Posso ir com você?
Sacudo a cabeça, beijo sua bochecha, seu joelho.
- Eu volto, sussurro em seu ouvido.

Atrás de mim, os dedos cruzados. Não sei se menti, não sei mesmo. Comigo, nunca se sabe.

13x04 O médico e o monstro

Imagem: daexus

Ele me perguntou o porquê dos meus sumiços. Abri a boca pra dizer um bilhão de mentiras, mas não saía nada. porque uma puta vontade de dizer a verdade me paralizava.
"Eu estou apaixonada por você. Já sei o que você vai dizer, que isso é normal. Eu sei, já li sobre isso.
Mas é normal pra pessoas normais, e eu não sou uma delas.
Como é que eu posso continuar vindo aqui te contar meus problemas quando essa é a última coisa em que eu penso quando te vejo? Aliás, eu penso em você o tempo todo. Me diz que, pra isso, você tem cura, doutor.
Isso me irrita porque, poxa, um mês atrás eu dormia e acordava com o nome de Otto na boca, jurando que era amor.
Era impossível, eu e Otto, mas nem tanto quanto isso de nós dois, não só pela idade e todos os empecilhos sociais, mas porque você sabe quem eu sou.
E, quem, se tivesse escolha, optaria pelo monstro?"

- Tenho estado ocupada, doutor.

13x03 Persuasion

Imagem: JamesCalder (Vale a pena checar o link. Adorei as fotos dele)

- Oi, B.

Jack. Eu estive tentando manter distância, não dá. Estamos sempre tropeçando nos passos um do outro, esbarrando naquelas lembranças da única noite que foi só nossa.
Já falamos sobre isso, tantas e tantas vezes, e eu disse que não te amava, mesmo te amando desse meu jeito torto e você disse que tudo bem.
Vai ver, um dia a gente acorda e isso passou. Vai ver um dia você encontra uma dessas garotas perfeitas que diz a coisa certa e que gosta do seu jeito tanto quanto você merece.
Ou, vai ver, a gente acorda e é a hora certa, a hora de eu ser sua.
Mas é que a gente só se encontra nos momentos errados, pelos motivos errados e acaba fazendo - naturalmente - tudo errado.
E eu vou amando você, mas nem sempre; E você me amando, mas lentamente e, quem sabe, a gente não se encontra em algum ponto?
Quem sabe isso passa, como tudo na vida, antes que eu estrague.

13x02 My precious

Imagem: JamesCalder

- Você não tem usado o anel. Não gosta dele?
Ele puxou o anel do meu dedo, procurando por uma marca clara nele.
- Tenho medo de que seja roubado, quebre. E você sabe que eu perco as coisas com facilidade. Mesmo as mais importantes.
- Não é tão chamativo assim, pra ser roubado.

Realmente não é. Quando soube do anel, logo pensei que fosse algo grande e horroroso, bastante significativo.
Mas ele me surpreendeu. Era simples, só um aro e uma pedra, nada de nomes ou símbolos. "É você", ele disse, na época.
E eu amo aquele anel, eu o amo todos os dias, todas as dezenas de vezes que olho pra ele. Eu amo a ideia de que você me defina tão bem, de que ele seja tão eu, mas...
- Eu tenho que ir agora. Pode ir pra casa com o Otto?
Olho pra Otto, sério, encarando as pinturas. Meu coração pesa, subitamente.
"Não uso o anel porque detesto o que ele representa. Não detesto o anel, é esse simbolismo ridículo que me assusta."
- Posso, claro. A gente se vê amanhã.

13x01 Lucky blue

Imagem: Taís Toti


Achei uma moeda, peguei - não se recusa dinheiro achado.
No horóscopo, dia bom.
Uma peça de roupa velha, pra ajudar com Murphy.
Tênis da sorte nos pés, perfume da sorte.
Faço figa na rua, cumprimento pombos - por falta de pegas.
Me desvio de escadas e de rachaduras na calçada.
É hoje o dia, já posso me ver esbarrando com você ou você me pergunta algo ou diz logo que me ama - quem sabe?
Mas chego lá e você não está. Passo a manhã deprimida.
Resolvo não ir pra casa direto, vou no mercado - fila gigante -, na lan house - mas que rápida a internet hoje! Vou saindo, vejo uma caixinha bonita - não vou comprar, mas olho assim mesmo, me dá vontade. Demoro bem uns 15 minutos olhando, meu estômago ronca, tenho que ir.
Quando piso na porta, enxergo, lá do outro lado da rua uma camiseta azul - sempre chama a minha atenção -, uns braços e uns cabelos inconfundíveis.
Caio na risada. Rio do dia completamente atípico, da caixa do supermercado, do Google chrome, do meu primo, de Berenice, tudo o que me atrasou o suficiente pra que eu te visse.
Saio correndo, atravessando a rua e vou pra casa, sem passar por ele. Deixe estar a sorte, deixe estar o destino. Não vou abusar. Hoje.

12x21 Sh'muel (Season finale)


Imagem: DJMcCrady

Assim como veio, ele deve ir.
Pois do pó vieste, e ao pó retornarás.
 
Eu quero saber. Saber se você está aí.
Oi.
Eu tenho um milhão de beijos guardados pra você, aqueles que faltaram nesses últimos anos.
Eu tenho desculpas que eu queria que você ouvisse. 
Um te amo sincero, pensado e pesado.
Tem mágoa guardada, mas já está vencida. Ela se afogou no tempo espesso.
Tenho perguntas que não pretendo fazer, perguntas que não importam.
Tem muita culpa, muita. Litros e caixas. 
Eu espero que você tenha me perdoado, que saiba que eu fiz o que achei que deveria fazer.
Eu sinto muito por nós todos, pelo que fomos e pelo que nos tornamos.

Eu só não sinto saudade, nunca senti. 
Mas era só te ver pra me dar conta de que eu tinha feito um esforço sobre-humano pra ficar longe de você.

Eu vou me sentir assim de novo um dia. 
No dia em que nos encontrarmos de novo, pai.
Obrigada por ter me amado desde o início. Me desculpe se eu não soube corresponder, me desculpe se eu não soube. Um dia eu vou aprender e vou te compensar. 
Eu vou, papai, acredite, como você sempre fez.

12x20 Pré-parto

Imagem: abbamouse  (Nesse link você encontra imagens atuais da Emily, essa manchinha adorável de apenas 12 semanas no ultrassom ao lado. Ela é linda. E perfeita.)

- Mamãe?
Fico segurando a porta, apavorada.
- Mamãe?
É o meu filho lá fora. Reconheço a sua voz, assustada e ansiosa, reconheceria essa voz em qualquer ocasião - a vz da minha vida pedindo que eu não vá embora.
Ele tenta girar a maçaneta e eu a seguro com força. Não quero olhar pra ele, não quero checar se ele é do jeito que eu sonhei, nem contar seus dedos, nem acariciar seus cabelos.
- Mãe?, choraminga baixinho.
Eu não posso vê-lo, ele é a única coisa que pode me fazer ficar. Nem os livros, nem as ideias, nem as pessoas, nem mesmo Otto tem esse poder. Essa pessoa pequenina é a única que pode me convencer. Não é só uma pessoa, é uma promessa.
- Mamãe, mãe, mãe. Ele bate na porta, manso.
Não vou abrir, não vou abrir...
Abro.
Um bolinho de cabelo preto e nariz sujo se encolhe no canto da porta. Pego-o no colo e nino-o, afago-o. Conto seus dedos, várias vezes, suas pintinhas, seus olhos escuros, suas costelinhas delicadas, suas falanginhas e omoplatas. Ficamos ali, os dois fungando e cochichando durante horas.

Quando acordei, cabeça encostada no vidro do ônibus, Brasília me encarava, entre ansiosa e grave.
- Me dê meus livros, liberte seus reféns: digo que fico.

12x19 The magnificent six

Imagem: MrUllmi

Dylan me apertou os pulsos, gritou e cuspiu, enquanto June assistia, bestializada. "Não, Dylan", eu disse.
Veio Annabelle, louca e avoada de amor e sabedoria infantil, me trazendo pedras e pedaços de pau. "Não, Annabelle", eu disse.
Vieram Ade e Jake, espertos e ladinos. Me fizeram perguntas, argumentaram: "Não, Ade. Não, Jake".
Eles pediram, gritaram e imploraram. "Não", eu disse - o coração ardia e os olhos diziam sim. Mas não, eu não podia mais salvar ninguém.
Veio Eden, não disse nada. "Não adianta, Eden", eu disse.
Evitei olhar seus braços e pernas cortados, seu rosto pálido.
"Você não sabe de nada, só finge", ela disse, "Nem sabe mais quem eu sou."
Fiquei digerindo o que ela havia acabdo de dizer por um bom tempo. Não fazia diferença, eu estava decidida a ir embora.
Mas ela se levantou contra mim, mesmo sabendo disso: "Eu não vou embora pela metade".

Ela talvez não tenha compreendido na época, mas metade ainda era muito, se comparado ao que eu estava levando. Eu só tinha migalhas.

12x18 Não fosse

Imagem: Pink Ponk

Me diga o que você faria se o amanhã não existisse. Se pá, me diga como seria o amanhã se o hoje se repetisse.
Me diga se acordaria cedo e se arrumaria direito. Se colocaria aquele seu vestido e seus tênis da sorte.
Me diga se correria até o lugar de sempre e esperaria.
Me diga se você o veria, se seu arcabouço vibraria de felicidade.
Me diga se você diria a si mesma algumas palavras de encorajamento.
Me diga quantos passos até ele.
Me diga a sua mão estendida, as pontas dos dedos quase tocando-lhe o ombro.
Me diga o cheiro dele, me diga a sua altura e a cor de suas roupas.
Me diga sua mão abaixando e ele indo embora.
Me diga mais essa chance perdida e um dos beijos e vulcões desperdiçado em meio à covardia.

Não fosse o amanhã, meu hoje ainda seria ontem.

12x17 Cruel mistress

Imagem: Pink Ponk

Aviso: Aconteceram muitas coisas nessa época, algumas das quais nem sequer consigo me lembrar. Apenas as consequências desses eventos foram registradas nesse e nos posts seguintes.

Pedi permissão pra ir embora, mera formalidade.
Ela disse "Pode ir, mas deixe tudo o que eu te dei".
Deixo livros amados, lembranças rasas, cadáveres. "Já vou indo", aviso.
Ela sorri, os cabelos em chama, olhos brilhando: "Deixe tudo". Tudo. A voz dela transborda excitação.
Demoro a compreender, mas nem tanto: "Otto?"
Ela arreganha os dentes e os olhos ficam negros e lustrosos: "E Annabel, e Ulrika, e Gideon, Eddie..."
Fraquejo internamente, não quero deixar tanto pra trás. Mas ela não tem que saber disso.
"Muito bem", digo.
Ela batuca a mesa com suas unhas de granito, sem demonstrar emoção alguma. 
"Muito bem. Pode ir quando desejar".

Quem me dera fosse simples assim.

12x16 Navegar e dormir

Imagem: Pink Ponk

Nome de Otto em mãos, comecei a vagar em desasossego.
Pílulas e pílulas não me apagavam da mente as 3 sílabas e a voz de sorriso.
Preguei os olhos duas ou três vezes pra ter pesadelos com gypsies, Sofia e Berenice.
Sem dormir, fui escrever e desenhar nos azulejos do banheiro, fui me distrair no pó das estantes de uma biblioteca particular.
A busca incansável por um pensamento linear ou, ao menos, por pensamento nenhum, resultou em um bolo na garganta, amídalas em carne viva, febre alta e delírios.
Querem me aleijar, tirar minhas amídalas que nunca sentiram seu gosto.
Adoeço, pescoço duro, dizem que é meningite.
Digo que não, tô somatizando a dor da saudade de não saber seu nome, de você ser só mais um futuro improvável sem rótulos.
Levo bronca do doutor: deveria ter me vacinado contra paixonites. Curar a última, Deus sabe, foi um suplício.