Imagem: Acervo pessoal (foto por B. R.)
- Não se mexa.
Ele estendeu o braço e os últimos dias pareceram convergir para aquele exato momento.
Tentei não tremer de medo, de ansiedade, dele.
- Tô pronta.
Mas não estava. Ela me disse "Não é assim, você tem que ficar de frente pra ele" e eu engoli em seco: não estava pronta pra você, não estava pronta pra te olhar de novo, pra não sentir vergonha e medo.
Só que era tarde demais pra voltar atrás, pra não fazer aquilo.
Fiquei de frente pra você e nos olhamos nos olhos. Talvez você não tenha sentido, só eu é que devo ter sentido aquilo, o frio na barriga, o ar pesado dificultando a minha respiração, a dor nos dedos e as pernas moles.
Fiquei confusa e triste e envergonhada por ainda estar atraída por você, de maneira que, apesar de já ter racionalizado e superado, meu corpo ainda respondia a você tão intensamente. Tudo isso num segundo, eu envergonhada e assustada, olhei pra você e
acho que você viu.
Talvez você não tenha entendido bem o que viu, talvez nunca o tenha visto antes - todo aquele pavor, aquela raiva e aquela vontade se misturando em algum lugar atrás das minhas orelhas, escorrendo pelas minhas mãos. Talvez você tenha me enxergado naquele segundo. Ouso dizer, aquilo te assustou também.
Mas já era tarde pra nós dois, então eu enfiei a agulha, devagar, e puxei, esperando sei lá o quê.
Seu sangue escuro saiu, preguiçoso, sujando as paredes do êmbolo, assoviando baixinho, de maneira que só eu pudesse ouvir.
Bolhas de ar se formaram no líquido espesso, mostrando que eu tinha cometido um erro, o sangue mostrando as verdades que eu teimava em contestar.
Pedi desculpas, retirei a agulha, agradeci, sem olhar pra você.
Não precisava mais olhar pra você, não precisava mais querer você, nem temer você. Eu tinha visto uma parte de você que elas não tinham visto, com a qual elas não tinham tido contato. Eu tinha perdido o mistério, a sede e a fome do que havia dentro de você.
Não havia mais surpresa. "Você é só humano", disse de mim, pra mim, "não pode me magoar, não pode me controlar, não pode nem me fazer gostar de você de verdade".
É só um homem, é só um menino.
Eu não tenho de que me envergonhar.
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