24x10 Politik

Imagem: TingTing Huang

Ei, não tenha medo. Eu sou o melhor pra você.
Sei exatamente o que você quer, do que precisa. Vou cuidar de você.
Vou te dar comida, o que você quiser comer. Vou matar sua sede, vou te dar o futuro que você quer ter.
Quando você sentir medo, eu vou te proteger.
Estou dizendo a verdade, eu sou o único em quem você pode confiar.
Pode sair de casa sem olhar pros lados, pode não se preocupar com as pessoas que ama.
Fique no carro madrugada afora, chorando ou rindo ou embaçando os vidros com a sua respiração. Ninguém mais vai te fazer mal.
Se você se ferir, alguém vai cuidar de você, eu me encarrego de encontrar alguém que seja gentil, que saiba o que fazer,
Nunca vou deixar que nada falte pra você, nunca.
Acredite em mim, eu sei quem você é. Quero o melhor pra você, só quero que você seja feliz. Que realize todo o seu potencial.
Você entende o que eu estou dizendo?
É só confiar em mim e eu vou te dar tudo o que você quiser. Tudo o que você precisa.
Agora vá.
Não se esqueça de confirmar.
Eu estou contando com você.

Early Cuts: The list

Imagem: TingTing Huang

Coisas para fazer antes dos 20 22

1. Conhecer alguém da internet pessoalmente. (17)
"Tocava Kings and Queens, 30 seconds to mars. Você usava sua blusa listrada, certo? E ficou apoiado no metal gelado do que quer que seja aquilo, divisória ou apoio, numa pose tão James Dean-like que até hoje acho que você ficou ensaiando aquilo antes de finalmente me avisar que tinha chegado".
2. Acabar com um amor platônico (21)
"E como é que se acaba com isso, quem é que acaba? Fui eu, com meus planos e teoremas, com minha tristeza, minha raiva, minha frustração? Foi a vida, o tempo? Foi você, sua frieza, seus sumiços? Foi ele, sua entrada repentina, seus livros do Neil Gaiman e sua playlist? Acabou, mas não sei de quem foi a culpa. Obrigada."

3. Passar 1 semana a base de sorvete e chocolate. (17)
"Fossa. Mas teve amendoim, bacon e ruffles. Muito salgadinho de churrasco. E MUITOS filmes com o Hugh Jackman"

4. Tomar banho de praia a noite.
Not yet.

5. Ter um peixe cacto e conversar com ele.
Foi divertido. Mas eu regava demais :(

6. Viajar sozinho.  (21)
Cento e poucos quilômetros contam? Porque então eu posso riscar essa. Acho que não, porque já viajei tanto de ônibus nessa vida, pra esse mesmo lugar. Mas viajar sozinha, de carro, tem seu valor. Ninguém nunca cantou "Hey Jude" tão alto dentro de um carro com os vidros fechados :D

7. Plantar uma árvore.
Not yet.

8. Publicar um livro.
Not YET. (Calma, Clarice, eu chego lá)

9. Ir à academia.
-.- Not gonna happen.

10. Ter um site. (14)
Dã.

11. Mandar flores.
Nunca mandei flores. Acho triste, mas acho lindo. Incrível. Eu recebi flores de uma amiga, durante um momento ruim. E achei lindo, incrível. Costumava pensar que era tolice, "como se flores resolvessem algo". Mas é o gesto. É lindo, é puro. Quero fazer isso por alguém.

12. Fazer terapia.
De verdade. Sentar e ouvir. Melhorar. Sem rebeldia, sem gritos, sem remédios. Sentar e ouvir. E falar a verdade, pra variar. Um dia, eu vou.

13. Ver um show da banda preferida.
Já perdi a Florence duas vezes, Não vai ter terceira.

14. Organizar uma festa a fantasia.
Ou uma festa, qualquer coisa. Tenho uma ambição secreta de ser uma dessas Martha Stewarts da vida. Um dia.

15. Ver o sol de pôr.
Quase. Cheguei atrasada demais.

16. Ver o sol nascer.
Isso sim me interessa. Eu queria muito só sentar e ver o sol nascer, me espreguiçar toda e pensar "Uau, ainda tenho um dia todo pela frente". Ainda não aconteceu. Ainda.

17. Ler todos os livros que tenho.
Tenho minhas dúvidas se vai acontecer algum dia. Mas tô tentando. Juro que tô. :x

18. Fazer um curso pela internet.
Fracasso total. Comecei um sobre contos de fadas, mas não deu em nada. Muitos livros pra ler. Vocês sabem quantas histórias dos irmãos grimm existem? ARGH.

19. Sair com os amigos para um lugar diferente.
Defina diferente. Eu vi Jesus tirar um pão da cueca. Que ele me ofereceu - e eu recusei, que fique bem claro. Judas tomou energético em uma garrafa em forma de pênis. E Maria Madalena estava usando um vestido de oncinha. E uma menina de braço quebrado dançava num palco.
Sério, defina diferente.

20. Aprender a tocar um instrumento.
Ukulele!Ukulele!
E gaita, pros momentos dramáticos.

21. Nadar nua.
Eca. Not gonna happen.

22. Acampar.
De verdade? Fora de casa? Sem energia elétrica?
Not gonna happen.

23. Jogar verdade ou desafio.
Por que adultos não fazem isso?? É simplesmente a brincadeira mais legal-anos90 da vida. E eu nunca brinquei EFETIVAMENTE disso. Falhei na vida.

24. Suba num palco.
Uau. Acho que existem pouquíssimas chances de que isso aconteça.

25. Fique com um amor de infância (16)
E nunca fale sobre isso.
(Não que tenha sido ruim, foi bonito, poético. E triste. Porque ele era meu amor de infância, e só eu sentia que aquilo era uma conclusão do que tinha sido, uma espécie de "Agora que sabemos como é, vamos seguir em frente")

26. Perceba que crença e religião são coisas distintas. (19)
Perceba que fé, às vezes, é suficiente.

27. Aprenda a fazer algo estranhamente exclusivo.
E o que é que a gente faz nessa vida que não é, de uma maneira ou de outra?

28. Comece um diário. (17)
E escreva todas as burrices que quiser, não seja profunda, nem se preocupe com quem vai ler. Escreva para você, no futuro. Pra rir ou pra chorar.

29. Preste vestibular (16)

30. E passe. (20)

Early Cuts: M.A.P.

Imagem: TingTing Huang

Um dia, a garota que nunca chorava quis vomitar suco de uva, falou em público
E chorou em público, sentada no corredor sujo de uma universidade estranha.
Chorou de medo, de dor, de vergonha.
Chorou tudo o que levava dentro de si, cada freio, cada susto, cada dor, toda a fúria, toda a vergonha, toda a frustração.
Tentou falar, mas ele não falava sua língua.
Não se entenderam, ele sussurrava e ela soluçava, nem abraços nem tristeza nos olhos conseguiram traduzir ou responder às perguntas.
Cada um foi pro seu lado, sem entender o outro, sem saber se estariam juntos na manhã seguinte.

Ela acordou sozinha, sem Deus, sufocada pelo silêncio dos próprios pensamentos.
Emudeceu.
E a solidão ao redor dela cresceu e a engolfou, e onde ele estava ? Ela quis saber, mas não quis perguntar.
O celular tocou, a campainha tocou e ela veio, trazendo flores e doces e um pouco de sol e conversas amenas, guardando a solidão num saco bem amarrado.

Mas ela não era ele.  Ela queria colo, estava com medo do mundo e do futuro e do sangue.
Surtou. Uma, duas, dez vezes.

24x09 Babel

Imagem: TingTing Huang

Eu queria poder escrever sobre a poesia das mãos se tocando.
Queria poder escrever sobre a poesia no forro cinza do sofá da sua casa, sobre o assovio engraçado do seu celular.
Queria poder escrever sobre a pressa e a urgência de chegar até à garagem. Sobre metal, sobre quão apertado pode ser um corredor.
Queria poder escrever sobre a suavidade das mãos e dos dedos.
Queria poder escrever sobre jeans. Queria poder escrever sobre as cores da minha bolsa, o preto e o prata.
Queria poder escrever sobre escadas em espiral, sobre a hora e as chamadas não atendidas. Sobre passos e o barulho que fazem nas casas vazias.
Queria poder escrever sobre espelhos, sofás e ornamentos. Sobre andares.
Queria poder escrever sobre a poesia nas venezianas, sobre o segundo andar das casas que você pode ver da sua janela.
Queria poder escrever sobre as sombras nos lugares que você já conhece, que não são sua casa, mas que te trazem a sensação de casa.
Queria poder escrever sobre o cinza e o branco e listras cinzas e brancas. Sobre guarda-roupas.
Queria poder escrever sobre xadrez e pequenos bonecos coloridos, dvd's e Angelina Jolie. Sobre roupas.
Queria poder escrever sobre medo, urgência, força, coragem, amor, certeza. Queria poder escrever sobre as cores que já esqueci - amarelo -, sobre elefantes pretos, rosas e brancos. Sobre pontos pretos no meu sapato, laços azuis e escamas.
Queria poder escrever sobre a simplicidade dos movimentos das vértebras.
Queria poder escrever sobre a rapidez dos movimentos que o olho não consegue captar, que não se consegue descrever perfeitamente. Sobre os seus olhos e sobre as coisas que eles conseguem dizer.
Queria poder escrever sobre seus sapatos.
Queria poder escrever sobre a composição da respiração. Sobre trocas gasosas.
Queria escrever sobre insegurança e "setbacks". Queria escrever sobre gentileza, no sentido mais puro e simples da palavra. Sobre minha necessidade de ser quem quero ser, e não quem eu sou.
Queria poder escrever sobre suor.
Queria poder escrever sobre lisura e sobre ver o mundo sob uma perspectiva nova, sobre o inverso das coisas. Queria escrever sobre dor e sobre essa necessidade de se ficar desconfortável para se sentir confortável.
Sobre essa necessidade biológica que temos de derreter e nos misturar, sobre nenhum homem ser uma ilha. Sobre essas imperfeições na nossa pele, sobre a dor de viver e a dor de deixar de ser.
Queria poder escrever sobre ruídos, sobre cada ruído. Sobre a sua testa.
Queria poder escrever sobre os movimentos que os olhos captam.
Sobre tetos.
Queria poder escrever sobre o momento em que se percebe que as coisas não serão mais as mesmas.
Queria poder escrever sobre a insegurança de se ter meleca no nariz. Sobre as paredes que nosso corpo constrói sem que desejemos, mas com o consentimento do nosso subconsciente.
Queria poder escrever sobre sangue. Não o sangue que se teme, mas um outro tipo, mais puro e triste.
Queria poder escrever sobre suas preocupações e sobre minhas preocupações. Sobre a poesia de ficar de pé, de se levantar sabendo que não precisa ir embora, que você não vai embora.
Queria poder escrever sobre abraços e a certeza de que as coisas não duram pra sempre.
Queria poder escrever sobre voltas pra casa, sobre o alaranjado das luzes artificiais, os outros carros na estrada. Sobre flores de pedra gigantescas e pontes que não vi.
Sobre multas e pactos quebrados.
Sobre a proximidade gerada por estar próximo.
Queria poder escrever sobre espera e horas derradeiras. Sobre escolhas.
Queria poder escrever sobre chocolates, Capitu e rosas de tecido e cereja.

Sinto muito, eu simplesmente não tenho a habilidade necessária para escrever sobre coisas tão bonitas quanto essas: não consigo extrair a quantidade de poesia que vejo e transformá-la em palavras.

Um dia, quem sabe.
Até lá, sinto muito. Perdão.

24x08 Strangers on a train

Imagem: TingTing Huang

Então, eu matei alguém. De novo.
Era Julho, e eu não me orgulho disso.
Acalme-se,  eu não matei alguém, propriamente dizendo. Mas não matamos pessoas o tempo todo?
Não é o mesmo que matar quando você esquece alguém? Não é o mesmo que desrespeitar a memória de alguém? Não é matar quando se deseja muito a morte de alguém?
Bom, eu estava em um trem que viajava de volta a Dublin, ou em um carro que voltava de uma casa onde pensei que não pisaria mais.
Ou talvez, eu estivesse em um trem, sentada ao lado de um estranho que eu talvez tenha amado, que eu talvez ame. E estávamos conspirando a morte de alguém que nem mesmo conhecíamos. Porque os assassinatos mais fáceis são aqueles onde não se conhece a vítima. Sai-se impune. Quem poderia suspeitar de você se você não conhece a vítima, certo?
Então, nos sentamos nesse trem, ou nesse carro, onde quer que estivéssemos e conspiramos.
Nós falamos em línguas diferentes e não nos entendemos. Ao final, cada um tinha uma vítima diferente a quem achava que deveria matar. Nós pensávamos de maneiras diferentes porque éramos estranhos, porque somos estranhos que não são capazes de se entender, que nunca vão entender um ao outro.
Temos pensamentos completamente opostos.
Então, naquele dia, quando decidimos envenenar nossa vítima, afogá-la em sangue, afogá-la antes mesmo que ela pudesse tomar consciência do afogamento e da morte, eu decidi que o mataria, ele decidiu que a mataria.
Apertamos as mãos e nos separamos.

Ele me deu o veneno, eu o envenenei e nós observamos, esperamos, eu rezei, enquanto ele morria, lentamente, sem nunca ter me levantado a voz, sem nunca ter sabido meu nome ou sugado meu sangue.

E eu sinto muito, diariamente. Mas não saí impune, juro que não.
Não sou a mesma.
Nunca mais vou ser.

24x07 Ameixa

Imagem: TingTing Huang

Me beija, sem medo do meu gosto, sem medo do meu rosto e do que acontece amanhã.
Esqueço os donos dos colchões, todos os freios e medos e a dor.
Só o que importa é seu gosto, seu rosto, o que acontece agora.
Minha pele e sua pele e a tarde escura e vazia, a curva sutil que as pontas dos seus dedos fazem, a cor das suas pálpebras.
Espero pelo momento em que seus dentes surgem, a respiração em suspenso.
Eles vêm e eu não fujo.
Eu fico, quero saber até onde podemos ir, quero saber quem somos, quero saber o que acontece no final do filme.
Eu quero, eu quero saber.
Mas aí vêm os freios e minha mania de ser um exemplo e meu medo e meu futuro brilhante e te empurram pra longe.
E não importa mais seu gosto, seu rosto, só meu medo e o que acontece amanhã.
Você molha meu rosto e o seu e eu tento derrubar os muros que acabei de construir entre nós.
Quero seu gosto, seu rosto, quero o amanhã impune.
Quero os azulejos frios, quero o cheiro de xampu, quero não desaparecer dentro de mim sempre que estivermos juntos.
Viro as costas e fecho os olhos, peço, imploro, pros deuses dos azulejos e das ameixas, da pele e das tardes ociosas pra que eu volte pra você, pra que eu fique.
Eu quero saber mais sobre nós dois e sobre a capacidade da nossa pele de trocar calor, sobre a sua respiração e a textura das suas costas.
Mas aí já é tarde.
É meu corpo, minha boca, meu gosto, meu rosto.
Mas eu já fui embora e você não consegue me alcançar.
E eu te deixei esperando de novo, atrás dos muros, atrás dos meus olhos. Sozinho com seu gosto e eu sozinha sem seu rosto.
Grito, do meu lado do muro - Não desista, não desista
E não sei se você ouve.
Mas não desista, eu quero.
Só não me acostumei ainda ao gosto, ao rosto.
A não saber o que acontece amanhã.

24X06 Caleidoscópio

Imagem: TingTing Huang

Caro Otto,
uau. Os últimos dias, os últimos meses passaram rápido demais. Penso neles como um borrão colorido cheio de vozes, cheiros e sons,
Achei que nunca mais te escreveria. Não, minto. Eu sempre soube que te escreveria de novo.
Mas é diferente agora. Isso não é uma carta de amor. Eu não escrevo mais cartas de amor pra você, como sabíamos que aconteceria, como esperávamos que acontecesse.
Eu mudei. E você também deve ter mudado.
Eu me apaixonei. É, como quem tropeça. Pisei em falso, meu coração pisou em falso numa dessas noites quentes demais. Quando acordei, já era junho, já tinha corrido mundo e voltado cheia de histórias e roupas novas na mala pesada. Cheia de expectativas, também.
Expectativas sobre o escuro e a capacidade que a ponta das línguas tem de dizer tudo o que há para ser dito, só de se encostarem.
Eu voltei pra casa, pra você, pra essa cidade de concreto em chamas, só pra descobrir que quem voltou não fui eu.
Voltou uma outra, louca, que queria mais do que amores unilaterais e a amargura de esperar e de amar sozinha. Sem voz, sem v oto.
E ela conseguiu isso, conseguiu mais.
Conseguiu luz de postes e sombra de carros, vozes, "eu te amo" em forma de sussurros no meio da noite, ela conseguiu pele e ossos, clavículas e pintas. Muito mais do que já sonhamos ter.
Essa louca, eu, amou. Ama.
Nenhuma surpresa, certo?
Mas, adivinhe só: estou me deixando amar. É difícil, muito. Mas eu deixo, aos poucos. Tento erguer menos paredes ao meu redor, ter menos segredos. Eu tento.
Mas erro muito, não aprendi a fazer isso.
Estou tentando, engatinhando.
Às vezes, me saio bem, sabe? Ele olha pra mim e acredito no que ele diz. Acredito, quando ele me chama de Amor, quando a ponta do nariz dele toca minha testa e ele fecha os olhos e fica quieto, como se tivesse parado todo o zumbido do mundo, como se só existíssemos nós dois.
Acredito, quando o machuco com minha frieza, minha loucura, e ele me diz com os olhos que dói.
Nem tudo é sempre bom, tem muito a ser feito.
Tivemos dias difíceis, em que me abriguei num casaco cinza e quis que o mundo me esquecesse , em que quis desistir. Dias em que eu estava fraca demais pra tentar.
E ele me pegou no colo e disse, com aquele tom de brincadeira, que ia passar, que era besteira minha.
De vez em quando, corro pra minha caverna, me escondo do mundo. E ele vem, me puxa, abre as persianas e deixa a luz entrar.
E eu deixo.

Então, Otto, onde quer que você esteja, com quem quer que esteja:
Deixe.
Abaixe as defesas, destrua os muros, permita que te magoem, permita que se aproximem.
Eu descobri que não somos invisíveis. São as paredes que erguemos, entende?
Deixe que entrem, prepare-se.
Eu sei que não é fácil. Mas você tem que saber que é possível.
É só abrir as persianas. Por um segundo só.
Alguém vai estar olhando.
Alguém vai te ver.
Deixe.

Com amor, sempre,
B.