Imagem: TingTing Huang
Eu queria poder escrever sobre a poesia das mãos se tocando.
Queria poder escrever sobre a poesia no forro cinza do sofá da sua casa, sobre o assovio engraçado do seu celular.
Queria poder escrever sobre a pressa e a urgência de chegar até à garagem. Sobre metal, sobre quão apertado pode ser um corredor.
Queria poder escrever sobre a suavidade das mãos e dos dedos.
Queria poder escrever sobre jeans. Queria poder escrever sobre as cores da minha bolsa, o preto e o prata.
Queria poder escrever sobre escadas em espiral, sobre a hora e as chamadas não atendidas. Sobre passos e o barulho que fazem nas casas vazias.
Queria poder escrever sobre espelhos, sofás e ornamentos. Sobre andares.
Queria poder escrever sobre a poesia nas venezianas, sobre o segundo andar das casas que você pode ver da sua janela.
Queria poder escrever sobre as sombras nos lugares que você já conhece, que não são sua casa, mas que te trazem a sensação de casa.
Queria poder escrever sobre o cinza e o branco e listras cinzas e brancas. Sobre guarda-roupas.
Queria poder escrever sobre xadrez e pequenos bonecos coloridos, dvd's e Angelina Jolie. Sobre roupas.
Queria poder escrever sobre medo, urgência, força, coragem, amor, certeza. Queria poder escrever sobre as cores que já esqueci - amarelo -, sobre elefantes pretos, rosas e brancos. Sobre pontos pretos no meu sapato, laços azuis e escamas.
Queria poder escrever sobre a simplicidade dos movimentos das vértebras.
Queria poder escrever sobre a rapidez dos movimentos que o olho não consegue captar, que não se consegue descrever perfeitamente. Sobre os seus olhos e sobre as coisas que eles conseguem dizer.
Queria poder escrever sobre seus sapatos.
Queria poder escrever sobre a composição da respiração. Sobre trocas gasosas.
Queria escrever sobre insegurança e "setbacks". Queria escrever sobre gentileza, no sentido mais puro e simples da palavra. Sobre minha necessidade de ser quem quero ser, e não quem eu sou.
Queria poder escrever sobre suor.
Queria poder escrever sobre lisura e sobre ver o mundo sob uma perspectiva nova, sobre o inverso das coisas. Queria escrever sobre dor e sobre essa necessidade de se ficar desconfortável para se sentir confortável.
Sobre essa necessidade biológica que temos de derreter e nos misturar, sobre nenhum homem ser uma ilha. Sobre essas imperfeições na nossa pele, sobre a dor de viver e a dor de deixar de ser.
Queria poder escrever sobre ruídos, sobre cada ruído. Sobre a sua testa.
Queria poder escrever sobre os movimentos que os olhos captam.
Sobre tetos.
Queria poder escrever sobre o momento em que se percebe que as coisas não serão mais as mesmas.
Queria poder escrever sobre a insegurança de se ter meleca no nariz. Sobre as paredes que nosso corpo constrói sem que desejemos, mas com o consentimento do nosso subconsciente.
Queria poder escrever sobre sangue. Não o sangue que se teme, mas um outro tipo, mais puro e triste.
Queria poder escrever sobre suas preocupações e sobre minhas preocupações. Sobre a poesia de ficar de pé, de se levantar sabendo que não precisa ir embora, que você não vai embora.
Queria poder escrever sobre abraços e a certeza de que as coisas não duram pra sempre.
Queria poder escrever sobre voltas pra casa, sobre o alaranjado das luzes artificiais, os outros carros na estrada. Sobre flores de pedra gigantescas e pontes que não vi.
Sobre multas e pactos quebrados.
Sobre a proximidade gerada por estar próximo.
Queria poder escrever sobre espera e horas derradeiras. Sobre escolhas.
Queria poder escrever sobre chocolates, Capitu e rosas de tecido e cereja.
Sinto muito, eu simplesmente não tenho a habilidade necessária para escrever sobre coisas tão bonitas quanto essas: não consigo extrair a quantidade de poesia que vejo e transformá-la em palavras.
Um dia, quem sabe.
Até lá, sinto muito. Perdão.
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2 comentários:
E oquê te impede?
Eu tinha vergonha.
Agora, tenho medo de sentir dor.
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