Imagem: TingTing Huang
Ai não, ainda não aprendi a te dividir.
Abri a boca pra dizer:
Não vai, que eu não quero ficar só. Mas também não quero ir.
'Cê não tá vendo que eu quero ficar junto?
Cola aqui, cola em mim. Quer sair pra quê?
Vai pra onde? Vai com quem? Volta quando?
Por que?
Eu te levo, mesmo com esse tanto de coisa pra fazer.
Não, não tem problema.
Eu só quero ficar com você.
Você não quer ficar comigo? Não me ama mais?
Por que parece que você prefere ficar com qualquer outra pessoa a ficar comigo?
Deita aqui.
Fala comigo. Em que você está pensando?
Por que você não diz?
Quer me deixar? Vai me deixar?
E o que é que eu vou fazer sem você?
Vai sair?
Quer que eu te espere acordada?
Não quer que eu vá junto? Eu fico quietinha, prometo não atrapalhar.
Aí pensei melhor, fechei a boca e fui ler um livro, assisti um seriado, comi geleia, falei mal de você (várias vezes), fiz tutorial e a vida seguiu.
Tô aprendendo.
Um dia, você vai ver, vou só dizer "Então vai, mande lembranças minhas, e volte, só volte."
24x17 Defcon-1
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24x16 Mansion Song
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Fui criada pra não acreditar em promessas, não fomos todas?
Pra duvidar de Eu te amos, de palavras bonitas e de pessoas.
Esperava-se que eu crescesse sozinha, que aprendesse sozinha, que amasse sozinha e que nunca sentisse falta do que não conheci.
Mas eu senti falta, eu sinto.
Sinto falta daquele orgulho que Elizabeth sentia, daquele olhar do Mr. Darcy, inexpressivo.
Sinto falta de beijos na chuva sem guarda-chuva.
Sinto falta de ficar presa no elevador com a pessoa certa.
De esperar por um estranho com uma rosa dentro de um livro.
Sinto falta do momento em que Meg Ryan descobre que todo o temo tinha sido o Tom Hanks do outro lado da tela.
Sinto falta da vista de cima do Empire State, das vozes de desconhecidos no rádio, de me sentir conectada com alguém, sem saber quem.
Sinto falta de escrever cartas pra um estranho num passado próximo.
De dar passeios pela cidade com alguém que nunca conheci.
Sinto falta de desencontros e destino.
Sinto falta de declarações de amor explícitas e de que me queiram.
Sinto falta de lutas de espada e duelos.
De danças lentas e de olhares que dizem tudo.
Sinto falta do beijo que faz com que a mocinha levante a perna e da confissão de amor do vilão.
Eu tentei ser quem deveria, uma mulher independente do século XXI, mas não deu.
Gosto mesmo é do felizes pra sempre.
Desculpe, não pude evitar.
Fui criada pra não acreditar em promessas, não fomos todas?
Pra duvidar de Eu te amos, de palavras bonitas e de pessoas.
Esperava-se que eu crescesse sozinha, que aprendesse sozinha, que amasse sozinha e que nunca sentisse falta do que não conheci.
Mas eu senti falta, eu sinto.
Sinto falta daquele orgulho que Elizabeth sentia, daquele olhar do Mr. Darcy, inexpressivo.
Sinto falta de beijos na chuva sem guarda-chuva.
Sinto falta de ficar presa no elevador com a pessoa certa.
De esperar por um estranho com uma rosa dentro de um livro.
Sinto falta do momento em que Meg Ryan descobre que todo o temo tinha sido o Tom Hanks do outro lado da tela.
Sinto falta da vista de cima do Empire State, das vozes de desconhecidos no rádio, de me sentir conectada com alguém, sem saber quem.
Sinto falta de escrever cartas pra um estranho num passado próximo.
De dar passeios pela cidade com alguém que nunca conheci.
Sinto falta de desencontros e destino.
Sinto falta de declarações de amor explícitas e de que me queiram.
Sinto falta de lutas de espada e duelos.
De danças lentas e de olhares que dizem tudo.
Sinto falta do beijo que faz com que a mocinha levante a perna e da confissão de amor do vilão.
Eu tentei ser quem deveria, uma mulher independente do século XXI, mas não deu.
Gosto mesmo é do felizes pra sempre.
Desculpe, não pude evitar.
24X15 Beloved Deirdre
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Quem está lá pra você, querida? Você se sente segura? O mundo é um lugar seguro?
Quem vai te amar quando você não se lembrar mais como é que se levanta dessa cadeira?
Ninguém vai amar sua loucura e decrepitude, as rugas e a degeneração, o murchar dos seus neurônios. Ninguém além de mim.
Quando o seu nome deixar de ser conhecido, quando só a morte souber seu verdadeiro nome, eu vou te reconhecer e te chamar pra conversar.
Quando sua boca secar e a vida se tornar insossa, quem vai te descrever o gosto das maçãs?
E quando o cansaço chegar, a fraqueza e o peso, quem vai te admirar por entre as grades da prisão do seu corpo?
Quem vai levar adiante a sujeira dos seus genes, quem vai velar pelo seu sangue e sua carne?
E quem vai te tocar mais forte até que você sinta, quem vai gritar seu nome no meio do dia?
Quem vai enxergar em você aquela que você foi? Quem vai saber sobre os seus cabelos rebeldes, sobre a firmeza da sua pele e a cor dos seus olhos por inteiro?
Quando a sua luz se apagar, quando você não souber mais quem é, quando não tiver mais nenhum interesse em ser, quando seu mundo se tornar mais real do que todos os outros.
Eu vou estar lá. Pode ir sem medo. Quando a hora chegar, estarei lá.
Não vou me atrasar.
Quem está lá pra você, querida? Você se sente segura? O mundo é um lugar seguro?
Quem vai te amar quando você não se lembrar mais como é que se levanta dessa cadeira?
Ninguém vai amar sua loucura e decrepitude, as rugas e a degeneração, o murchar dos seus neurônios. Ninguém além de mim.
Quando o seu nome deixar de ser conhecido, quando só a morte souber seu verdadeiro nome, eu vou te reconhecer e te chamar pra conversar.
Quando sua boca secar e a vida se tornar insossa, quem vai te descrever o gosto das maçãs?
E quando o cansaço chegar, a fraqueza e o peso, quem vai te admirar por entre as grades da prisão do seu corpo?
Quem vai levar adiante a sujeira dos seus genes, quem vai velar pelo seu sangue e sua carne?
E quem vai te tocar mais forte até que você sinta, quem vai gritar seu nome no meio do dia?
Quem vai enxergar em você aquela que você foi? Quem vai saber sobre os seus cabelos rebeldes, sobre a firmeza da sua pele e a cor dos seus olhos por inteiro?
Quando a sua luz se apagar, quando você não souber mais quem é, quando não tiver mais nenhum interesse em ser, quando seu mundo se tornar mais real do que todos os outros.
Eu vou estar lá. Pode ir sem medo. Quando a hora chegar, estarei lá.
Não vou me atrasar.
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24x14 Lost in Translation
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- Eu preciso de ajuda.
Minha boca tem gosto de sono e leite, meu estômago está embrulhado e eu tenho medo de dormir e acordar do mesmo jeito.
Meu braço dói, eu também tô cansada, eu só preciso de mais tempo.
Eu só preciso do seu tempo.
Eu não tenho forças pra escrever números, pra sentir o roçar da caneta na pele da mão, pra me sujar de tinta, pro raciocínio familiar da colocação de números.
Eu estou me dissolvendo.
Tem uma mulher na janela em frente à minha. Ela está lá há horas, desde que me sentei aqui.
Ela é real?
Eu sou?
Eu peguei livros e eles não tinham cheiro. Tinham ordem, mas não tinham cheiro.
Eu não sei nada sobre memória.
O doce que comi não tinha gosto.
Não me lembro qual é o cheiro de cabelo queimado e nem sei como cheguei ao outro lado da rua.
Eu não te vi o dia inteiro e não me preocupei com isso.
Meu braço dói, mas não deveria.
O bebê tinha cabelos escuros e sua mãe era ruiva.
A mulher da triagem não devolveu meu cartão, os calcanhares de uma outra mulher tinham uma cor amarela. Sífilis é uma palavra estranha.
Por que não ouvem quando bato à porta?
O que eu fiz antes de dormir? Por que não vi razão pra me demorar? Por que hoje de manhã estava tudo bem, mas ontem não estava?
Fica comigo. Não me deixe dormir, por favor.
Fica comigo. Fica comigo. Fica comigo. Só alguns minutos, eu tô com medo, tanto medo. Eu preciso de você, preciso que você seja real.
Termino de falar, no meu próprio idioma, e você já dormiu, ou já quase dorme, e é tarde demais, eu já te perdi.
Agora sou só eu contra o que quer que seja.
- Boa noite, até amanhã :)
(Por favor, fique. Por favor, volte)
- Até.
- Eu preciso de ajuda.
Minha boca tem gosto de sono e leite, meu estômago está embrulhado e eu tenho medo de dormir e acordar do mesmo jeito.
Meu braço dói, eu também tô cansada, eu só preciso de mais tempo.
Eu só preciso do seu tempo.
Eu não tenho forças pra escrever números, pra sentir o roçar da caneta na pele da mão, pra me sujar de tinta, pro raciocínio familiar da colocação de números.
Eu estou me dissolvendo.
Tem uma mulher na janela em frente à minha. Ela está lá há horas, desde que me sentei aqui.
Ela é real?
Eu sou?
Eu peguei livros e eles não tinham cheiro. Tinham ordem, mas não tinham cheiro.
Eu não sei nada sobre memória.
O doce que comi não tinha gosto.
Não me lembro qual é o cheiro de cabelo queimado e nem sei como cheguei ao outro lado da rua.
Eu não te vi o dia inteiro e não me preocupei com isso.
Meu braço dói, mas não deveria.
O bebê tinha cabelos escuros e sua mãe era ruiva.
A mulher da triagem não devolveu meu cartão, os calcanhares de uma outra mulher tinham uma cor amarela. Sífilis é uma palavra estranha.
Por que não ouvem quando bato à porta?
O que eu fiz antes de dormir? Por que não vi razão pra me demorar? Por que hoje de manhã estava tudo bem, mas ontem não estava?
Fica comigo. Não me deixe dormir, por favor.
Fica comigo. Fica comigo. Fica comigo. Só alguns minutos, eu tô com medo, tanto medo. Eu preciso de você, preciso que você seja real.
Termino de falar, no meu próprio idioma, e você já dormiu, ou já quase dorme, e é tarde demais, eu já te perdi.
Agora sou só eu contra o que quer que seja.
- Boa noite, até amanhã :)
(Por favor, fique. Por favor, volte)
- Até.
24x13 All dreams come true in Palmdale
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Ele me abraçou, sentado no banco do passageiro do meu carro, vindo de um futuro distante ou de um passado que nunca aconteceu.
Limpou minha boca, suja de sangue, meu próprio sangue, com as costas da mão.
- O que aconteceu?
Ele tocou meu rosto, tirando meus cabelos dos olhos.
Eu não me lembrava de ter chegado ali, de ter me ferido.
E ele não dizia nada, me abraçava enquanto eu tremia e me contorcia.
As lembranças chegaram em flashes curtos, luz e salas e pessoas e ele, seus olhos e dentes e mãos.
- Me diz o que tá acontecendo, por favor
E ele me contou.
Uma história sobre loucura, sobre devaneios e pesadelos, sonhos. Sobre números e uma vida que não era minha.
Sobre gritos e nomes, sobre ser chamado por um nome que não era o dele, sobre o chão xadrez de uma casa em que nunca vivi.
- Foi só um sonho, ok? Só um sonho.
Ele me ajudou a descer, a me limpar. Me fez o jantar.
Conversamos sobre amenidades, sobre casamento e sucessão. Sobre computadores e livros. Sobre o fato de que ele se recusava a comer o lado esquerdo do sanduíche primeiro, superstição ou costume.
- Sabe de uma coisa engraçada? Já ouviu falar sobre estereognosia?, eu disse, encarando a taça de vinho, como se, lá dentro, tivesse visto alguma coisa estranha.
Levantei os olhos e ele se dissolvia, a mesa, a sala, a sujeira nas minhas unhas.
Acordei e era hoje, o sangue todo dentro do corpo.
Sem saber se o hoje é hoje, se vai se dissolver assim que eu mencionar aquela outra realidade que talvez seja sonho.
Tô com medo de falar demais. Medo do que é real e do que não é.
Não me deixe acordar. Ou não me deixe dormir.
Eu não sei mais.
Ele me abraçou, sentado no banco do passageiro do meu carro, vindo de um futuro distante ou de um passado que nunca aconteceu.
Limpou minha boca, suja de sangue, meu próprio sangue, com as costas da mão.
- O que aconteceu?
Ele tocou meu rosto, tirando meus cabelos dos olhos.
Eu não me lembrava de ter chegado ali, de ter me ferido.
E ele não dizia nada, me abraçava enquanto eu tremia e me contorcia.
As lembranças chegaram em flashes curtos, luz e salas e pessoas e ele, seus olhos e dentes e mãos.
- Me diz o que tá acontecendo, por favor
E ele me contou.
Uma história sobre loucura, sobre devaneios e pesadelos, sonhos. Sobre números e uma vida que não era minha.
Sobre gritos e nomes, sobre ser chamado por um nome que não era o dele, sobre o chão xadrez de uma casa em que nunca vivi.
- Foi só um sonho, ok? Só um sonho.
Ele me ajudou a descer, a me limpar. Me fez o jantar.
Conversamos sobre amenidades, sobre casamento e sucessão. Sobre computadores e livros. Sobre o fato de que ele se recusava a comer o lado esquerdo do sanduíche primeiro, superstição ou costume.
- Sabe de uma coisa engraçada? Já ouviu falar sobre estereognosia?, eu disse, encarando a taça de vinho, como se, lá dentro, tivesse visto alguma coisa estranha.
Levantei os olhos e ele se dissolvia, a mesa, a sala, a sujeira nas minhas unhas.
Acordei e era hoje, o sangue todo dentro do corpo.
Sem saber se o hoje é hoje, se vai se dissolver assim que eu mencionar aquela outra realidade que talvez seja sonho.
Tô com medo de falar demais. Medo do que é real e do que não é.
Não me deixe acordar. Ou não me deixe dormir.
Eu não sei mais.
24x12 Blindness
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Se você não fosse um rosto, seria o cheiro da sua pele ou do seu perfume, da combinação única dos dois.
Ou. talvez, fosse o gosto de ptialina, água e mucina. O gosto que meus neurônios sentem.
Talvez fosse toque, dedos na pele, o contato das roupas e dos ossos. Aferências.
Talvez fosse luz e sombra. Som.
Uma voz, vibrações, ar, ossos e membranas.
Você entende, agora?
Não é só o seu rosto. É você inteiro, as interações das quais você é capaz.
E meus genes, meus neurônios.
Você me diz que não tenho coração, que não sou capaz de amar ninguém.
Mas, amor, eu te amo com meu cérebro. Minto, com meu sistema nervoso central. E periférico. E autônomo. Definitivamente.
Coração não tem nada a ver com isso.
Ou quase nada, pelo menos.
Se você não fosse um rosto, seria o cheiro da sua pele ou do seu perfume, da combinação única dos dois.
Ou. talvez, fosse o gosto de ptialina, água e mucina. O gosto que meus neurônios sentem.
Talvez fosse toque, dedos na pele, o contato das roupas e dos ossos. Aferências.
Talvez fosse luz e sombra. Som.
Uma voz, vibrações, ar, ossos e membranas.
Você entende, agora?
Não é só o seu rosto. É você inteiro, as interações das quais você é capaz.
E meus genes, meus neurônios.
Você me diz que não tenho coração, que não sou capaz de amar ninguém.
Mas, amor, eu te amo com meu cérebro. Minto, com meu sistema nervoso central. E periférico. E autônomo. Definitivamente.
Coração não tem nada a ver com isso.
Ou quase nada, pelo menos.
Early Cuts: Skinny Love
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Imagem: TingTing Huang
Aviso: Baseei esse texto numa história antiga que ouvi, numa canção que não era o que parecia. Não se assuste. Não se ofenda, não confunda: Eu sempre fui o Sid.
Observo as coisas e as pessoas caminharem pra longe, correndo na direção contrária à nossa e me pergunto se sabem sobre nós, sobre nossa existência, sobre qualquer coisa. Me pergunto como é possível que possamos existir sem nunca nos cruzarmos de novo.
O motorista do táxi freia, um pouco bruscamente, e eu me agarro no cinto de segurança, cheia de medo.
Você nem parece notar, ocupado que está em roer as unhas e a carne em volta delas.
Estendo a mão pra te impedir de fazer isso, mas você se afasta e rói com mais fúria, como uma criança zangada faria.
Parece até um daqueles filmes em que as pessoas parecem estar em táxis diferentes, mas, quando a câmera se afasta, estão no mesmo carro.
(De repente, me pergunto como seria se eu estivesse te olhando pela janela. De repente, queria não te conhecer.
Eu quero de volta a primeira vez em que nos vimos, o seu sorriso galanteador e o jeito como desviávamos o olhar sempre que um pegava o outro olhando.
Eu quero de volta a primeira vez em que toquei seus lábios e a frieza do seu nariz contra a minha pele. Pra quê? Não sei, mas quero.)
O táxi chega em casa rápido demais. Quando o motorista se vira para entregar seu troco, os olhos dele se dirigem à minha manga rasgada, meus pulsos vermelhos, minha maquiagem borrada.
- Você está bem, moça?
Eu sinto vontade de tocar o rosto dele e agradecer por perguntar, por se importar, mas sinto sua ansiedade de maneira palpável.
Digo que sim, estou bem e sorrio. Ele me olha torto enquanto desço, mas não diz nada, vai embora.
Você pega a chave e tenta, sem sucesso, abrir a porta, suas mãos tremem.
Quando, finalmente, a porta se abre, você entra correndo e, então, para pra me observar trancar a porta. Subimos as escadas, em silêncio. Em casa, nenhum de nós fala, nenhum de nós se atreve a falar, cada um em um canto da sala.
Nós só estamos esperando a deixa, já sabemos o que vai acontecer, já vimos isso antes.
O abraço primeiro, depois os beijos delicados nos pulsos e você dirá "me desculpe, é que você me deixa louco". Vou olhar suas unhas roídas e seu rosto vermelho, "Como sou horrível... A maneira como faço dele um monstro".
Finjo que esqueço, você finge que esquece, fingimos.
E amanhã fica tudo bem.
Amanhã vivemos felizes pra sempre, desde que você não me deixe.
Aviso: Baseei esse texto numa história antiga que ouvi, numa canção que não era o que parecia. Não se assuste. Não se ofenda, não confunda: Eu sempre fui o Sid.
Observo as coisas e as pessoas caminharem pra longe, correndo na direção contrária à nossa e me pergunto se sabem sobre nós, sobre nossa existência, sobre qualquer coisa. Me pergunto como é possível que possamos existir sem nunca nos cruzarmos de novo.
O motorista do táxi freia, um pouco bruscamente, e eu me agarro no cinto de segurança, cheia de medo.
Você nem parece notar, ocupado que está em roer as unhas e a carne em volta delas.
Estendo a mão pra te impedir de fazer isso, mas você se afasta e rói com mais fúria, como uma criança zangada faria.
Parece até um daqueles filmes em que as pessoas parecem estar em táxis diferentes, mas, quando a câmera se afasta, estão no mesmo carro.
(De repente, me pergunto como seria se eu estivesse te olhando pela janela. De repente, queria não te conhecer.
Eu quero de volta a primeira vez em que nos vimos, o seu sorriso galanteador e o jeito como desviávamos o olhar sempre que um pegava o outro olhando.
Eu quero de volta a primeira vez em que toquei seus lábios e a frieza do seu nariz contra a minha pele. Pra quê? Não sei, mas quero.)
O táxi chega em casa rápido demais. Quando o motorista se vira para entregar seu troco, os olhos dele se dirigem à minha manga rasgada, meus pulsos vermelhos, minha maquiagem borrada.
- Você está bem, moça?
Eu sinto vontade de tocar o rosto dele e agradecer por perguntar, por se importar, mas sinto sua ansiedade de maneira palpável.
Digo que sim, estou bem e sorrio. Ele me olha torto enquanto desço, mas não diz nada, vai embora.
Você pega a chave e tenta, sem sucesso, abrir a porta, suas mãos tremem.
Quando, finalmente, a porta se abre, você entra correndo e, então, para pra me observar trancar a porta. Subimos as escadas, em silêncio. Em casa, nenhum de nós fala, nenhum de nós se atreve a falar, cada um em um canto da sala.
Nós só estamos esperando a deixa, já sabemos o que vai acontecer, já vimos isso antes.
O abraço primeiro, depois os beijos delicados nos pulsos e você dirá "me desculpe, é que você me deixa louco". Vou olhar suas unhas roídas e seu rosto vermelho, "Como sou horrível... A maneira como faço dele um monstro".
Finjo que esqueço, você finge que esquece, fingimos.
E amanhã fica tudo bem.
Amanhã vivemos felizes pra sempre, desde que você não me deixe.
24x11 Wings
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Imagem: TingTing Huang
- Só to com sono e vontade de dormir. E vontade de voar. Vai saber o que isso quer dizer.
Eu não sei se entendo. Entendo de gravidade, de asas cortadas e amarradas, asas de morcego frágeis e feridas.
Queria ser assim, Claire, fazer asas, te dar asas gigantescas, de penas brancas, pra você voar pra longe, bem longe. E voltar, se quiser.
Queria ser Dédalo, te fazer asas de cera e penas pra que você voasse pra longe desse labirinto, dessa torre. Mas fique longe do sol, por favor.
Se eu pudesse, te faria adormecer e te colaria asas gigantes de filhote de pássaro roca nas costas.
Voa, amor.
Mas volte e me conte histórias, se puder.
Se quiser.
- Só to com sono e vontade de dormir. E vontade de voar. Vai saber o que isso quer dizer.
Eu não sei se entendo. Entendo de gravidade, de asas cortadas e amarradas, asas de morcego frágeis e feridas.
Queria ser assim, Claire, fazer asas, te dar asas gigantescas, de penas brancas, pra você voar pra longe, bem longe. E voltar, se quiser.
Queria ser Dédalo, te fazer asas de cera e penas pra que você voasse pra longe desse labirinto, dessa torre. Mas fique longe do sol, por favor.
Se eu pudesse, te faria adormecer e te colaria asas gigantes de filhote de pássaro roca nas costas.
Voa, amor.
Mas volte e me conte histórias, se puder.
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Early Cuts: Kika ainda vai voar
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Sempre quis ser um pássaro. Não sei, talvez Kika, com todas aquelas ideias loucas, tenha me influenciado.
Eu gostaria de saber o que fui pra saber quem sou, mas tenho certeza de que não sou e nunca serei um pássaro com penas e ossos ocos. Luís me mostrou isso, segurou minha cintura, estendeu meus braços e me disse que, pra voar, eu teria que aprender a correr.
Eu voei. Caí. Lambi minhas feridas e estou pronta para recolher minhas asas de pele e unhas.
Estou à espera, juro que estou.
Mas elas se inquietam, me arrastam: minhas asas são puro instinto.
Eu as corto, amarro os cotos.
Estou à espera e gosto disso.
Sempre quis ser um pássaro. Não sei, talvez Kika, com todas aquelas ideias loucas, tenha me influenciado.
Eu gostaria de saber o que fui pra saber quem sou, mas tenho certeza de que não sou e nunca serei um pássaro com penas e ossos ocos. Luís me mostrou isso, segurou minha cintura, estendeu meus braços e me disse que, pra voar, eu teria que aprender a correr.
Eu voei. Caí. Lambi minhas feridas e estou pronta para recolher minhas asas de pele e unhas.
Estou à espera, juro que estou.
Mas elas se inquietam, me arrastam: minhas asas são puro instinto.
Eu as corto, amarro os cotos.
Estou à espera e gosto disso.
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