Imagem: TingTing Huang
Ele me abraçou, sentado no banco do passageiro do meu carro, vindo de um futuro distante ou de um passado que nunca aconteceu.
Limpou minha boca, suja de sangue, meu próprio sangue, com as costas da mão.
- O que aconteceu?
Ele tocou meu rosto, tirando meus cabelos dos olhos.
Eu não me lembrava de ter chegado ali, de ter me ferido.
E ele não dizia nada, me abraçava enquanto eu tremia e me contorcia.
As lembranças chegaram em flashes curtos, luz e salas e pessoas e ele, seus olhos e dentes e mãos.
- Me diz o que tá acontecendo, por favor
E ele me contou.
Uma história sobre loucura, sobre devaneios e pesadelos, sonhos. Sobre números e uma vida que não era minha.
Sobre gritos e nomes, sobre ser chamado por um nome que não era o dele, sobre o chão xadrez de uma casa em que nunca vivi.
- Foi só um sonho, ok? Só um sonho.
Ele me ajudou a descer, a me limpar. Me fez o jantar.
Conversamos sobre amenidades, sobre casamento e sucessão. Sobre computadores e livros. Sobre o fato de que ele se recusava a comer o lado esquerdo do sanduíche primeiro, superstição ou costume.
- Sabe de uma coisa engraçada? Já ouviu falar sobre estereognosia?, eu disse, encarando a taça de vinho, como se, lá dentro, tivesse visto alguma coisa estranha.
Levantei os olhos e ele se dissolvia, a mesa, a sala, a sujeira nas minhas unhas.
Acordei e era hoje, o sangue todo dentro do corpo.
Sem saber se o hoje é hoje, se vai se dissolver assim que eu mencionar aquela outra realidade que talvez seja sonho.
Tô com medo de falar demais. Medo do que é real e do que não é.
Não me deixe acordar. Ou não me deixe dormir.
Eu não sei mais.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
0 comentários:
Postar um comentário