Imagem: TingTing Huang
- Deixe sangrar - disse uma mulher, um dos fantasmas azuis, debruçando-se sobre o meu corpo.
- Por que deixar sangrar se eu posso fazer parar com um estalar de dedos? - disse o outro.
- Deixe sangrar, já disse.
Eu podia sentir meu corpo inchar feito um balão sendo enchido de água.
- Deixe-me abrí-la. - ele disse
- Espere.
- Ela está sangrando por dentro há bastante tempo. Deixe-me abrir.
- Ela vai sobreviver. Ela sempre sobrevive.
- Eu posso ajudar. Eu posso consertar. Posso drenar o sangue e curar os cortes. Posso fechar as feridas e ela nunca vai saber o que houve.
A mulher, o fantasma azul que, durante o diálogo havia estado debruçado sobre mim, se levantou de uma vez.
- Quem você pensa que é? Com seu conhecimento de corte e costura, de sangue e dor. Você acha que pode consertar tudo? Você não é o Deus de que ela precisa. Você não sabe de nada.
- Deus não existe.
Ela puxou-o pelos cabelos e empurrou o rosto dele de encontro ao meu,vulto azul cheirando a travesseiro.
Os olhos dele eram estranhamente sólidos, tão sólidos. Muros enormes.
- Eu posso ajudar, ele disse, eu sei que posso.
E eu tirei minha voz de algum lugar obscuro, juntei as sílabas aos poucos, com calma, e deixei que tudo escorregasse pra fora da goela:
- Deixe sangrar.
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