35x13 All the pretty girls

Imagem: TingTing Huang

Então, ela me abraçou.
E eu a abracei de volta.

Estou ferida, no queixo, nas costas, costelas, pernas e pés.
Mas vai passar.

Ela me conta uma história, que é a minha história, a nossa história, a história de tantas garotas por aí, mas eu não acho clichê.
Porque eu não me sinto sozinha.

Nós somos tantas, e tão incríveis,
tão cheias de música, poesia e curvas, histórias pra contar.
Por que é que a gente deixa que as pessoas nos digam quem somos e qual é o nosso valor?

Fico de joelhos e olho nos olhos dessa filha que eu quero ter um dia
"Nunca deixe que ninguém te diga o que você tem que ser, o quanto você vale ou quem você é, baby, nem mesmo eu".
E ela assente, sem entender nada.

A minha dor é minha, e dói, dói, dói, dói.
E DÓI.
Dói porque é minha.
E ninguém vai me dizer quando deve passar ou como devo fazer ou pra esquecer.

Mas sim, eu quero ouvir que pode passar.

Não quero condescendência,
quero respeito.
Quero respeito pela minha tristeza,
pela minha alegria
e pelos meus sentimentos.

Não quero compaixão, não quero palavras vazias que você acha que possuem significado.

Eu quero lutar por mim mesma,
pra ser o quanto eu achar que devo ser.
Não quero seguir os caminhos de quem acha que sabe quais são os melhores caminhos,
eu não ligo pro seu futuro.

Não, e
você não faz ideia de como é difícil admitir isso,
mesmo aqui,
mesmo sabendo que isso não é realmente dizer pra você.

Mas é que existe tanta coisa que eu quero fazer
e você está desperdiçando meu tempo,
consumindo meu tempo.
Que é meu.
Meu tempo,
pra ser quem eu acho que devo ser.
Eu não quero ser a sombra de alguém,
e estou constantemente sentindo que é só o que sou.

E eu também não quero mais migalhas
e nem pessoas que me fazem mal, mesmo que a culpa seja minha.
E você pode até achar que não estou tentando o bastante, e acreditar que eu posso mais
obrigada,
mas só me importa o que eu acredito que posso fazer.

E acho que falo por muitas de nós quando digo
que vai passar
e que ainda vamos cometer muitos erros,
mas vamos juntas.
Cada uma pro seu próprio caminho, mas juntas.

Eu preciso de um tempo.
Pra pensar, sozinha,
sem sua interferência.
Pra entender quem eu sou, sozinha.

Eu tô aqui, jogando fora alguns papéis e organizando a vida, pedaço por pedaço,
redescobrindo quem sou,
fazendo planos
e entendendo que eu quero ser
que eu posso ser
cada vez melhor.
Talvez não pra você, talvez você nem veja a diferença,

mas eu verei.

E é só o que importa.

35x12 Mississipi

Imagem: TingTing Huang

Eu não sei flertar.
Não tenho coragem de te olhar pelos tais segundos mississipi.
Vou te comer com os olhos, é. Mas só quando você não estiver olhando.

Não sei jogar esse jogo,
não vou falar com você, pura e simplesmente.
Muito embora eu queira muito falar.
Sobre o gêmeo do Elvis, serial killers e essa história em quadrinhos pela qual estou apaixonada.
Eu quero falar sobre música, pegar na sua mão e me sentar num cantinho, pra conversar.

Não sei ser sedutora, ou chamar sua atenção,
nem chegar de mansinho.
Eu só sei esperar, que horror.

E é, eu adoraria puxar sua mão e te trazer pro meu mundo,
pro meu canto,
gêmeo de Elvis,
e realidades alternativas,
ser honesta e te falar sobre um conto da Clarice que não sei se entendi,
e sobre essa música maravilhosa e uma vontade que tenho de aprender certas coisas.
Mas eu não sou assim.

Eu espero, Jane Austen to the core.
Eu espero,
e não tem nada de errado em esperar.
Eu gosto de tanta coisa, eu penso em tanta coisa, mórbida ou não,
e eu tenho certeza de que
mesmo que eu não consiga sustentar esse olhar por esses segundos mississipi,
ou dançar sedutoramente,
ter conversas amenas adequadas,
mesmo que eu não me aproxime de você no momento oportuno como aquela garota foi capaz de fazer,
mesmo que

Isso não importa.
Porque eu sou assim, é parte da mágica haha.
Eu vou olhar pra você, e arregalar meus olhos,
desviar o olhar
e tentar te ignorar
dizer sempre as piores coisas nos piores momentos
e falar muito sobre morte, porque é do que falo quando estou nervosa

Eu não vou, nunca vou seguir as regras certas,
e gosto disso.
Se você for legal, se for a pessoa certa
vai gostar também.

Então, é
eu quero falar sobre coisas de gente velha,
sobre um livro que eu li,
um filme que eu vi,
e comer torta,
te explicar as coisas da maneira mais confusa possível.
E ouvir o que você tiver pra dizer.

Dê uma chance pra garota mais estranha da festa,
seja legal,
seja agradável
e sensato.
Tá todo mundo procurando alguma coisa,
às vezes a gente nem sabe o quê.
E pode ser incrível.

Então, esqueça as regras, só por esse minuto,
não tenha medo,

Vai ser incrível.

Early Cuts: L.O.V.E.

Imagem: TingTing Huang

N.A.: Acaso ou destino, encontrei esse texto escrito atrás de um gabarito antigo de uma prova da Unicamp, de 2012. Been there, done that. Tudo passa, minha pequena gafanhota, tudo há de passar.

"A gente não pode ser só amigo?"

Eu disse isso porque já não te amo, porque me amo demais pra suportar a anormalidade de uma vida sem você, sem seu cheiro de sol e esses olhos que encerram o balanço marinho.
Você diz "não dá" e eu sinto ânsia de vomitar só de pensar em não tocar mais os seus cabelos.

"Quem vai te entender tão bem, quem vai cuidar das suas coisas e amar os teus detalhes?", apelo, deixando implícito o medo dele de ficar sozinho, a eterna pergunta "quem mais vai me amar?".

Agarro-o pelo pescoço e acalento-o. Ele me deixa roer mais um dia, e eu vou roendo até o osso, até acabar a fome,

até não sobrar mais nada.

35x11 What is wrong with Norman

Imagem: TingTing Huang

- O quê?

Eu pergunto, e a voz na minha cabeça responde:
"Relaxe. Respire. Respire."

Eu quero gritar.
Quero destruir a casa, quebrar os pratos, cortar meus braços com os cacos, céus, eu preciso de cigarros.

Parte da síndrome de abstinência, você dirá.
Eu sinto uma dor de cabeça, constante, irritante.
E a raiva,
a raiva não passa.
Ela só está aqui, feito um cão rosnando na parte de trás da minha cabeça.

Sinto vontade de queimar coisas,
destruir,
morder,
xingar,
dizer verdades,
distribuir tapas.
Mais do que vontade, uma urgência

- Por que você não se corta, feito uma pessoa normal?, pergunta L, quando eu mando mensagem às 3 da manhã, elétrica, com vontade de sair por aí dirigindo pela cidade.
E a resposta é tão óbvia que chega a ser engraçada, então damos risada, mesmo sem querer.

Eu não posso ficar em casa,
tô me sentindo presa, enjaulada,
pantera de Rilke.
Mas aí saio de casa, dirijo por aí e fico parada no semáforo, na chuva, sem ter pra onde ir.
Minha prisão sou eu.

Sinto raiva,
de uma forma que não é nova,
mas que fica cada vez mais difícil de controlar.

Quero explodir,
quero sangue,
então como,
leio,
medito,
sussurro palavras sem sentido no meio da noite, pra me distrair,
recorto revistas
e colo figuras na parede do quarto.

Eu estou zangada,
de uma maneira que você compreenderia
e não é que seja difícil de compreender mas
NÃO SOMOS A MESMA PESSOA.
Não sentimos da mesma maneira, portanto você nunca entenderia da mesma maneira que eu.

Estou zangada a vida inteira,
guardando,
esperando.
Zangada com uma garota da primeira série que arrancou meus cílios,
com um soco que levei por ter me distraído,
uma resposta que não dei,
com o primeiro cara que não se sentiu obrigado a gostar de mim,
com o barulho da louça sendo lavada,
papel higiênico,
com desenhos sobre pinguins
e com o fato de que não estou medicada.

Eu estou furiosa com a condescendência que as pessoas acreditam ser empatia ou educação,
com o ócio,
com o meu futuro
com a minha própria estupidez
e com esses malditos neurotransmissores

Eu sinto isso crescendo, crescendo
Aquela sensação
eu a sinto comprimir meus pulmões
Ela fala comigo e eu não quero ouvir
Nunca mais
Eu não quero ouvir
Eu não quero ouvir
É a minha voz, é a sua voz, é a sua voz
e eu não quero mais ouvir, Gideon.
Nunca mais.

Medito,
Leio,
Assisto desenhos animados e comédias
Mas você não vai embora.

- Isso sou eu?

E ela cresce e se contorce,
eu a sinto chegar, como um ataque de pânico
e isso me deixa mais agitada
eu preciso me acalmar
eu preciso me acalmar
"Relaxe. Pense em uma poesia, pense em uma música'
Mas a dor aumenta, e parece que vai me partir ao meio, eu não consigo respirar

Ela faz sua mágica
"Pense em algo, pense em uma história. Pense sobre Ivan e o Gigante"
Eu penso.
Olhos cor de violeta, bolas de ouro derretido, tenazes, pedras preciosas.
"Funcionou :)"
Hoje.
Funcionou hoje.

Mas e amanhã?
E semana que vem?
Sábado à noite?

"Você sabe o que tem que fazer, B."
Sim, eu sei.

Leio.
Medito.
Como.
Assisto filmes.

Eu sei o que tenho que fazer.
E não vou fazer.

Nunca mais.

35x10 Shelter

Imagem: TingTing Huang

Eu senti a sua falta.
Quantas vezes já comecei um texto assim?
Blondie,
eu senti falta disso.

Tanto que nem consigo expressar direito o quanto me sinto grata pela sua presença.

Estamos no mesmo bar,
eu tô vestindo
pera, o que eu devo estar vestindo?
Minha máscara preta com as penas e um vestido tomara-que-caia?
Ou meu vestido azul? Eu pareço uma daquelas modelos de revista? HAHAHA
Tá legal,
que tal uma blusa preta e jeans mostarda?
Não?
Vestido?
Tô pensando.
Não, eu não estou excêntrica hoje, particularmente.
Calça preta, blusa preta, tênis pretos. Goth.
E você está usando aquela sua camisa azul pela qual sou apaixonada--
ok, entendi, é um bar
Você está usando sua camiseta lilás e jeans.
Está de all star, você sabe que amo quando você está de all star.

Estamos bebendo.
Você na sua mesa,
eu na minha.
Estou com amigos. (E daí que não gosto de bares, estou com amigos, não sei quais, mas estou)
E então, eu vejo você.
E meu coração parece que vai sair pela boca,
minhas costelas doem com a força com que ele bate contra elas.
Meu deus, eu te amo.
De um jeito que a realidade não explica.
Você está rindo de algo que algum dos seus amigos disse
e eu tô derretendo.
A gente não se vê faz quanto tempo? 2 anos, 3 anos?
Meu cabelo mudou, eu mudei.
Preciso falar com você, preciso tocar você, pra ter certeza de que você é real.

No mundo real, eu nunca,
você me conhece,
eu nunca me levantaria daquela mesa.
Teria ficado te olhando a noite inteira,
teria te visto ir embora

Mas isso não é a realidade, e eu posso fazer o que quiser.

Então eu tomo um gole do que quer que esteja bebendo
(provavelmente suco, mas direi que era uma Skol Beats Azul, que é a única coisa que tenho conseguido segurar no estômago) e me levanto da mesa, sem dizer a ninguém o que estou prestes a fazer
Tenho medo de tentar explicar e perceber que é loucura

A essa altura, já analisei sua mesa e percebi que nenhuma daquelas garotas está com você.
O que não quer dizer que você não queira estar com elas.
Mas tanto faz, eu acho.

Caminho na sua direção, tentando manter a postura correta, que nem sei qual é
E paro do seu lado na mesa
Digo boa noite pra todo mundo, eu sou uma menina educada,
olho nos seus olhos e digo
"Posso falar com você? É rápido, eu prometo"
E você me olha com a cara mais confusa do universo, me dá vontade de rir,
mas isso é porque estou nervosa
"Não é nada de mais", digo.
E você acena afirmativamente com a cabeça e se levanta, enquanto seus amigos dão risinhos nervosos que me deixam ainda mais nervosa.

A gente se afasta um pouco, mas nem tanto, só o suficiente pra que ninguém possa ouvir.
Eu tô olhando pra você
Meu deus
Estamos tão próximos
Tão próximos que eu poderia te tocar, mas não quero que isso fique mais esquisito.
Eu só preciso organizar as palavras na cabeça
e falar olhando nos seus olhos
que são lindos
que são incríveis
e eu não quero esquecer o que tenho pra dizer.

- Oi, meu nome é B.
Você não me conhece, e nem eu te conheço direito, acredite, e isso vai soar estranho...

E então eu conto.
Não tudo, só a versão hiper-resumida, que acho que é menos creepy e mais adequada.
E então digo
o quanto você é/foi importante pra mim.
E eu só preciso que você acredite em mim.
E acredite em si mesmo.
Acredite em mim.
Você é especial.
E eu queria te contar que vivemos dezenas de vidas juntos, mas acho que seria demais pra uma noite só.
Então eu termino rápido, enquanto seus olhos mudam de confuso para divertido e interessado e coisas que não compreendo e que me deixam maravilhada e deslumbrada, todas essas expressões de você que eu nunca vi e nunca imaginei, com essa minha incapacidade de ir além.
- E é isso. Desculpe, mas eu precisava dizer isso pra você. Era uma das coisas que eu precisava fazer antes de morrer. Sei que foi estranho, mas precisava ser feito.
Aproveito pra fazer a pergunta que sempre quis fazer.
E pra estender minha mão e apertar a sua, sentir a textura dela. Que é exatamente como eu achava que seria.
- Tchau.
- Obrigada, você diz.
E voltamos aos nossos lugares, onde nossos amigos provavelmente nos fazem milhões de perguntas e, conhecendo os meus, várias insinuações.
Eu queria ter dito mais coisas espirituosas, ter prometido não ficar olhando pra sua mesa,
mas tô feliz por não ter feito isso, porque não quero parar de olhar pra você.
Eu quero descontar por todos aqueles dias em que não pude te ver.
Desculpe, mas eu quero olhar pra você.

E, curiosamente, você quer olhar pra mim também.
Estamos nos enxergando, pela primeira vez
e eu não quero parar de te olhar.
Eu quero ter certeza de que te sei de cor, pra chegar em casa e descrever cada pedaço seu.
De novo,
e de novo.
Como já fiz outras vezes.

E a noite corre assim, entre risadas, conversas, eu te olho, você me olha, nossos olhares se encontram e a gente ri, entre sem graça e aquela outra coisa que se sente quando se sabe um segredo da outra pessoa, até que, você se levanta
e eu sinto primeiro aquele medo de que você vá embora
depois, quando percebo que você está vindo na minha direção,
sinto aquele alívio e percebo que estive rezando por isso a noite toda.
Você cumprimenta todo mundo, é um garoto educado, se abaixa perto de mim
e me diz que não consegue parar de pensar na minha história maluca,
Eu gostaria de fazer alguma coisa um dia desses e contar a história com mais detalhes?
Sim, gostaria.
Digito meu número no celular dele, tentando não tremer.
E ele salva o número,
- Ok, então. Tchau. Até mais.
E ele se inclina e me dá uma espécie de meio abraço, com um beijo desajeitado, perto demais da orelha, e isso não faz a menor diferença, porque eu sinto o cheiro dele
e cada pedaço de mim parece se descontrolar.
- Até
E, o resto,
o resto não importa.

O que você acha? Faz sentido?
Não sei de onde saiu isso, só sei que precisava de você,
como nos velhos tempos,
desses devaneios malucos de dias de chuva
nos quais eu ia me abrigar quando a vida real estava triste demais.

Sinto sua falta, Blondie.
sinto falta de te ver com mais frequência
e das conversas que nunca tivemos.
Mas obrigada.
Mesmo depois de todo esse tempo, de todos esses anos,
você continua sendo o meu abrigo.
Nos dias de chuva,
quando a vida real é real demais.

Um dia desses,
num bar qualquer,
numa esquina,
ou no supermercado (perto das batatas),
quem sabe a gente não se encontra
e eu prometo te contar
como essa história acabou na minha cabeça.

35x09 Costume e outras drogas

Imagem: TingTing Huang

N.A.: Peço milhões de desculpas por esse texto. Mas ele precisava ser escrito. Já faz tempo que me sinto assim, viciada nessa coisa que não consigo nomear. Não é normal, não é natural. E eu precisava de ajuda pra entender, pra descrever.
Acabei encontrando isso em dois textos sobre adicção, um da Scientific American e um texto brilhante e que merece ser lido, de um cara chamado Mark Pilgrim. Espero que entenda o que eu quis dizer, caro leitor. Aliás, espero que não. Não entenda.
Atualmente, estou limpa há 4 dias, 5 horas e 20 minutos. E contando.


Lavo as mãos, seringa limpa , agulha nova, sempre na direção do coração, injeto você ou o costume de nós dois.

O efeito é quase que imediato:
eu me sinto
maravilhosamente
horrível.

E eu quero me sentir horrível.

"Se você realmente se importasse comigo, não iria querer mais passar por isso"
"Você é melhor do que isso"
"Você não precisa disso"

Você está me queimando.
Vocês, essas palavras, nada disso possui significado.
Meu cérebro, meus neurotransmissores: eles não falam a sua língua.
O corpo quer o que o corpo quer.

Você me diz pra parar, pra jogar fora as seringas
e isso só me faz querer mais.
Isso só me faz precisar de mais.
E eu não quero querer mais.

Tento não pensar sobre isso,
eu tento não devanear sobre isso,
evito situações que possam fazer com que eu queira mais.
Mas não posso evitar tudo.
Ir à faculdade,
ficar em casa,
assistir filmes,
ir à festas,
escolher roupas,
dirigir,
ouvir música.
Pensar nessas coisas me dá vontade.
Deitar na cama sem estar com sono me dá vontade.
Situações estressantes ou eventos muito emocionantes, mesmo que muito bons,
me dão vontade.

Notas boas
notas ruins
um dia estressante na faculdade
brigar com os amigos
ganhar um sorteio
ou perder um.
E, de repente, estou sendo sugada por uma vontade incontrolável

Eu tento.
Eu saio de casa e faço coisas.
Eu falo com pessoas.
Eu saio com pessoas.
E, de alguma forma, sempre acabo em casa questionando minha sanidade.
Tem algo errado comigo?
Tem que ter, porque acabei sentada no parapeito, de novo, injetando doses cavalares disso.

Paro.
Não quero mais.
Começo a comer, comer comer comer comer comer
Meu corpo não aguenta
Vomito
Diarreias tétricas
Tomo o remédio do Dr. House e fico boba
Não dá

Estudo.
Eu só estudo.
Eu faço coisas, um milhão de coisas.
Ao mesmo tempo.
Sou a eficiência em pessoa, por dias, semanas até
Até que não consigo mais.
Eu não consigo pensar.
Começo a me sentir incapaz de fazer as coisas,
a ficar cansada
e rabugenta

Fico com medo de que acabe.
De não ter mais onde conseguir
Eu preciso me sentir mal.
Não tenho coragem de pedir,
começo a ficar paranoica, a sentir dores que não passam
O desconforto físico começa a ficar insuportável e não me deixa dormir.

Sinto medo de que alguém descubra, começo a tomar decisões
pra onde ir
onde comer
o que fazer no fim de semana
que me levem até onde posso conseguir mais

Quando isso passa?
Vai ser assim pra sempre?
Eu preciso mesmo chegar no fundo do poço pra perceber que preciso fazer algo sobre isso?

Mas, quando eu finalmente injeto isso, esse costume, não pode ser outra coisa,
isso não pode ser outra coisa
todo o resto parece
insignificante.
A sensação de alívio é indescritível, alívio físico, mental
Eu posso fazer qualquer coisa.
Eu me sinto incrível.
Eu não sinto vergonha
O tempo passa rápido e eu nem percebo
eu poderia ficar assim pra sempre.

Depois vem a culpa,
a vergonha
ter que esconder das outras pessoas,
omitir pedaços
fico entediada na maior parte do tempo

Chego meia hora atrasada, alta,
tão alta
e me sinto culpada, mas não o suficiente.
Digo que preciso ir embora mais cedo porque tenho um compromisso
Cubro os braços com casacos enormes
Não consigo esperar pra chegar em casa depois de um encontro, uso ali mesmo, no carro, no estacionamento. E de novo, ao chegar em casa.
Mais de uma vez, no mesmo fim de semana.
Mil habilidades que eu não sabia que tinha.
Mentir, com a cara mais cínica do mundo.
E desmarcar compromissos com amigos "Não estou me sentindo muito bem hoje, não quero estragar sua noite"
Mesmo quando é verdade, quando fico doente,
eu preciso usar. Pra acordar me sentindo lixo.
E usar de novo.
Dormir e sonhar, persistentemente, com isso.
Fazer muita merda, muita muita merda.
É quando as pessoas já sabem o que você quer antes mesmo que você diga.
E mentir muito. Pra todo mundo, o tempo todo.
Dormir no sofá por meses, quase um ano.
Ter seringas em todos os cômodos. Ou levar a sua no bolso, pra onde quer que esteja indo.
É não querer receber visitas que possam ver o caos que a sua vida se tornou. Pior do que isso, receber visitas porque não se importa com o que possam pensar.
Não conseguir terminar nada ou fazer as coisas que devem ser feitas, a não ser quando preciso fingir que está tudo ok.
E pensar todo ano que "ano que vem vai ser diferente"
Tentar parar e não conseguir. Ou tentar de verdade, como estou fazendo agora, e descobrir que está "dando um jeitinho" pra não ter que parar de verdade.

"Um dia eu paro", digo, depois de uma noite particularmente incrível e terrível
Deito na cama, me sentindo um pedaço de lixo
Meu quarto é um caos, restos de comida e copos espalhados pelo chão, misturados com roupas limpas, roupas sujas e sapatos. Empurro os livros e sacolas de cima da cama pra dormir, sem lavar o rosto
"Um dia eu paro"

Aí sento na cama, seringa limpa , agulha nova, sempre na direção do coração, injeto você ou o costume de nós dois.

E tudo fica bem no mundo

até o efeito passar.

35x08 The ability of happiness

Imagem: TingTing Huang

Cheguei à conclusão de que a felicidade está em todos lugares.
Ok, Pollyanna já sabia disso há séculos, assim como a princesa Sara.

Eu leio todos esses livros e não aprendo nada com eles, como você pode perceber.

Mas essa ideia me pegou de jeito, escondida na penumbra, de luto, esperando a manhã chegar, trazendo a morte ou esperança.

Sentei-me, sóbria demais, viva demais, meus dedos vazavam
Eu queria casa, cobertas e solidão.
E não sei se é tanto porque estou doente, ou se é porque sou assim.
Eu não sei mais quem é ela e quem sou eu.
E isso não é pra ser perturbador.

Acontece.
É como um relacionamento longo. Um dia, você acorda e não sabe direito onde você acaba e onde o outro começa.
Eu tenho essa dúvida.
Quanto dessa sensação é minha?

Pois bem.
Eu sinto que a felicidade está em todos os lugares.
Conversas,
na música,
comida,
na temperatura dos azulejos,
no gosto do álcool,
nas luzes noturnas
e nas pessoas.

E não consigo sentir.
Parece que estou dentro de uma bolha.
Sentir-se feliz é uma habilidade única e complexa.
Envolve receptores, neurotransmissores.
E, às vezes, parece que falta tudo.

"Pelo menos faça um esforço"
"Você tem mesmo que ser tão chata?"
"Por que você não bebe alguma coisa?"

Não é assim que funciona.

A felicidade está em todos os lugares.
Eu posso tocá-la, às vezes.
Eu posso ouví-la, eu posso sentir o gosto dela.
Na comida chinesa.
Eu a ouço, diariamente.
Eu a vejo nos seus olhos.
E é lindo, é incrível.

Mas a habilidade de sentí-la,
essa não é pra todos.
Envolve receptores, neurotransmissores.
Envolve tanta coisa, tanta.
Não é tão simples assim.

Eu conheci uma garota
e ela não conseguia ser feliz.
Nunca.
Eu conseguia ver nos olhos dela,
ela estava presa, vazia. Morta.
E então eles receitaram pílulas e pilulas e pílulas
e disseram que eram pra que ela fosse feliz.
Mas todos sabíamos que, na verdade,
eram pra que ela não sentisse falta de ser feliz.

Eu consigo.
Eu fico feliz em dias frios.
Quando como doces.
E ruffles de cebola e salsa.
Quando meus melhores amigos no universo decidem visitar
e quando leio livros.
Quando escrevo algo de que gosto e quando gostam disso.
Quando arrumo meu guarda-roupas, e quando lavo meus cabelos.
Quando ouço uma música, numa festa na qual eu queria estar,
ou quando alguém me diz algo surpreendente, e não finge que me conhece só porque passou algumas horas comigo.
Eu consigo fazer uma dança maluca
ou fazer elogios à pessoa certa
terminar uma história em quadrinhos.

Eu consigo.
Mas, na maior parte do tempo, eu estou muito preocupada sobre tanta coisa.
Se eu consigo ser bonita,
se as pessoas gostam de mim ou não,
o que eu sinto,
se eu sou uma boa pessoa,
se isso,
se aquilo
e isso devora minha habilidade, minhas conexões, meu sorriso,
minha vontade.

Você vê,
a felicidade está em todos os lugares.
Você só precisa saber sentir.
Sinta.
Eu acredito em adaptação.
Quanto mais você se sentir feliz, mais você será capaz de se sentir feliz.
E é, me desculpe se isso parece um discurso motivacional.
Não é minha intenção.

É só que eu estava lá
olhando
todo mundo parecia tão feliz
e eu sabia que eu só precisava
de alguma coisa
pra ser feliz também
mas eu estava tão preocupada
com o comprimento do meu vestido,
as minhas sandálias,
minha falta de conhecimento cultural,
vestidos,
diálogos,
o futuro
e tanta coisa boba.

Um cara de quem gosto muito, deus me perdoe (não romanticamente, ew),
me disse que sou a pessoa mais legal do mundo.
Assim, sem contexto.
E foi muito legal, porque ele não tinha motivo algum pra dizer aquilo.
Porque ele não me conhece.
Eu não gosto de elogios, eu não acredito neles. Nem em notas, nem em pessoas, nem em você.
Mas eu acreditei nele.
E aquilo me fez feliz.

E é isso o que eu quero ser.
É assim que quero me sentir.
Eu quero sair com gente que me faça bem.
Eu quero não sair. Eu quero passar tardes inteiras em casa, sem tomar banho, viver de sucrilhos e ovos.
Eu quero adquirir a habilidade de me fazer feliz.

Eu sou triste.
Eu estou triste.
Mas eu quero ser capaz de capturar a felicidade onde quer que ela esteja, qualquer fragmento, em qualquer lugar.
E eu consigo fazer isso.
Afinal de contas,
eu sou a pessoa mais legal do mundo.

35x07 A Freudian Nightmare

Imagem: TingTingHuang

No meio da noite, acordo, fraca, o rosto úmido de sangue que jorra do nariz.
Eu sangro.

Metal, ossos
Não há lugar para fraqueza.
Estanco o sangramento e vou à luta.
Eu levanto da cama,
eu sorrio,
eu conto piadas e histórias longas,
eu estudo,
volto pra casa
e sangro.

Sangro pelos olhos,
nariz
boca.
Sangro pelas orelhas,
vagina,
e ânus.

O sangue coagula debaixo das minhas unhas,
e suja minha comida,
minha cama,
minhas calças.

Digo a ela,
eu não sou humana,
como posso sangrar tanto?

E ela não sabe a resposta.
Mas eu sei que, de alguma forma,
isso tinha que acontecer.
Eu preciso sangrar.

"Talvez você esteja se tornando humana, B. Ninguém vive só de metal e ossos", diz L.
Talvez eu esteja,
talvez eu esteja melhorando.

Começo a pensar sobre as coisas nas quais não penso.
Eu consigo sentir.
Morte, fracasso, estar no lugar certo, amor cru.
Eu sonho.
Viver dói, e eu sinto.
E sigo em frente, deixando um rastro de sangue no chão.
Dói muito,
e eu não escondo, eu choro por dias a fio.
Porque a dor é pra ser sentida,
não é?

Ela vem de longe, sente o cheiro do meu sangue,
do sangue que não deveria existir,
do sangue que ela não planejou.
E eu digo a ela
que estou triste.
Eu sei o que é estar triste,
e estendo as mãos,
eu sei.

E é nesse momento que ela me corta.
Primeiro as mãos
Depois os braços
Seios
Pescoço
e ela dilacera meu rosto
rasga todo o meu corpo
pra me mostrar que tristeza é fraqueza.

Corta minha língua,
meus sonhos
e meus planos
em pedacinhos pequenos que não consigo juntar.

Ela não me fez pra ser humana
fui criada pra ser robô, metal e ossos
então ela espera, em silêncio, até que a última gota de sangue jorre
toda a vontade,
toda a luta,
toda a vida.

E, mesmo quando tudo sai,
ela continua cortando
e cortando
e cortando
cada conduto
pra se certificar de que não tem volta.

Sussurra nos meus ouvidos as palavras mágicas
e me convence de que
quem eu sou não tem importância
o que eu quero não tem importância
eu sou fraca
e nesse mundo não tem lugar pra fraqueza.

Pega suas malas, desce as escadas
e me deixa pra trás
limpando o chão sujo de sangue
tentando não acreditar
tentando desesperadamente não acreditar,
ao mesmo tempo em que repito pra mim mesma tudo o que ela acabou de dizer,
como se fossem verdades absolutas.

Que é o que são,
certo?

Certo.

35x06 355

Imagem: TingTing Huang

Eu quero você.
Eu amo você.

O mundo precisa de bravura.
Eu tô aqui pensando, aula longa, dor de cabeça,
não existem finais felizes porque as pessoas não acreditam neles.

Declarou-se para mim e eu disse não.
Eu também queria um final feliz, ele merecia um final feliz, e não era comigo. Falta bravura, uma amazona correndo na chuva, no sol de meio-dia.

"Martín, quero tomar um café com você"

Por que é tão difícil admitir que se gosta? Por que tanto medo de perder?
Porque a gente sempre tem que esperar até o último segundo pra dizer a verdade?

Eu quero você.
Eu quero que você me queira.

Ninguém é obrigado a gostar,
então não goste de mim.
Mas olhe nos meus olhos e diga que não gosta de mim.
O mundo precisa de bravura.
De gente crescida,
que aprende a deixar as fantasias de criança em seus devidos lugares e caminhar pelo mundo na direção certa,
Gente com a coragem de dizer seu verdadeiro nome, de comprar um vestido preto e saber que amor não é coisa boba.

Vou arrumar minhas malas, deixar minha bagunça pra trás,
e vou te buscar.
Vamos embora,
vamos fugir dessa cidade e de tudo o que ela representa.
De todo esse medo, de todas as cobranças,
das pessoas
e dos nossos pais.
Tô com a bolsa pronta e o cabelo lavado,
pegue a sua escova de dentes
e venha comigo.

O mundo precisa de bravura.
Venha comigo agora,
agora,
desça as escadas no exato segundo em que você ler essa mensagem,
e vamos embora.
Vamos dirigir até que a gasolina acabe e viver em qualquer lugar,
menos aqui.

Mas tem que ser agora.
Agora
ou nunca.