35x10 Shelter

Imagem: TingTing Huang

Eu senti a sua falta.
Quantas vezes já comecei um texto assim?
Blondie,
eu senti falta disso.

Tanto que nem consigo expressar direito o quanto me sinto grata pela sua presença.

Estamos no mesmo bar,
eu tô vestindo
pera, o que eu devo estar vestindo?
Minha máscara preta com as penas e um vestido tomara-que-caia?
Ou meu vestido azul? Eu pareço uma daquelas modelos de revista? HAHAHA
Tá legal,
que tal uma blusa preta e jeans mostarda?
Não?
Vestido?
Tô pensando.
Não, eu não estou excêntrica hoje, particularmente.
Calça preta, blusa preta, tênis pretos. Goth.
E você está usando aquela sua camisa azul pela qual sou apaixonada--
ok, entendi, é um bar
Você está usando sua camiseta lilás e jeans.
Está de all star, você sabe que amo quando você está de all star.

Estamos bebendo.
Você na sua mesa,
eu na minha.
Estou com amigos. (E daí que não gosto de bares, estou com amigos, não sei quais, mas estou)
E então, eu vejo você.
E meu coração parece que vai sair pela boca,
minhas costelas doem com a força com que ele bate contra elas.
Meu deus, eu te amo.
De um jeito que a realidade não explica.
Você está rindo de algo que algum dos seus amigos disse
e eu tô derretendo.
A gente não se vê faz quanto tempo? 2 anos, 3 anos?
Meu cabelo mudou, eu mudei.
Preciso falar com você, preciso tocar você, pra ter certeza de que você é real.

No mundo real, eu nunca,
você me conhece,
eu nunca me levantaria daquela mesa.
Teria ficado te olhando a noite inteira,
teria te visto ir embora

Mas isso não é a realidade, e eu posso fazer o que quiser.

Então eu tomo um gole do que quer que esteja bebendo
(provavelmente suco, mas direi que era uma Skol Beats Azul, que é a única coisa que tenho conseguido segurar no estômago) e me levanto da mesa, sem dizer a ninguém o que estou prestes a fazer
Tenho medo de tentar explicar e perceber que é loucura

A essa altura, já analisei sua mesa e percebi que nenhuma daquelas garotas está com você.
O que não quer dizer que você não queira estar com elas.
Mas tanto faz, eu acho.

Caminho na sua direção, tentando manter a postura correta, que nem sei qual é
E paro do seu lado na mesa
Digo boa noite pra todo mundo, eu sou uma menina educada,
olho nos seus olhos e digo
"Posso falar com você? É rápido, eu prometo"
E você me olha com a cara mais confusa do universo, me dá vontade de rir,
mas isso é porque estou nervosa
"Não é nada de mais", digo.
E você acena afirmativamente com a cabeça e se levanta, enquanto seus amigos dão risinhos nervosos que me deixam ainda mais nervosa.

A gente se afasta um pouco, mas nem tanto, só o suficiente pra que ninguém possa ouvir.
Eu tô olhando pra você
Meu deus
Estamos tão próximos
Tão próximos que eu poderia te tocar, mas não quero que isso fique mais esquisito.
Eu só preciso organizar as palavras na cabeça
e falar olhando nos seus olhos
que são lindos
que são incríveis
e eu não quero esquecer o que tenho pra dizer.

- Oi, meu nome é B.
Você não me conhece, e nem eu te conheço direito, acredite, e isso vai soar estranho...

E então eu conto.
Não tudo, só a versão hiper-resumida, que acho que é menos creepy e mais adequada.
E então digo
o quanto você é/foi importante pra mim.
E eu só preciso que você acredite em mim.
E acredite em si mesmo.
Acredite em mim.
Você é especial.
E eu queria te contar que vivemos dezenas de vidas juntos, mas acho que seria demais pra uma noite só.
Então eu termino rápido, enquanto seus olhos mudam de confuso para divertido e interessado e coisas que não compreendo e que me deixam maravilhada e deslumbrada, todas essas expressões de você que eu nunca vi e nunca imaginei, com essa minha incapacidade de ir além.
- E é isso. Desculpe, mas eu precisava dizer isso pra você. Era uma das coisas que eu precisava fazer antes de morrer. Sei que foi estranho, mas precisava ser feito.
Aproveito pra fazer a pergunta que sempre quis fazer.
E pra estender minha mão e apertar a sua, sentir a textura dela. Que é exatamente como eu achava que seria.
- Tchau.
- Obrigada, você diz.
E voltamos aos nossos lugares, onde nossos amigos provavelmente nos fazem milhões de perguntas e, conhecendo os meus, várias insinuações.
Eu queria ter dito mais coisas espirituosas, ter prometido não ficar olhando pra sua mesa,
mas tô feliz por não ter feito isso, porque não quero parar de olhar pra você.
Eu quero descontar por todos aqueles dias em que não pude te ver.
Desculpe, mas eu quero olhar pra você.

E, curiosamente, você quer olhar pra mim também.
Estamos nos enxergando, pela primeira vez
e eu não quero parar de te olhar.
Eu quero ter certeza de que te sei de cor, pra chegar em casa e descrever cada pedaço seu.
De novo,
e de novo.
Como já fiz outras vezes.

E a noite corre assim, entre risadas, conversas, eu te olho, você me olha, nossos olhares se encontram e a gente ri, entre sem graça e aquela outra coisa que se sente quando se sabe um segredo da outra pessoa, até que, você se levanta
e eu sinto primeiro aquele medo de que você vá embora
depois, quando percebo que você está vindo na minha direção,
sinto aquele alívio e percebo que estive rezando por isso a noite toda.
Você cumprimenta todo mundo, é um garoto educado, se abaixa perto de mim
e me diz que não consegue parar de pensar na minha história maluca,
Eu gostaria de fazer alguma coisa um dia desses e contar a história com mais detalhes?
Sim, gostaria.
Digito meu número no celular dele, tentando não tremer.
E ele salva o número,
- Ok, então. Tchau. Até mais.
E ele se inclina e me dá uma espécie de meio abraço, com um beijo desajeitado, perto demais da orelha, e isso não faz a menor diferença, porque eu sinto o cheiro dele
e cada pedaço de mim parece se descontrolar.
- Até
E, o resto,
o resto não importa.

O que você acha? Faz sentido?
Não sei de onde saiu isso, só sei que precisava de você,
como nos velhos tempos,
desses devaneios malucos de dias de chuva
nos quais eu ia me abrigar quando a vida real estava triste demais.

Sinto sua falta, Blondie.
sinto falta de te ver com mais frequência
e das conversas que nunca tivemos.
Mas obrigada.
Mesmo depois de todo esse tempo, de todos esses anos,
você continua sendo o meu abrigo.
Nos dias de chuva,
quando a vida real é real demais.

Um dia desses,
num bar qualquer,
numa esquina,
ou no supermercado (perto das batatas),
quem sabe a gente não se encontra
e eu prometo te contar
como essa história acabou na minha cabeça.

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