Imagem: TingTing Huang
Era uma vez
Bom, eu queria contar a história toda.
Mas não há tempo pra histórias longas, vocês só precisam saber que, um dia,
um certo capitão veio até a minha casa, me levou pra longe e me trouxe de volta.
E eu já não era a mesma.
Eu já não queria ser a mesma.
Eu queria ser dele, mas não sabia disso.
Levei um certo tempo pra perceber, enquanto ele já sabia de tudo, ele sempre sabe de tudo,
e me levou pra jantar,
pra ver o mundo pelos olhos dele,
entrou pela minha porta, tirou os sapatos, a camisa, minhas roupas,
minha vergonha,
e beijou a minha boca com tanta sutileza, tanta vontade e tanto medo que não podia ser diferente disso.
Ele despiu seu uniforme, arrumou meus lençóis e deitou no canto da cama, trouxe comida e escova de dentes,
foi embora prometendo voltar,
e voltou.
Várias vezes, deixando seu cheiro pelos cantos, marquinhas pequenas de mordidas, copos na pia, passos na escada,
o travesseiro na cama, a ausência marcante no silêncio do apartamento.
Voltou e trouxe qualquer coisa de fora, qualquer coisa que eu não sei como se chama ainda, ou que eu não quero saber como se chama, que me deixa calma e feliz e otimista e esperançosa e feliz e invencível.
Voltou e trouxe consigo essa coisa específica, exclusiva, que vai além das milhares de pintas que se espalham pelo seu corpo, da capacidade (terrível) de imitar vozes e onomatopeias e de criar mundos e pessoas, uma coisa cujo nome eu também não sei, mas que tá no tom da voz dele quando ele me diz coisas incríveis, quando falamos sobre o futuro, tá nos olhos dele quando ele olha nos meus, na respiração, no gosto da boca, no calor do corpo, no cheiro do quarto, tem alguma coisa
que só ele tem, algo relacionado a essa lua em virgem, sol em áries, gente que nasce em minas, que abraça gostoso como o quê.
Eu tento entender, explicar, dou um passo pra trás e ele me puxa pra perto, ele me promete que vamos mais devagar, mas a gente corre mesmo assim, porque é certo e é bom, ele fica pra dormir e eu não quero que ele vá embora quando a manhã chegar.
Evito palavras, fico com medo do mundo e de mim, mas ele entrelaça os dedos nos meus e eu simplesmente sei que ele não vai fugir quando as coisas ruins começarem a acontecer.
A gente se beija e eu não quero mais voltar atrás.
Mas eu também não sei seguir em frente.
Ele me diz que eu posso fazer o que quiser. Da vida, dele.
Eu faço cafuné, pego um cílio caído do olho dele e fazemos pedidos
Peço pra gente ser feliz.
às vezes, eu ganho.
às vezes, ele ganha.
às vezes, ninguém ganha.
E eu fico assustada,
morro de medo de que isso queira dizer que a gente não vai dar certo, eu vou cagar tudo em breve e ele vai correr pras colinas ou vai acabar machucado e sozinho.
Aí eu olho pra ele assustada, e ele tá me olhando de volta.
Com aquele sorriso enigmático ou com aquela cara de "caralho, como você é linda". E eu não sou linda, eu não sou nada, eu sou só eu. Mas, ainda assim,
isso não faz diferença.
Nem o cílio,
nem as previsões do horóscopo ou o Rei de Espadas ou as milhares de coisas que podem dar errado.
Porque eu quero que dê certo.
Holy shit, eu quero que dê certo.
Ele me pergunta "O que foi?"
Eu tô pensando se isso é o que eu acho que é.
E tô achando que pode ser, mas não vou te contar isso agora.
Isso pode esperar, a gente tem todo o tempo do mundo.
- O que foi? Fala.
- Nada, eu respondo.
E você podia insistir, você sabe que, se insistir, eu vou inventar alguma coisa, talvez até conte a verdade, mas não quero ainda.
Então você dá de ombros
e me beija de novo.
E tudo fica bem no mundo.
41x06 Um certo capitão
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