42x20 Hello (Season finale)

Imagem: TingTing Huang

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...

Eu não consigo, não dá.
Vamos começar de novo.

Vamos começar do zero, tá bem?

Me diz como foi seu dia.
Eu peço um café.
E você batatas fritas, meu Deus já passa do meio-dia.
Bagunço o seu cabelo, como tá grande, maior do que o meu.
E você desenrola uma das minhas molinhas, pra ver se é verdade.
Senti sua falta e nem sabia que sentia tanta saudade.
Eu tô com medo - você talvez diga.
Não ouvi direito, estava checando minhas mensagens.
Medo de quê?
Fala mais alto, eu não consigo ouvir a sua voz.
E eu só quero ouvir a sua voz.

Mas você fala cada vez mais baixo, em códigos que eu não consigo desvendar,
e o mundo escurece,
você vai embora
e nem olha pra trás.

De novo,
e de novo,
e de novo.

Enquanto eu fico.

Por que você está sempre um passo a frente?

Eu posso me levantar e correr atrás de você,
firme, resoluta,
eu posso segurar seu braço,
de que é que você tem medo?

Me fala,
me grita,
me escuta.

Eu posso me levantar e correr até você,
essa é a hora,
mais uma chance,
(e se for a última?),
minhas pernas inquietas,
meus cabelos revoltos,
meu deus, e se for a última,

mas
(Como pode? Como cabe tanta coisa dentro de uma palavrinha tão pequena, tanto tempo, tantos anos, tantas palavras, tantas pessoas, tantas sensações, tanta covardia?)

E aí acaba,
como sempre acabou.

Você vai embora,
e eu fico.

Eu sempre fico.

Esperando,
esperando,

sem saber pelo quê.

Early Cuts: The end of it all

Imagem: TingTing Huang

Sobre um homem:

Não me deixe morrer.
Só não me deixe morrer sozinho.
Não me deixe morrer no escuro, ao dormir.
Não deixe que me toquem sem saber quem fui, sem que respeitem minha história.

Eu fui o rei de Sabá, o pai dos dragões, eu falo a voz da chuva e, quando eu morrer, o céu vai chorar.
Eu sou o deus das formigas e eu vivo por meio das histórias dos meus filhos.

Eu sou o homem mais poderoso do mundo
e tenho medo de morrer só.
Não me deixe morrer só.

Leia histórias de ninar para que eu ouça a sua voz no caminho para o além.
Não solte a minha mão.

Sua boca já me botou em chamas, então não me deixe nunca mais seguir só no escuro.
E eu não vou te deixar.

Eu vou esperar, iluminando o caminho, cantando, pra que você não se perca.

Eu estarei lá, então não me deixe morrer sozinho.
Não tenho medo da morte, mas não suporto a ideia da solidão.

Minha hora chega e o céu já começa a escurecer. A morfina me leva devagar, me aconchega, mas não solte a minha mão.

Só mais um pouco.
Só mais um pouco.

Obrigado.

42x19 Anything bad

Imagem: TingTing Huang

Pego a sua mão gelada no escuro, estamos de volta, estamos de volta, full creepy horror,
e você não se lembra como aconteceu.

- Tem algo errado com seu cérebro, você me diz. Talvez seja o sangue que me sai das orelhas, talvez o fato de que tudo dói, e eu não sei como dizer.

Tudo dói.

Mas você não vai embora, porque não se sai daqui, não se vai embora.

Você limpa o sangue com os dedos brancos e cheirosos, e me recita uma poesia antiga.

Coisas ruins não acontecem com você.
Mas lá fora, tudo é ruim.

Você tá preocupado, me diz que isso não deveria acontecer, que isso tá acontecendo porque eu preciso de equilíbrio. Mas eu sou Atlas, eu preciso segurar, eu preciso aguentar, por mim e por todo mundo.

E você me diz que vai resolver.
Você vai resolver.

Lambe meus cabelos sujos de sangue, minhas orelhas, meus olhos, nariz e boca, sôfrego.

Segura meus dedos de unhas compridas e morde, mastiga, ossos, tendões e carne, um por um,você mastiga e se alimenta da minha carne, ossos, sangue, pêlos.

Eu não sinto dor, só essa sensação boa, um sono bom, como se tudo fosse embora. as vozes, as necessidades, as batidas fortes do meu coração duro. Uma sensação bizarra de que tudo está certo.

Você arranca pedaços grandes de pele e músculo, rasga meu rosto sem hesitar, e mastiga cada osso, faminto, tão faminto que eu me sinto útil.
Eu me sinto viva.

Eu sinto como se fosse a única coisa certa que fiz em muito tempo.

Come minhas vísceras, estômago e intestinos, sem parar pra respirar, e não deixa nada.

Não tem mais nada,
e é tão leve.

Você arrota, satisfeito, com a sensação de trabalho cumprido, e deita na minha cama, dorme o sonho dos justos, sem sonho,
sem culpa,
como deve ser.

42x18 Teu

Imagem: TingTing Huang

Para uma mulher que não conheci. 

E silêncio, corta.

Há silêncio no mundo, no lugar onde você estava. Acho que estou gritando, mas sem abrir a boca.

Eu me lembro dos seus cabelos bagunçados pela manhã, uma textura agradável, macia, rude e forte, suas cores.

Passos firmes, fortes, diretos.

Calor.
E amor.

Agora, silêncio.

Alguém me segura, controla meus impulsos de correr até você, e eu só assisto, eu só posso assistir. Eu vim ao mundo observar.

E eu observo o tempo de um lugar que seus olhos não podem ver,
observo enquanto você se enxerga no espelho pela primeira vez.
Eu estou lá no seu primeiro beijo,
e durante a primeira vez em que você faz sexo.

Moça,
moça bonita do laço de fita

Você abre a porta,
você fecha a porta.

Dias e dias, uma vida toda pela frente.
Tem tanta luta ainda, tem tanto chão pra caminhar, e o seu irmão te abraça, desajeitado.

Não chore.
É dia, é noite,
é quando.

Eu quero poder falar, eu quero poder te salvar,
do mundo
da vida,
dos meninos malvados nas ruas.

Mas eu não sei falar, eu só sei olhar enquanto te machucam.

E eles machucam.
Tanto, tanto.
Que, mesmo sabendo que você vai se levantar, eu temo que você não se levante.
Mas você se levanta.
Linda.

Eu caminho atrás do seu rosto, debaixo as luzes neon dessa cidade misteriosa, eu quero te tocar, eu quero que você pare.
Pare.

E você para, em plena rua escura, eu e você, finalmente, nos encontrando, nos conhecendo, e eu só preciso que você volte, volte comigo, entenda o que quero dizer.

Mas você só consegue olhar nos meus olhos e ver
tudo
todas as respostas que ninguém nunca soube,
e elas machucam algo tão profundo que você só consegue fugir.

Rasga suas roupas,
você está pronto para o que há de vir.

Há luz,
e a mãe,
e seu corpo urge e pede por sua volta pra casa,
pede seu retorno ao que você realmente é.

E você foge de mim,
você corre rápido, nu,
você brilha, e o mundo responde suas perguntas com as vozes do concreto e do ar,
seus pulmões gritam,
e você simplesmente sabe.

Desculpe.
Você simplesmente sabe que todos precisam saber, mas você não sabe como ordenar as palavras, porque não são mais palavras, são sons, sons vivos, que se espalham pelo ar em forma de amor.

Eu tento te explicar,
eu tento te segurar,
mas você tem tanto a dizer.
Você entendeu tudo.
Você preencheu o vazio.

E eu quero tocar o seu rosto,
e dizer que te amei sem te conhecer,
e que eu também tive fome de você,
mas não estamos mais sozinhos.

As luzes se acendem,
e eles chegam.
Eles chegam pra te buscar.
Porque eles não podem entender, mas você pode.
E eles sentem medo.

Eu te estendo a mão,
e você me grita o segredo mais profundo do universo,
sem saber que ninguém pode te compreender.

E eu sei o que vão fazer,
porque eles já fizeram antes.
E eu já não posso mais assistir.

Eu não posso assistir seu silêncio, mulher.

Então eu caminho até um dia feliz,
você, tão bonita, e tinha tanto pra ver,
tanto pra dizer.

Eu caminho por cada um dos seus sorrisos.

E me apaixono por cada um deles.

Há silêncio no mundo, no lugar onde você esteve.
Há uma ausência profunda,
medo e dor.

Mas é o seu espaço.
É você, mulher, um grito silencioso ecoando na noite, bravura sob a luz do sol.
E nada vai fazer com que eu me esqueça.

Caminho até um dia de sol,
pra te olhar mais um vez,
só mais uma, morta de medo de esquecer seu rosto.

Mas aí percebo que não importa se eu esquecer seu rosto,
eu não posso esquecer sua luta.

Você vive em mim.
Em milhares de nós.

E, desde então, o silêncio no mundo, no lugar onde você esteve se transformou em um milhão de gritos.

Seja livre.
Seja feliz.

Adeus.

42x17 Jump, Violet, jump

Imagem: TingTing Huang

Tô com tanto medo que não consigo dormir.
Não sinto muita fome,
nem vontade.

Tô com medo.
De algo que eu conseguiria fazer.
Ou não.

De algo que eu não quero nem tentar.

Eu tô com muito medo, apavorada, quase catatônica.
Não consigo respirar.

Tenho pesadelos.
Acordo e durmo com a mesma ideia fixa na cabeça.

Tô com medo, e não sei mais o que fazer, eu não sei como fazer, eu não sei como pensar.

Digo pra mim mesma
"Você consegue"
Mas a mulher no espelho sente medo.
E eu nem posso resolver porque não sei do que tenho medo.

Saio de casa pra me distrair,
durmo fora,
volto,
e o computador me encara, amuado.

Estudo, fingindo que não existe um contador enorme no quarto, me dizendo que tenho 3 dias pra me decidir.

Leio meu horóscopo e ele não me diz nada, ninguém pode se decidir por mim.

Mas eu não quero decidir.

Eu só não quero decidir.

Eu só quero cobrir a cabeça e desistir, mas e se eu estiver desistindo da melhor oportunidade da minha vida?
E se eu estiver deixando de lado a minha grande oportunidade?

Eu acho que tenho tanto medo de não conseguir, que não quero nem tentar.

Mas saber não me ajuda,
porque o medo continua aqui.

3 dias.

42x16 Enquanto isso, aqui dentro

Imagem: TingTing Huang

Bom dia.
É tão bom acordar em um mundo onde você me ama.
Verdade, eu te digo que te amo todos os dias, e eu ouço todos os dias, mas eu não me canso, eu nunca vou me cansar.

É tão bom, incrível e belo, dormir sabendo que vai ficar tudo bem.

É tão bom me sentir inundar de sentimentos bons quando vejo uma cena de amor.

Eu amo você.
Que simplório, que comum, que clichê.
Eu amo você.
Daquele jeito como pessoas adultas que não são adultas se amam.
Sem desespero, sem dor.
Eu te amo porque te amo.
E tenho medo quando você demora a chegar em casa.
Eu te amo daquele jeito de quem pensa em comprar um guarda-roupas maior em alguns anos, de quem compra uma coisa a mais no supermercado e possui um lado da cama pra deitar.

Eu te amo de um jeito especial, bastante específico,
sem música,
sem arroubos de ódio, sem ressentimento,
eu te amo como se você fosse uma visita há muito esperada, que raramente aparece,
como se você fosse uma manhã amena, daquelas que te fazem querer ficar olhando pela janela.

Eu amo quando seguro sua mão, assim, no meio de um desespero súbito e inexplicado, e você segura de volta, de uma forma gentil que diz "olá, eu estou aqui".
Amo a forma como você olha pra mim, por favor, nunca pare de me olhar assim, nunca.
Eu me sinto como se eu fosse o ser humano mais especial do mundo.

Amo seus passos nas escadas, e o seu sono no meio da tarde,
te observar dormindo na penumbra, desejando que o tempo não passe.

Amo a familiaridade dos nossos pés descalços, e como conhecemos as distâncias no escuro.

Eu te amo tanto, que tive que escrever algo porque, mesmo nesse redemoinho de insanidade, preocupação e desrealização, eu preciso que você saiba, eu preciso que fique registrado:
eu amo você.

E isso é bom.
Entende o que eu quero dizer?

É bom.
Bom demais da conta.

42x15 Flatliner

Imagem: TingTing Huang

Vazio.

A mãe dela bate em seu rosto com a mão tão fria que parece a chuva forte cortando a noite.

Ela acorda, no silêncio.
É noite.
É sempre noite.
Quando acorda, quando sai, quando volta.

- Eu estou triste, -  ela diz, para o espelho - Eu estou feliz.
Ela está.
Trança os cabelos bem devagar enquanto a lua muda de fases, e ela abre a porta no meio da noite sem saber que dia é.

O telefone toca,
ela sai,
e come,
e beija,
e ama,
tudo tão normal, então ela dorme e acorda no meio da noite.

E a morte chama, mas ela não ouve, ela não pode conversar porque ela está.

Abre um rombo no próprio peito e quase morre sufocada, mas não dói.
E tudo bem,
porque não dói.

- Você ri do que é engraçado?
- O que é engraçado? O que é bom?

Ela morde os lábios, amarra a boca, arranha os dentes uns nos outros, tem algo. Tem algo lá dentro, crescendo, crescendo e morrendo, em desespero,
mas ela respira fundo,
busca uma distração,
mais uma,
e outra,
e outra,
e outra.
Até a sensação passar.

Então, ela dorme, no escuro, sem medo.
E acorda, no escuro,
segura.

Ela está.

Por que não pode ser o suficiente?

42x14 Insomniac

Imagem: TingTing Huang

Acordo.

E é isso.
Abro e fecho os olhos.
Conto carneirinhos.
Mil coisas passando pela cabeça;
Náusea intensa e a cabeça girando, redemoinhos e trovões, eu no centro de tudo, do muno inteiro, sozinha, com frio; com tudo dolorido e cinza, implorando por sono, só um pouco, com medo de olhar no relógio e saber que é a hora, hora de quê?

Nem isso eu sei, meu peito rasgando com aforça das palpitações e eu sem saber o que fazer, como dormir, como voltar ao que eu era antes.

Estou velha e cinzenta, e meu corpo simplesmente não consegue comportar, meu corpo não consegue aguentar e ele me pede pra parar e dormir.

Mas eu não consigo.
Eu não consigo.

Fecho os olhos com toda a força do mundo, mas o mundo não apaga as luzes,
então eu espero as luzes da manhã chegarem, de novo e de novo,
sem saber o porquê.

às vezes, sinto medo de que meu coração exploda no meio da noite, com esse bater incessante,
sinto medo de que alguém possa ouví-lo espernear,
sinto medo
de nunca deixar de sentir medo.